Senhora dona Francisca de Paula Marcondes de Oliveira Penna
Poetas e romancistas falam de suas mães
Por Cornélio Penna
Minha mãe era uma figura de constante e misteriosa doçura, sempre mergulhada em um sonho longínquo, como se toda ela estivesse envolvida em seu manto de viuvez, de crepe suave, quase invisível, que não deixava distinguir-se bem os seus traços, os seus olhos distantes. Andava pelas salas de nossa casa em silêncio, sentava-se em sua cadeira habitual sem que se ouvisse o ruído de seus passos, e, quando falava, era em um só tom, sem que nunca a impaciência o alterasse.
A influência que exerceu sobre os caráteres inquietos e contraditórios de seus filhos foi intensa, invencível, mas serena e se fazia sentir apenas por intuição, pela rede mágica que os prendia, na preocupação sufocante de não provocar uma nuvem de tristeza que perturbasse o seu olhar altivo e doce, que nos falava com irresistível eloquência.
Parecia a nós todos que um gesto mais forte, uma palavra mais alta, de nossa parte, viria quebrar aquele encanto, e partir o cristal muito frágil que a mantinha entre nós, e vivíamos assustados, retidos pelo medo de agir, de sentir, de viver, de forma poderosa e plena, e assim despertá-la, e poderia então ouvir as batidas de nossos corações, agitados pela maldade do mundo.
Sabíamos todos, contado em segredo pelas outras senhoras, o rápido e doloroso drama que a tinha despedaçado. Tendo casado em Paris, seguira para Itabira do Mato Dentro, e, depois de oito anos de felicidade, meu pai morrera subitamente. Desorientada, tentou refugiar-se junto de minha avó, que ficara em Honório Bicalho, onde estava a mineração de ouro de minha família materna, e, na estação, soube que ela falecera na véspera.
Quis então ir para junto da irmã mais velha e sua madrinha, em São Paulo, mas esta também morreu, no mesmo mês… e assim se fechara sobre ela uma lousa inviolável de renúncia e de tristeza, que nunca pudemos vencer, durante tantos anos de sobrevivência.
Quando fecho os olhos ainda a vejo, a mesma de todo o tempo, e procuro em seu rosto ou em suas mãos um sinal de paz e de espera.
Mas não a vejo, e me lamento porque não a fiz sofrer sem reservas, porque não a fiz chorar todas as lágrimas da maternidade infeliz porque não despejei em seu coração todo o fel que prendi ferozmente no meu, porque não lhe pedi socorro aos gritos, não deixei que eles saíssem de minha boca, fechada com violência pelo medo e pela incompreensão… e é por isso que desejava guardar sua imagem muito pura, muito secreta, e tenho a impressão de traí-la, falando sobre ela!
[Correio da Manhã (RJ), 9/5/1953. BN-Rio – Pesquisa: Cristina Silveira]