Sultão é o cão da superstição
Por não mandar nem obedecer, Sultão é soberano de si mesmo no terreiro do curral. Ali, onde ele cerca macacos no pé de jaca, corre atrás de gatos, ratos e dos Pinschers, que se arriscam a sair dos arredores da casa.
Ali, onde ele se deita com as patas da frente cruzadas, dormindo com as galinhas e acordando com as vacas, que chegam aos berros para dar o leite. E quando não dorme, é porque está revirando carcaça de animais em alguma grota.
Diariamente, o vira-carcaça precisa defender sua comida do Perigoso, que morde por trás na calada e rosna sorrindo. E apesar disso, latem no mesmo terreiro.
Meu avô, conta outras façanhas do seu companheiro de curral: ao ter sido atropelado três vezes, quebrou dois carros. O último, um Chevette, saiu guinchado.
É que o cão preto de sobrancelhas amarelas gosta de caminhar na rodovia, já aprendeu os limites do acostamento e antes de atravessar o rio de carros – para, olha e escuta.
O problema é que o atravessar se torna uma longa distância. No meio do caminho tem um cheiro , tem um cheiro no meio do caminho. O cão, extasiado pelo nariz, parece encontrar no asfalto um chamado primitivo. E distraído, já está à espera de automóveis.
Ainda assim, meu vô explica que os cães que se deitam com as patas da frente cruzadas se salvam do veloz quatro ou mais-rodas. É uma superstição que não falha contra atropelamentos, tendo salvado Sultão três vezes.
Depois dos acidentes, Sultão some no mato. E só em seguida se aproxima das pessoas para curarem as bicheiras.
O Chevette guinchado demonstrou sua teimosia de sobreviver. E a superstição virou regra. Uma lei científica lá da roça: o cão não morre de baixo dos carros.
Pois quem convive no terreiro do curral, onde se passam notícias da extinção em massa dos Bichos de Pé, histórias do Sabiá Borreiro e da onça que comeu uma tropa de carneiros, sabe: ali é o Terreiro Universal. ***
Nos acidentes, Sultão foi o único a se machucar. Felizmente as pessoas não tiveram nada além de um susto.
Enquanto isso, a superstição vai pisando o chão quente do asfalto. E o vaqueiro Divino, também reforça – ” cachorro que deita com a mão cruzada, não morre atropelado”.
Igor, grande cronista!