Trump se vê no espelho ao defender Bolsonaro, mira Moraes e taxa o Brasil, enquanto Lula ensaia surfar na onda da picanha mais barata

Foto: Alan Santos/PR

Política tarifária dos Estados Unidos pode gerar efeito bumerangue e expõe fragilidade dos EUA frente ao Brasil e aos Brics

O tarifaço anunciado pelo presidente norte-americano Donald Trump contra produtos brasileiros, inicialmente promovido como um golpe de força de 50% sobre exportações nacionais, rapidamente perdeu potência. Com 694 itens retirados da lista, a medida revelou-se menos um ato de autoridade e mais um gesto simbólico e errático, escancarando o enfraquecimento da política econômica dos Estados Unidos frente à ascensão de países emergentes.

O efeito, resumidamente, pode ser o hambúrguer mais caro para os norte-americanos, enquanto a picanha fica mais barata no Brasil, abrindo caminho para Lula enfim cumprir a sua promessa de campanha. Com a aplicação da tarifa sobre a carne bovina brasileira, especialmente os cortes usados na produção de hambúrgueres, o mercado norte-americano enfrentará elevação imediata nos preços. A indústria alimentícia dos Estados Unidos depende das importações brasileiras para os cortes dianteiros — e já começa a repassar o custo ao consumidor.

Ironia da história: enquanto o hambúrguer encarece no McDonald’s, a picanha prometida por Lula aos brasileiros pode se tornar mais acessível. Com exportações redirecionadas ao mercado interno, frigoríficos e produtores aumentam a oferta nacional. Esse movimento tende a se refletir também em outros produtos de consumo, como peixes, crustáceos e frutas — incluindo salmão, camarão e laranja.

Suco de laranja e outras commodities, mesmo mantendo a taxação, seguem o mesmo ciclo. O preço da laranja-pera caiu mais de 9% em julho, e o café apresentou leve recuo. Enquanto o consumidor norte-americano paga mais, o brasileiro pode até se beneficiar de um mercado reposicionado pós-tarifaço.

Alexandre de Moraes vira alvo, responde com constitucionalidade e assiste futebol

Entre os desdobramentos mais controversos do episódio envolvendo o tresloucado Trump está a inclusão do ministro Alexandre de Moraes na Lei Magnitsky. A tentativa de puni-lo com bloqueio de bens e restrições de entrada nos Estados Unidos configura uma clara ingerência nos assuntos internos do Brasil, sobretudo no Judiciário.

Moraes, relator das ações contra Jair Bolsonaro por tentativa de golpe, tornou-se símbolo da defesa institucional da legalidade. A imagem do ministro assistindo tranquilamente à partida entre Corinthians e Palmeiras, em pleno auge da crise diplomática, viralizou e tornou-se emblema de estabilidade institucional.

Enquanto Moraes preserva a compostura, ao seu lado o Judiciário brasileiro reage com firmeza, respaldado também por declarações do presidente Lula, ministros do STF e autoridades do STJ. Os bolsonaristas, por sua vez, seguem rindo — como hienas, sabe-se lá de quê — embora o recuo dos Estados Unidos já se revele inevitável, diante do estrago que essa retaliação mundo afora pode representar para a combalida economia norte-americana.

PIX vira alvo de Trump por desafiar sistema financeiro dos EUA

Em uma ofensiva inesperada, Donald Trump direciona críticas ao PIX, um sistema de pagamentos instantâneos, gratuito e universal, desenvolvido pelo Banco Central do Brasil. A plataforma, que revolucionou o acesso financeiro no país, tornou-se símbolo de soberania digital e inclusão econômica ao eliminar intermediários como bandeiras de cartão de crédito e operadoras internacionais.

O ataque expõe o desconforto dos Estados Unidos com soluções tecnológicas autônomas que escapam à lógica privatista e à hegemonia das big techs financeiras. Empresas como Visa, Mastercard, PayPal e Apple Pay veem no PIX uma ameaça direta ao modelo de negócios baseado em tarifas, exclusividade bancária e controle de dados.

Mais do que disputa comercial, a crítica de Trump escancara uma tensão geopolítica: o sucesso do PIX, já inspirando países vizinhos e integrando discussões no Brics sobre alternativas ao dólar, é percebido em Washington como um risco ao oligopólio financeiro ocidental. Tanto é que o Departamento de Comércio dos EUA abriu investigação formal sob a Seção 301 da Trade Act, alegando que o Brasil favorece indevidamente serviços públicos em detrimento de empresas norte-americanas.

Desde seu lançamento em 2020, o PIX movimentou trilhões de reais e se consolidou como ferramenta de cidadania. Microempreendedores, beneficiários de programas sociais e pequenos negócios passaram a contar com um meio de pagamento ágil, gratuito e acessível. Para Trump, isso representa uma “distorção de mercado”.

A reação norte-americana, embora travestida de preocupação comercial, parece mirar não apenas o sistema de pagamentos, mas o modelo de Estado por trás dele. Em tempos de disputa por narrativas globais, o PIX emerge como divisor de águas entre a lógica pública de inclusão e o paradigma corporativo da exclusão tarifada.

Trump e Bolsonaro, outro tiro que pode sair pela culatra
Patriotismo bolsonarista vira vassalagem norte-americana (Foto: Alan Santos/PR)

Reflexo autoritário de uma crise judicial compartilhada, a punição ao ministro Alexandre de Moraes indica que Trump busca blindar Bolsonaro — aliado ideológico e investigado por tentar subverter a democracia brasileira com um golpe de Estado frustrado pela ausência de apoio do Exército e da Aeronáutica.

A simbiose entre os dois ex-presidentes revela práticas semelhantes: ataques às instituições, incitação à desordem e tentativas de golpe. Ambos agora enfrentam investigações judiciais profundas.

Enquanto o sistema jurídico dos EUA tenta responsabilizar Trump pelos atos de 6 de janeiro de 2021, o STF brasileiro reforça a responsabilização de Bolsonaro pelos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023, como claro exemplo de história que se repete como farsa.

O Brasil não se curva e a utopia se constrói com resistência para virar realidade

O episódio do tarifaço, longe de enfraquecer o Brasil, reforça a urgência da utopia democrática, econômica e institucional. Com respostas firmes do Judiciário, avanço tecnológico no sistema financeiro e protagonismo no Brics, o país mostra maturidade diante de pressões externas.

Trump queria canhão, mas entregou traque. O Brasil, mesmo atacado, reposiciona commodities, com certeza vai baratear a picanha, enquanto reafirma seu lugar no mundo como país emergente — integrado economicamente ao mercado global, cada vez mais aberto e menos dependente das fronteiras impostas por interesses ainda hegemônicos.

*Valdecir Diniz Oliveira é cientista político, jornalista e historiador

 

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