Um mundo com menos habitantes é desejável para uma melhor qualidade de vida social e ambiental
Foto: Marcos Santos/ USP Imagens
Por José Eustáquio Diniz Alves
“Crescimento pelo crescimento é a ideologia da célula cancerosa”
Edward Abbey (1927-1989)
Crise Ambiental: população e economia em excesso ameaçam o planeta. Conheça os limites planetários, a Pegada Ecológica e o decrescimento demoeconômico como solução para a crise climática
A população mundial cresceu muito nos últimos 12 mil anos, tendo um radical aumento exponencial nos últimos 250 anos, enquanto a fauna e a flora diminuíram de forma calamitosa. A humanidade extrapolou a capacidade de carga da Terra e poluiu as águas, os solos e atmosfera. Os desastres climáticos que ocorrem em todo o mundo são a decorrência da ultrapassagem das fronteiras planetárias.
As emissões globais de CO2 que estavam em 2 bilhões de toneladas em 1900, passaram para 6 bilhões de toneladas em 1950, chegaram a 25 bilhões de toneladas no ano 2000 e atingiram cerca de 40 bilhões de toneladas em 2023.
Em consequência, a concentração de CO2 que manteve uma média entre 200 e 300 ppm durante mais de 800 mil anos, começou a subir no século XIX, atingiu 300 ppm em 1920, chegou a 400 ppm no ano do Acordo de Paris, em 2015, e marcou o recorde de 427 ppm em maio de 2024.
O gráfico abaixo, do site Our World in Data, mostra que a população mundial era de 4 milhões de habitantes há 12 mil anos (3 vezes menos do que a cidade de São Paulo atualmente), atingiu cerca de 1 bilhão de habitantes em 1800, alcançou 4 bilhões em 1974 e 8 bilhões em 2022. A população global dobrou em 50 anos e deve atingir algo em torno de 10 bilhões de habitantes no final do atual século.
A civilização moderna surgiu nos últimos 12 mil anos, logo após o fim da última era glacial. O crescimento da população e da economia só foi possível porque existia grande riqueza ecossistêmica e grande estabilidade climática em todo esse período de tempo geológico, chamado de Holoceno.
Mas as conquistas do progresso humano, especialmente nos últimos 250 anos, ocorreram às custas do retrocesso ambiental. Entre 1773 e 2023, a população mundial cresceu 9,1 vezes, a economia global cresceu 156 vezes e a renda per capita cresceu 17 vezes. A Pegada Ecológica da humanidade extrapolou a Biocapacidade do Planeta, rompendo os limites da capacidade de carga.
Ilustrando essa situação, texto publicado na revista Science Advances (13/09/2023) elaborado por pesquisadores da Universidade de Copenhague, do Instituto Potsdam para Pesquisa de Impacto Climático e de outras instituições internacionais analisaram dois mil estudos para atualizar a estrutura dos limites planetários.
Os valores das variáveis de controle são normalizados de modo que a origem represente as condições médias do Holoceno e o limite planetário (extremidade inferior da zona de risco crescente, círculo pontilhado) fique no mesmo raio para todos os limites (exceto para as cunhas que representam água verde e azul). Os comprimentos das cunhas são dimensionados logaritmicamente.
Desta forma, a figura abaixo mostra que seis das nove fronteiras foram ultrapassadas. A zona verde é o espaço operacional seguro (abaixo do limite). Do amarelo ao vermelho representa a zona de risco crescente. A cor roxa indica a zona de alto risco onde as condições do sistema interglacial da Terra serão transgredidas com alta confiança.
Seis fronteiras planetárias já foram rompidas, gerando uma situação de policrise. Mas apenas o rompimento dos limites seguros da fronteira planetária “Mudanças climáticas” já seria uma ameaça existencial à vida na Terra e à sobrevivência dos seres humanos. Ela se refere às mudanças significativas e persistentes nas condições climáticas da Terra, particularmente ao aumento das temperaturas médias da superfície do planeta.
A principal causa da mudança climática atual é a atividade humana, em particular a emissão de gases de efeito estufa. O aquecimento global causa o derretimento das geleiras, dos glaciares e das calotas de gelo dos polos e da Groenlândia, levando a um aumento do nível do mar, que pode inundar áreas costeiras, ameaçando cidades litorâneas e bilhões de pessoas que vivem em áreas costeiras.
Ultrapassar as fronteiras planetárias significa aumentar os riscos ambientais e climáticos do presente e do futuro. Isto é grave. Pode-se pensar a nova configuração da Terra como um corpo humano doente, com febre e elevada pressão arterial.
O fato inegável é que o planeta está entrando em um estado novo, perigoso e muito menos estável. A ultrapassagem das fronteiras planetárias desde o espaço seguro até as zonas de alto risco é um indicativo de que amplas áreas da Terra estão ficando inóspitas ou mesmo inabitáveis. Os desastres climáticos são cada vez mais fatais e provocando maiores prejuízos econômicos.
Uma diminuição da população e da economia poderia colocar a humanidade em uma zona segura reduzindo o déficit ecológico global. Ou seja, se houver uma redução da população em um ritmo mais rápido do que o ritmo da queda do montante de bens e serviços produzidos, ao contrário do decrescimento recessivo, o mundo poderia ter um decrescimento demoeconômico com prosperidade, com aumento da renda per capita e elevação do bem-estar social e ambiental.
Além de facilitar o objetivo de redução da pobreza e da desigualdade, seria muito mais fácil para se atingir a meta de emissão líquida zero de carbono e até para se chegar às emissões negativas (isto é, captura de carbono e redução da concentração de CO2 na atmosfera).
Existe um velho tabu na discussão demográfica que, em geral, é dominada pela perspectiva antropocêntrica e pronatalista. Contudo, boa parte dos países vão passar pelo decrescimento como mostram as projeções populacionais da ONU, que indicam que mais de dois terços da população global já possuem taxas de fecundidade abaixo do nível de reposição.
A China, o país mais populoso do mundo, já apresenta decrescimento demográfico desde 2022 e deve perder mais de 650 milhões de pessoas até 2100 (mais de 10 milhões de pessoas ao ano, ou – 0,8% aa, entre 2050 e 2100). Cuba também terá um decrescimento elevado, de -0,7% ao ano, no século XXI.
O Brasil deve começar o decrescimento demográfico na década de 2040 e deve perder cerca de 50 milhões de pessoas até o final do século. Assim, o decrescimento já está acontecendo em vários outros grandes países.
Com o agravamento da crise ambiental e climática, o decrescimento demoeconômico será um fator de mitigação da crise e também fator de adaptação. Poderá haver menor exploração da natureza e menor poluição se a população mundial cair e também o PIB global cair, mesmo que em um ritmo um pouco menor.
Sem dúvida, é preferível um mundo com menor volume populacional e econômico e com maior e melhor qualidade de vida social e ambiental.
Referências
ALVES, JED. Crescimento demoeconômico no Antropoceno e negacionismo demográfico, Liinc em Revista, RJ, v. 18, n. 1, maio 2022 https://revista.ibict.br/liinc/article/view/5942/5595
Katherine RICHARDSON et al. Earth beyond six of nine planetary boundaries, Science Advances, 13 September 2023 https://www.science.org/doi/10.1126/sciadv.adh2458
*José Eustáquio Diniz Alves é doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
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