Vale anuncia retorno das obras de alteamento da barragem Itabiruçu. Antes, dizia que estava apenas reforçando a estrutura

Carlos Cruz

Em comunicado pelo informativo Vale Informa, a mineradora diz que retornou, desde 4 de abril, as obras de alteamento da barragem Itabiruçu, que até então figura como a segunda maior estrutura de contenção de rejeitos de Itabira, perdendo em volume armazenado para a barragem do Pontal.

Com o alteamento, a barragem de Itabiruçu saltará da cota 836 metros em relação ao nível do mar para a cota 850. As obras de alteamento foram licenciadas em 30 de outubro de 2018 pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), depois de receber parecer favorável da Superintendência de Projetos Prioritários (Suppri).

Boletim informativo da Vale

Entretanto, um ano após o seu início, as obras foram paralisadas em outubro de 2019, após ser constatado o aparecimento de fissuras (rachaduras) no novo barramento em construção.

Foi quando a barragem entrou no nível 1 de emergência e a disposição de rejeitos na estrutura foi suspensa.

“A decisão de paralisar as atividades dessa barragem derivou de avaliação da própria Vale, acordada com órgãos de fiscalização externos, sobre a necessidade de realizar estudos complementares sobre as suas caraterísticas geotécnicas”, foi o que comunicou a mineradora na ocasião.

A paralisação das obras de alteamento cumpriu também uma decisão judicial, na ação civil pública movida pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), que conta com assessoria técnica da empresa Aecom do Brasil.

Presídio do Rio de Peixe

Após interdição, Vale deve um novo presídio, do mesmo porte, a Itabira (Fotos: Carlos Cruz

Uma das consequências foi a desativação do presídio do Rio de Peixe, uma vez que detentos e agentes penitenciários não teriam tempo de escapar da lama de rejeitos, no caso de ruptura da estrutura. Atualmente Itabiruçu já não está mais em nível de emergência, mas o presídio continua interditado – e sem vigilância, foi depredado.

“A barragem possui Declaração de Condição de Estabilidade (DCE) positiva, é inspecionada regularmente por equipes técnicas e recebe monitoramento do Centro de Monitoramento Geotécnico (CMG)”, assegura a mineradora em seu informativo.

Embora informe que as obras de alteamento irão “garantir a segurança e a continuidade operacional do complexo de Itabira”, mais de 20 mil moradores dos bairros que estão abaixo da estrutura permanecem na rota da lama em caso de ruptura, podendo ser atingidos em poucos minutos.

Portanto, juntamente com as obras de alteamento, a empresa precisa resolver os inúmeros conflitos que afligem esses moradores, incluindo a construção de um novo presídio para Itabira, do mesmo porte do que existia no Rio de Peixe, construído em 2008 com recursos do município.

A Vale informa que o alteamento será executado pelo método a jusante, considerado mais seguro. Mas isso, como se sabe, não garante a segurança total da estrutura – e para sempre permanecerá o risco de ruptura desse imenso reservatório de rejeitos e água.

Capacidade armazenamento

Alteamento elevará a capacidade de armazenamento de rejeitos e água muito além do que a estrutura foi inicialmente projetada

Segundo a mineradora, o reservatório de Itabiruçu passará a contar com um volume final de 222,8 milhões de metros cúbicos (Mm³) – sendo que o atual conta com volume de 130,9 milhões de metros cúbicos.

Entretanto, esse volume é controverso. É que os dados fornecidos pela empresa à Agência Nacional de Mineração (ANM), e que constam do Cadastro Nacional das Barragens, não batem com o que foi informado à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), por meio de tabela anexada ao processo de Licença de Operação Corretiva (LOC), concedida para as obras emergenciais que resultaram no alteamento da estrutura para a cota atual de 836 metros.

Tabela com os volumes de rejeitos e água nas diferentes etapas do alteamento de Itabiruçu (Fonte: Supri/Semad)

De acordo com essa tabela, obtida pela reportagem deste site, desde que atingiu a cota 833, Itabiruçu já disporia de um reservatório com capacidade de armazenar 222,9 milhões de metros cúbicos (Mm³).

Os dados apurados constam do parecer da Superintendência de Projetos Prioritários (Suppri), órgão técnico da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), que recomendou a aprovação da referida LOC.

Ainda de acordo com a tabela do relatório Suppri/Semad, ao alcançar a cota 850, após o alteamento, a capacidade total da barragem saltará para 313,8 Mm³ entre rejeitos e água. Esses números são oficiais – e constam do Estudo de Impacto Ambiental (EIA), apresentado pelo empreendedor.

Após o alteamento, Itabiruçu passa a ser a maior estrutura de contenção de rejeitos de minério de ferro do país. E isso ocorre mesmo depois das trágicas rupturas das barragens de Mariana e Brumadinho, que ocasionaram centenas de mortes de trabalhadores, moradores e turistas, além de deixar um rastro de destruição ambiental permanente nas bacias dos rios Doce e São Francisco (rio Paraopeba).

Ou seja, os riscos para os moradores que vivem abaixo da estrutura serão permanentes, mesmo que a barragem tenha sido construída pelo método a jusante, “considerado mais seguro” e possua Declaração de Condição de Estabilidade Positiva.

Saiba mais aqui:

Itabiruçu já comporta 222,9 Mm³ de rejeitos e água, registra a Supri. Volume só deveria ser alcançado com o alteamento

E também aqui:

Itabiruçu foi projetada para ser alteada só até a cota 833, é o que diz relatório técnico

Problemas estruturais

No comunicado da Vale falta informar à sociedade itabirana como foram resolvidos os problemas estruturais que ameaçavam a segurança da barragem, conforme a própria mineradora reconheceu anteriormente, por ocasião da suspensão das obras de alteamento, em 2019.

Falta também informar como foram resolvidas as questões geológicas apontadas pelos engenheiros e consultores Antônio Carlos Felício Lambertini, da empresa Geologia de Engenharia (Geoservice) e Carla Schimidt, da M.Sc. in Sustainable Forestry and Land Use Management (Obedrdiek).

Engenheiro Antônio Carlos Felício Lambertini fez denúncia ao CREA-SP e ao Ministério Público Federal sobre Itabiruçu (Foto: Reprodução)

Em artigo técnico-científico apresentado no XXX Seminário Nacional de Grandes Barragens, ocorrido entre os dias 12 e 14 de maio de 2015, em Foz do Iguaçu, Paraná, onde está situada a hidrelétrica de Itaipu, a maior do mundo, os consultores fizeram sérias advertências sobre a segurança das barragens existentes no vale do rio de Peixe, em Itabira (MG), citando o caso de Itabiruçu, além de outras estruturas da Vale no município.

Os autores, mesmo reconhecendo que as barragens avaliadas tenham sido construídas com alteamento a jusante, o que as tornam mais seguras, assinalam vários riscos à sua segurança.

“O risco associado a este tipo de barragem (de rejeito) é sensivelmente superior a barramentos de qualquer outra atividade. A proximidade destes barramentos com a área urbana do vale a jusante exige uma reavaliação estatística das deteriorações físicas ocorridas, bem como a instalação de métodos mais ágeis de avaliação do comportamento dessas barragens”, escreveram os autores.

“A galeria extravasora do vertedouro tulipa (de Itabiruçu) foi instalada numa região com grande probabilidade de ocorrência de solo residual de alta compressibilidade de modo que a galeria pode ter sofrido um deslocamento, muito provavelmente, maior que a capacidade de deformação do solo do maciço, o que eventualmente pode ter ocasionado o surgimento de grandes vazios que se estabilizam temporariamente.”

“Porém, com o alteamento da crista da barragem podem ocorrer vazamentos de água sob pressão pelas juntas da galeria chegando a provocar rompimentos hidráulicos prejudiciais ao maciço, com consequências irreversíveis e, em alguns casos, desastrosas”, registraram os consultores.

Para o engenheiro Lambertini, essas falhas seriam claros sinais que elevam consideravelmente o risco de rompimento da barragem. “Como esse solo (onde está Itabiruçu) tem uma capacidade de suporte muito baixa, qualquer coisa que se ponha em cima, ele afunda”, afirmou o engenheiro em reportagem concedida à Band News, logo após o rompimento da barragem de Mariana.

Antes, como as suas advertências não foram acatadas pela Vale, o engenheiro pediu demissão da empresa contratada pela mineradora para fazer o segundo alteamento da barragem. E denunciou o caso ao Conselho Regional de Engenharia (CREA-SP).

Ao fazer a denúncia ao CREA, Lambertini conta ter advertido os seus superiores hierárquicos. “Eu fiz um relatório e apresentei para o meu chefe, quando disse que essa barragem apresenta um risco muito elevado.”

Por não terem sido acatadas as suas objeções ao alteamento da barragem, o engenheiro decidiu denunciar o caso ao Ministério Público Federal, o que ocorreu em 18 de dezembro de 2017.

Foi quando ele fez também pedido de investigação do caso pelo Ministério Público Federal (manifestação de número 2017009935), onde corre ainda em sigilo. Com isso, se a denúncia foi devidamente investigada, ou se foi abafada, não se sabe.

Leia reportagem aqui:

Consultores analisam situações de risco das barragens no vale do rio de Peixe, em Itabira

E o artigo técnico aqui:

http://ptdocz.com/doc/1009026/itabira-e-o-vale-do-ribeir%C3%A3o-do-peixe

Reserva legal

Reserva legal será suprimida, mas mantém-se a RPPN Itabiruçu (Foto: Roberto Murta/Biodiversidade/Vale)

De acordo com o relatório de aprovação do licenciamento do alteamento de Itabiruçu, foi realizada consulta ao Zoneamento Ecológico-Econômico de Minas Gerais, sendo identificada para o empreendimento uma vulnerabilidade natural média.

Isso significa que a área apresenta restrição moderada quanto à utilização dos recursos naturais.

Para o alteamento será suprimida uma reserva legal de 291,38 hectares. Como forma de compensar essa supressão, a Vale diz ter constituída uma nova reserva legal na fazenda Santa Catarina, com 477,19 hectares. E outra na fazenda Criciúma, com 27,19 hectares.

Ambas propriedades, adquiridas pela Vale estão situadas em Itabira, na bacia do rio Tanque, afluente dos rios Santo Antônio e Doce.

Nessas fazendas, segundo informa a mineradora, contêm fragmentos descritos como remanescentes de Mata Atlântica, bioma predominante na região.

 

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