Vai faltar água nas torneiras na Serra dos Alves neste Carnaval, um paradoxo que se arrasta há anos com o crescimento desordenado

Fotos: Eduardo Cruz

Quem for passar o feriado prolongado de Carnaval na Serra dos Alves, distrito de Senhora do Carmo, em Itabira, que se prepare: com o grande fluxo de pessoas e lotação máxima das residências e pousadas, é certo que vai faltar água nas torneiras das cozinhas e até mesmo para o banho.

Isso porque a captação desse recurso em nascentes, como tradicionalmente é feito, assim como a pequena capacidade de reservação no povoado, não têm sido suficientes para suprir a crescente demanda.

Esse é um dos muitos problemas estruturais que Serra dos Alves enfrenta após boom imobiliário, que resultou em ocupações desordenadas, inclusive em áreas de preservação permanente, com fracionamento do módulo de 1.000 metros quadrados, com muitos novos proprietários desrespeitando a ocupação máxima de 50% dos lotes, conforme prescreve o seu Plano Diretor.

A solução encontrada pela administração municipal passada foi construir uma Estação de Tratamento de Água (ETA), já concluída, mas que está sem entrar em operação por vários motivos aparentemente insanáveis. Primeiro, por não haver no povoado sistema trifásico de rede elétrica para fazer o bombeamento da água do rio Tanque até a estação e dessa para o povoado.

Segundo, não há rede de distribuição da ETA para as residências, como também não há para se fazer a captação da água do rio. Terceiro, não foi construído tanques para reservação, não havendo como assegurar um volume de água suficiente para atender à crescente demanda, mesmo que a ETA já estivesse em operação.

“Entendemos que não há viabilidade técnica e financeira para operar a estação, por isso estamos buscando outra solução para o abastecimento. A comunidade do Palmital, que é maior que Serra dos Alves, é atendida por poços artesianos e lá não há a falta de água como se observa em Serra dos Alves”, disse o diretor técnico do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae), Júlio Saldanha, nessa sexta-feira (10), na reunião do Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema).

A convite do órgão ambiental, a autarquia municipal participou, juntamente com técnicos das secretarias de Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano, e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), de um  amplo debate sobre os diversos problemas estruturais que afligem o povoado, decorrentes da ocupação desordenada, o que vem ocorrendo à margem do seu Plano Diretor.

“O Saae não atua de forma oficial no povoado, mas estamos procurando fazer isso agora”, justificou Saldanha, comprometendo-se a ouvir a população local para que seja encontrada a melhor solução para equacionar a falta de água nas torneiras do povoado em momentos de maior fluxo de turistas.

ETA da Serra dos Alves foi mal dimensionada e não deve entrar em operação: ao lado e no terreno em frente, solo exposto degrada a paisagem

Alternativas

O Saae tem descartado a continuidade e a melhoria da captação das águas de nascentes que estão à montante do povoado, diferentemente do que defende o engenheiro sanitarista Paulo Therezo, um dos primeiros adventícios a ocupar e construir no povoado, respeitando a legislação e as diretrizes do Plano Diretor, antes mesmo de ser editado e promulgado.

“A água de insurgência, superficial, pode não ser suficiente para todo ano e a nascente pode secar. Se isso acontecer, a responsabilidade recai sobre o outorgado. Daí que a captação superficial não é a melhor saída para Serra dos Alves, por não garantir o fornecimento de uso contínuo”, afirma a técnica em meio ambiente do Saae, Camila Ferreira.

“E se secar uma nascente em área de preservação permanente, o Ministério Público vai cobrar”, complementa. “A solução dos poços artesianos nos parece ser a mais indicada”, ela reforça. Na verdade, o risco não é da nascente secar com a captação superficial, e sim com os poços profundos.

Mas com essa alternativa, Paulo Therezo concorda parcialmente, desde que a opção pelos poços profundos ocorra sem descartar a captação de água das nascentes, como acontece atualmente.

Ele propõe que sejam feitas avaliações técnicas, com prospecção geológica para que se avalie a disponibilidade hídrica dos aquíferos, assim como a possibilidade de captação em outras nascentes.

Therezo ressalta também que a operação dos poços artesianos tem elevado custo energético. “A manutenção é cara e se uma bomba der defeito, pode faltar água do mesmo jeito que acontece atualmente”, observa.

“Com a captação das nascentes, a água chega ao povoado por gravidade e demanda um tratamento simplificado, do mesmo modo que a água dos poços profundos.”

Mas ele concorda que a solução pode estar nas duas alternativas, na abertura de poços artesianos conjugados com a melhoria da captação de água das nascentes, como ocorre atualmente e que não deve ser descartada.

Ainda segundo Paulo Therezo, para atender ao padrão de potabilidade, “a água de nascente só precisa de uma aplicação de cloro, ou no máximo filtração”, prescreve.

“Basta colocar um clorador de contato, que consiste em um tubo plástico contendo pastilhas de hipoclorito de cálcio, semelhante ao que se usa em piscina, que funciona de forma passiva. E no reservatório chega uma água própria para o consumo, não precisa mais que isso, na maioria das vezes”, defende.

“Se houver presença de sólidos em suspensão na água, basta inserir filtros de areia abaixo da captação. Já a ETA virou um elefante branco, sem finalidade”, concorda o engenheiro sanitarista, repetindo o óbvio ululante que a miopia municipal, ou interesses inconfessáveis, não viu na administração passada.

Perdas nas redes

Paralelamente a isso, Paulo Therezo defende investimentos do Saae na melhoria da rede de distribuição, que é precária, composta de vários “puxadinhos” realizados por cada proprietário de residências e dos novos loteamentos, a maioria sem controle e licenciamento municipal.

“É preciso reduzir as perdas, que são grandes”, acrescenta. Além disso, deve-se  impedir que cada proprietário faça ligação das residências à rede de distribuição, o que deve ser atribuição do Saae.

Outra medida urgente pode ser a ampliação da capacidade de reservação com a construção um novo reservatório, dimensionado para atender à demanda crescente, que precisa ser controlada e racional no povoado.  “É preciso fazer um amplo diagnóstico do sistema de abastecimento para otimizar os investimentos e a proposta de soluções”, acrescenta.

Soluções tangíveis

Com uma maior presença do Estado, nesse caso por meio do Saae, é possível evitar mais uma derrota incomparável, que fatalmente ocorrerá em Serra dos Alves, caso persista a situação atual, com ocupação e crescimento desordenados no povoado, com consequências que podem impactar irreversivelmente o meio ambiente, poluindo as águas das nascentes do rio Tanque.

A cobrança deve ser para que o Saae tome urgentes providências. E que a água fornecida seja devidamente taxada, de modo que seja usada com parcimônia e respeitando a demanda da coletividade.

E que não seja monopolizada em piscinas e ofurôs de uma minoria financeiramente privilegiada, que deve pagar caro pelo uso desse recurso hídrico. E que seja estabelecida uma tarifa social – e até mesmo isenção de cobrança para os moradores originários.

Saiba mais

Administração passada constrói ETA que não funciona em Serra dos Alves, ao invés de melhorar a captação da água de nascentes

Posts Similares

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *