Transrealismo
Ilustração: Cornélio Penna
Por João Camillo de Oliveira Torres
Algumas pessoas exageradamente amáveis insinuaram que, em artigo recente, estaria lançando um novo sistema filosófico rotulado “transrealismo”. Todavia, pretendi, apenas, chamar a atenção para uma nova maneira de ver as coisas, que as descobertas da física moderna e outras conquistas do pensamento contemporâneo estão tomando patente.
Para deixar bem claro o meu pensamento, volvo ao assunto, para mostrar como esta posição “transrealista” domina geralmente o mundo do pensamento contemporâneo, além das formas puramente positivistas, ou existencialistas, sem cair no puro idealismo de essências abstratas e desligadas da realidade.
No plano puramente filosófico encontraremos autores dentro desta posição, autores que, aparentemente, se acham muito próximas em mais de um caso. Citaria, a título de amostra, Max Scheler, procurando as essências através da intencionalidade dos atos emotivos, ou Jacques Maritain, restaurando carne e sangue ao tomismo, que compêndios haviam reduzido a uma ossatura seca.
Se Aristóteles e Augusto Comte formularam sínteses puramente racionais, procurando, a partir dos fatos, estabelecer descrições sistemáticas dos fatos sociais visando à universalidade, o nosso século assistiu a uma invasão, bem legitima aliás, do espirito puramente empírico, em busca de uma sociologia puramente descritiva, austeramente desligada de pretensões a sínteses grandiosas e explicações de validez universal. E daí partimos para o “transrealismo”.
Devo dizer, a bem da verdade, que não pretendia, nos artigos anteriores em que usava tal maneira de raciocinar, senão explicar a técnica adotada pelo romancista Cornélio Penna. Para mostrar como compunha o autor de Fronteira, achei que ficaria mais claro se empregasse a palavra “transrealismo”.
Volvendo, depois, ao assunto, algumas pessoas admitiram que estaria lançando um sistema filosófico. Convém dizer, aliás, que certas páginas de O Caminho Sem Aventura, de Lêdo Ivo, podem ser incluídas na rubrica geral do transrealismo.
Este ‘transrealismo”, afinal, não é um sistema filosófico. Conheço suficientemente as austeras exigências da verdade para acolher-me a facilidade de um sistema filosófico fundado por mim, dentro do qual me aconchegaria contra as ameaças do mundo.
Forjar um sistema filosófico é tarefa muito fácil; o difícil é dizer a verdade, o que nos obriga, muitas vezes, ao sacrifício de coerências aparentes, para, com “tremor e temor”, ver os dois lados da realidade.
Mas, se o “transrealismo”, afinal, não é um sistema filosófico, que seria? Pouco mais de nada e muita coisa; a maneira pela qual o homem moderno costuma ver as coisas.
É que a física nuclear acostumou-nos a considerar o cerne luminoso da matéria e a psicologia profunda ensinou-nos a apreciar o núcleo obscuro da alma humana. E os filósofos estão preocupados com pequenos em si, mas, realmente grandes. E não falemos nas novas tendências da arte e da literatura.
Por isto é que falei em “transrealismo” – um modo de ver a substância do ser além da realidade, que começa a tornar-se transparente, mera aparência a esconder a substancia totalmente diversa do ser que surge diante de nós.
[Correio Paulistano (SP), 6/3/1959. BN-Rio – Pesquisa: Cristina Silveira]