Três poemas de Drummond com instalações de Manuel Bersan

Poema da necessidade 

Carlos Drummond de Andrade       

É preciso casar João,

é preciso suportar Antônio,

é preciso odiar Melquíades,

é preciso substituir nós todos.

É preciso salvar o país,

é preciso crer em Deus,

é preciso pagar as dívidas,

é preciso comprar um rádio,

é preciso esquecer fulana.

-É preciso estudar volapuque,

é preciso estar sempre bêbado,

é preciso ler Baudelaire,

é preciso colher as flores

de que rezam velhos autores.

-É preciso viver com os homens,

é preciso não assassiná-los,

é preciso ter mãos pálidas

e anunciar o FIM DO MUNDO.

Mariano, instalação de Manuel Bersan, 2018 – Ateliê da Laura/Rio.
Sience fiction

O marciano encontrou-me na rua

e teve medo de minha impossibilidade humana.

Como pode existir, pensou consigo, um ser

que no existir põe tamanha anulação de existência?

Afastou-se o marciano, e persegui-o.

Precisava dele como de um testemunho.

Mas recusando o colóquio, desintegrou-se

no ar constelado de problemas.

E fiquei só em mim, de mim ausente.

Salomé, instalação de Manuel Bersan, 2018 – Ateliê da Laura/Rio.
Forma

forma

forma

que se esquiva

por isso mesmo viva

no morto que a procura

a cor não pousa

nem a densidade habita

nessa que antes de ser

deixou de ser

não será

mas é

forma

festa

fonte

flama

filme

e não encontrar-te é nenhum desgostos

pois abarrotas o largo armazém do factível

onde a realidade é maior do que a realidade.

CDA por CDA, 1973

 

Carlos Drummond de Andrade (Itabira do Mato Dentro, 31 de outubro de 1902 – Rio de Janeiro, 17 de agosto de 1987)

 

 

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