Série: um poeta & um teórico na caixa de fósforos

No destaque, Joãozinho Terra (Foto: Arquivo Brisas Sonoras)
Regi Guerra

Capítulo 9

Adeus aos amigos

Marcelo e eu conhecemos Joãozinho Terra quando ele veio a BH e ficou morando com a família na sede do DCE (Diretório Central dos Estudantes) Cultural – sede legendária onde tanta arte & cultura de todas as margens se apresentava.

Joãozinho, nascido na Brasilândia, em Sampa, maior aglomerado do Brasil, esquecia a fome, os pés descalços, e, no palco com seu violão cantando músicas de sua autoria, brilhava mais que Vênus.

João se tornou o Bob Marley do litoral paulista. Consciência política não lhe faltava. E foi assim – do difícil que é ser artista preto e pobre nesse país – na primeira semana de julho…

Quando também se foi o Celinho. Nós o conhecemos no Movimento Estudantil (ME). Era líder da Libelu, tendência mais radical do ME. A primeira a falar a palavra DITADURA. Tinha carisma para dar, vender e sobrar. Foi a falta da utopia que o levou…

Ítalo também se foi naquela triste semana de julho… Também o conhecemos no ME. Um veterano histórico, único estudante de medicina que se transferiu para a odontologia. Era o dentista predileto da turma da esquerda culta. Afinal, não é fácil encontrar um papo interessante de dentista, ao ponto de se esquecer dos motivos, muitas vezes dolorosos, do encontro com ele.

André Guerra se foi no dia 17 de setembro… A notícia chegou como um raio, justamente no momento da apresentação do espetáculo de comemoração do aniversário do Marcelo. Companheiro é companheiro. Até nessa hora. Quantas noites na Cantina do Lucas ou no Xok Xok os dois viraram a conversar sobre música brasileira, numa conversa muito erudita e também popular. Ainda escuto as gargalhadas do André quando o Marcelo soltava algum dolabelismo inédito.

André era um pesquisador incansável e profundo conhecedor das músicas do período colonial em Minas Gerais. Foi musicólogo, maestro, ajudou a organizar os arquivos do Curt Lange na UFMG, maior acervo de músicas do período colonial no Brasil e especialmente, Minas Gerais. Mas Minas Gerais não encontrou um lugar para ele… Foi exilado no litoral do Rio de Janeiro onde nem o sol, nem as praias nem as belezas da paisagem conseguiram aliviar a dor desse exílio.

Frei Cláudio Von Balen, nas palavras do Marcelo “cuspia fogo” contra o neoliberalismo, as injustiças sociais. Ele morreu de Covid. Perdemos nosso profeta da igualdade social.

Tantos se foram de tristezas, de exílios, de desesperanças, da falta de utopias. Sem esquecer da fome e da violência que andam soltas.

Deixo para todos que ficaram a poesia do Marcelo. Conto com ela para expressar toda a “nossa” tristeza.

Do livro inédito PEQUENOS POEMAS GRANDES NEGÓCIOS (haicais de 1994 a 1997). Arte: Clara Albinati

 

 

 

Arte: Clara Albinati

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