Senhor

Por Cristina Silveira, do Rio

O ano de 1945 registrou o fim do combate direto da II guerra mundial e estabeleceu a nova geopolítica que dividiu o mundo em dois blocos: os lúcidos brutos (URSS) e os insanos predadores (eua-cia). É no contexto de pós-guerra que no Brasil consolida a sociedade de massa através da expansão dos meios de comunicação, sobretudo pelo rádio. A Rádio Nacional-RJ, inova o rádio jornalismo com o Repórter Esso (1941-1968) e difunde as radionovelas, gestora das telenovelas (palavra brasileira), ópio para alienar mentes.

É certo que houve uma revoada no pensamento estético nacional, e daí surge o Cinema Novo, o teatro de Arena, TBC e Oprimido, a Bossa Nova, a contracultura, e um pouco de consciência anticolonial. Mas o marcante dos Anos Dourados foi a imprensa, no campo popular os PIGs dominaram exponencialmente. Mas, para a elite ilustrada surgiu nesse cenário de otimismo, a Revista Senhor ou simplesmente SR. Uma revista sofisticada, isenta de ideologia (publica Francisco Julião e Roberto Campos), financiada pelos mecenas Simão e Sérgio Waissman, donos da Delta Larrouse.

“Eu me lembro dos dois irmãos Waissman, Sérgio e Simão. Simpáticos e finos. Possivelmente queriam o prestígio de uma publicação intelectual. Ou então pegar mulher. Não sei.” Ivan Lessa.

Capa com ilustração histórica de Jaguar

A SR teve três fases: a primeira 1959-1961 (29 edições), a segunda de 1961-1962 (7 edições), a terceira em 1971 (21 edições).  A primeira versão foi projeto assinado pelo jornalista Nahum Sirotsky (TV Manchete) e a boneca criada pelos artistas, Glauco Rodrigues e Carlos Scliar – um marco do designer gráfico editorial no país, uma revista de cultura, política e economia, com ênfase na literatura.

“A nossa idéia era de uma revista brasileira para o Brasil destinada às chamadas classes A e B, as de mais alta renda, as que fazem opinião. Na nossa ingenuidade e falta de modéstia, imaginamos usá-la para educar essas classes, aprimorar seu gosto na seleção de artes, na leitura, pois queríamos que conhecessem Kafka, Tólstoi, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Jorge Amado. Que essas pessoas soubessem do que acontecia no mundo. Imagine, velho, que Martin Luther King Jr, uma das maiores figuras do movimento dos direitos civis do negro americano, esteve no Brasil e apenas Senhor o procurou e o entrevistou, um trabalho de Paulo Francis. A gente era mesmo muito provinciana.” Nahum Sirotsky, jornalista.

“Senhor era um choix de baba-de-moça, quindim e ambrosia, em termos editoriais e gráficos […]. Será que um dia teremos outra igual? Foi a revista mais admirada, criativa e inteligente da imprensa brasileira e qualquer um de seus números exibia mais talento concentrado do que um ano inteiro das outras revistas então em circulação.” Ruy Castro, jornalista e escritor.

Página aberta com a nova versão de Canção para ninar mulher para a revista Senhor (Acervo da Hemoroteca da Associação Brasileira de Imprensa)

Para a SR, o poeta Drummond reescreveu Canção para ninar uma mulher, publicado na edição de n. 4 do ano I, em 1959; 25 anos depois de sua estreia nas páginas de Brejo das Almas e destinado a um seleto grupo de leitores.

Canção para ninar uma mulher integra os 24 poemas de Brejo das Almas, em sua primeira edição, 1934. Livro fininho, discreto e de biografia interessante; os 200 exemplares não foram comercializados, o poeta ofereceu ele todinho as almas amigas; impresso na gráfica da Imprensa Oficial de MG, foi pago com desconto em folha do funcionário público e poeta de Alguma Poesia (1930).

Depois da publicação de Sentimento do mundo (1940), Brejo das Almas ficou com a pecha de “primo pobre na poética drummondiana, como se portador da síndrome do irmão do meio”, como se lê na apresentação da segunda edição (2001 e 2002), assinada pelo amigo de Itabira, o escritor e professor Edmilson Caminha.

Capa de Brejo das Almas, edição com o poema original Canção para ninar uma mulher

No preparo desta matéria não se encontrou Canção para ninar mulher nas redes sociais. Neste caso, como fazia o poeta à dúvida de detalhes de sua obra, por telefone, consultava Fernando Py – poeta carioca, tradutor de Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust, edição de 1987 e 2002 (a primeira edição brasileira, década de 50, de Em busca do tempo… o volume 6, A fugitiva, foi traduzido por Drummond) e meteorologista.

Em sua Bibliografia comentada de Carlos Drummond de Andrade (1918-1930), 1ª. edição de 1980 e, a segunda (1918-1934), de 2002, Py não menciona a publicação na SR. No entanto, comenta no verbete 545: “a partir da publicação de Poesias (1942), é suprimido o artigo indefinido do título do poema.”

Para a SR o poeta Drummond reescreveu o poema Canção para ninar uma mulher. Substituiu o artigo indefinido por Sandra, esticou a canção em promessas e insistências. É uma edição primorosa em que o designer, a ilustração, a arte, o corpo das letras, foram criados com exclusividade, formando uma unicidade estética preciosa à publicação do poema.

Por fim, creio que a publicação do poema Canção para ninar mulher na SR aparece pela primeira ao público de Itabira. Boa leitura, com as duas versões do poema de Carlos Drummond de Andrade.

Revista Senhor

Canção para ninar mulher

Sandra, não é por nada não, mas olha.

Olha o bicho preto

feio, torto, grande,

que vem lá de longe

de lá de Brasília

olha e fica quietinha.

 

Capa da revista Senhor em que foi publicado o poema Canção para ninar uma mulher

Olha minha filha.

Olha a lua nascendo

grande, vermelha, bonita,

atrás daquela porta.

Sabe o que ela traz?

Tem um gato, um passarinho

recém-saído do ovo,

um anel de brilhante

maior que o Maracanã

todos três para você.

 

Dorme, Sandra, dorme.

Dorme que eu te dou

tudo o que você quiser:

um vestido, um país

te dou até meu nariz,

te dou… ah isso não dou não.

 

Dorme, Sandra dorme.

Dorme que o gatuno

safado

de olho de vidro

cravo na lapela

e smoking furtado

vem aí:

subiu na parede

lisa, lisinha,

para te espiar.

Dorme, Sandra, dorme.

Dorme devagar.

 

Dorme, Sandra, dorme.

Dorme bem de manso

menina bonita

senão eu te pego

te dou um beijo

te dou um abraço

apertado, apertado

e te empino toda.

 

Dorme, vê se me entende

(Eu não sou daqui

nem de Niterói,

Sou de outra nação

de outra danação

eu não sou brinquedo).

 

Dorme, Sandra, dorme.

Dorme na Argentina,

Dorme no Japão,

dorme na Alemanha,

ou na Palestina

ou no Maranhão,

dorme bem coberta

dorme bem dormido.

 

Dorme, Sandra, dorme

Dorme que o capeta

de capa preta

está perguntando

querendo saber

quedê a mulher acordada,

que não tem medo de nada,

para dormir com ela.

 

Dorme, Sandra, dorme.

E tome cuidado

que esse capeta safado

é ladrão de poesia. ????

Se ele te pega, te mistura

e depois pra te achar

só procurando nos vermelhos. 

 

 

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2 Comentários

  1. Cristina Silveira, Itabirana que foi morar no Rio de Janeiro, trabalhou e estudou virou uma mulher sabia no mundo secular, moradora do Bairro da Glória, reduto de intelectuais e boêmios do Brasil e do mundo, circulava bem entre todas as classes sociais, jornalista com conhecimento das causas das minorias marginalizadas, tenho muito respeito por ela que chegou no ápice do conhecimento. Mas também quero falar das mulheres garrucheiras( nascidas em Santa Maria de Itabira) mulheres que tem a sabedoria de Deus, Maria Luiza, Armeny moradoras da Comunidade Quilombola (Barro Preto) nunca saíram deste lugar, mas que nos ensinam o conhecimento de Deus adquirido na Bíblia Sagrada (Palavra de Deus) elas fizeram uma aliança tão profunda com o Criador, que Ele derramou sabedoria e conhecimento esta comunhão trouxe através das orações de intersecção cura de enfermidades, libertação de vícios: cigarros, drogas, álcool, prostituições, corrupção financeiras, assassinos, expulsão de demônios, etc..
    mesmo com a falta da sabedoria secular, ela não consegui ofuscar o que é mais sublime de todas as inteligências que e a sabedoria divina e isto elas tem de sobra. A conclusão que tenho ” O mais sábio e consegui o caminho do céu.

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