Série: um poeta & um teórico na caixa de fósforos

Santa Maria de Itabira ainda sofre com a tragédia do temporal na madrugada de domingo (21 de fevereiro de 2021), com seis mortes e mais de 2,5 mil pessoas desabrigadas (Foto: Reprodução)

Regi Guerra

 Capítulo 8

Haicais inéditos ou

Preciso buscar mais haicais da saudade

Do livro Guilherminas de 2015 Arte: Clara Albinati

Marcelo Dolabela não gostava de reclamações.

Quando um de nós reclamava da vida, da política, da falta de grana, dos amores e dos amigos, ele soltava aquele dolabelismo clássico: “e vai piorar”, corte rente na onda reclamadora.

Mal eu sabia. Imersa no luto, na minha dor pessoal de perda do amor da minha vida, em menos de dois meses após sua morte a pandemia do Coronavírus chegou forte ao Brasil

E o pior ia cada vez ficando pior.

O ministro da Saúde é demitido. Todo o corpo técnico do Ministério da Saúde capaz de organizar nossa resposta a pandemia é demitido também.

Chega o desastre Pazuello no Ministério da Saúde. Manaus com as pessoas morrendo na rua, asfixiadas.  Sem oxigênio.

A necropolítica do governo se estabelece aproveitando da pandemia.  O Brasil não compra vacinas. Esnoba a capacidade do SUS de vacinar.

No lugar das vacinas faz distribuição de falsos medicamentos sem nenhuma comprovação cientifica.

Experimentos com seres humanos sem nenhum cuidado ético.  A variante Gama do Coronavírus aparece no caos de Manaus e se espalha por todo o Brasil.

E o pior ainda pior ficava…

Dia 21 de fevereiro acordo com a notícia da tragédia em minha terra: Santa Maria de Itabira. Oito trombas d’águas simultâneas, um efeito do aquecimento global.

A primeira vítima é a nossa querida Mima, Wilma Procópio Martins de Alvarenga que, com sua morte, anuncia a tragédia na madrugada e assim salva muitas vidas.

Perdemos além de Wilma, cinco garrucheiros soterrados.

Perdemos o Nivaldo Vieira Gonçalves, a Marilene (Leninha) Vieira Gonçalves, a Magda Vieira Gonçalves (Dadá), Jose Aparecido Beato (Dedé) e o pequeno Bruce Denner Gonçalves, com apenas cinco anos.

Carros, eletrodomésticos, fotografias e todo acervo das memórias afetivas foram carregados pela força das águas inflamadas do rio Girau.

Cenário de uma explosão atômica. Deslizamentos de terra inumeráveis. Inúmeros desabrigados, barro em todas as coisas, ansiedade em todos os olhares.

A pandemia piora em março, abril e maio… Tristes meses em todo o País.

Busco outros haicais da saudade e até dois inéditos nos arquivos do Marcelo. É para oferecer como consolo aos amores de tantos mortos queridos.

Marcelo com suas antenas sensíveis sabia que, após a sua morte, sua poesia escrita desde o milênio passado trataria de temas essenciais nesse nosso trágico futuro.

Do livro inédito PEQUENOS POEMAS GRANDES NEGÓCIOS- (haicais de 1994 a 1997) Arte: Clara Albinati

 

 

 

 

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