Toda ecologia é política

Humanos não modificam os sistemas ambientais enquanto espécie homogênea, mas como atores sociais, culturais e geograficamente diferenciados

“O Antropoceno não é uma questão de especialistas e nossas classes dirigentes estão errando ao deixar de fora do debate aqueles que têm muito a contribuir. Para começar, deveríamos evitar o oximoro de que o ambientalismo freia o progresso. Muito pelo contrário, se continuarmos abonando o imaginário do progresso, estaremos obstruindo a possibilidade de que o futuro seja viável para todas e todos”, escreve Gabriela Merlinsky, socióloga da Universidade de Buenos Aires, em artigo publicado por Infobae. A tradução é do Cepat.

https://www.ecodebate.com.br/wp-content/uploads/2017/01/20170125-antropoceno.gif

As notícias que nos chegam todos os dias apontam que não. Há um predomínio de uma racionalidade instrumental presa ao imaginário do progresso: são necessários recursos para sustentar a economia e será necessário deixar as urgências ambientais para outro momento, pois é necessário reativar o aparato produtivo.

É claro, por trás de tais afirmações, há interesses corporativos, mas também há algo muito profundo que marca um clima de época, uma crise civilizatória na qual o sentido do presente desconecta o futuro do passado e o coloca para além de qualquer sensibilidade histórica. Sem dúvida, são os movimentos socioambientais e os diferentes ativismos em todo o mundo que buscam colocar esses assuntos na agenda.

“Kristalina e Martín: Bem-vindos a Veneza!” é o título de uma reivindicação publicada no jornal britânico The Financial Times, pela organização Avaaz. Em concomitância com o início da cúpula interministerial de finanças do G20, esta organização solicitou ao Fundo Monetário Internacional e ao governo argentino que incluam a figura da compensação ambiental nas atuais negociações sobre a dívida soberana.

A foto que acompanha a reivindicação é eloquente, pois se vê a foto modificada de Kristalina Georgieva e Martín Guzmán em uma mesma gôndola! A figura do bote salva-vidas – muito antiga nos tópicos ambientais –, desta vez, ganha um sentido adicional. Não só coloca no centro do debate o papel dos organismos internacionais na geração das brutais crises econômicas e recessões no Sul Global, mas inscreve o problema em termos de dívida ecológica e justiça climática.

Historicamente, as discussões sobre o intercâmbio desigual destacaram duas questões: o trabalho mal remunerado no Sul Global leva a exportações baratas e a uma deterioração da relação de intercâmbio. A noção de intercâmbio ecologicamente desigual mostra que há passivos gerados pelo Norte, a partir da extração intensiva de recursos naturais, o comércio injusto, o dano ambiental e o aproveitamento exclusivo do espaço ambiental como sumidouro de seus resíduos.

A dívida ecológica tem um aspecto intergeracional, já que a carga sobre o ambiente é muito difícil de neutralizar, implica uma descapitalização por esgotamento de recursos que seriam necessários no futuro e há processos que são irreversíveis (alterações do clima, degradação dos solos, danos à saúde) que implicam custos adicionais, a longo prazo.

Precisamos trazer estas questões ao debate público. O Antropoceno não é uma questão de especialistas e nossas classes dirigentes estão errando ao deixar de fora do debate aqueles que têm muito a contribuir. Para começar, deveríamos evitar o oximoro de que o ambientalismo freia o progresso. Muito pelo contrário, se continuarmos abonando o imaginário do progresso, estaremos obstruindo a possibilidade de que o futuro seja viável para todas e todos.

EcoDebate

 

Posts Similares

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *