Sem transparência, Vale mantém moradores atingidos pelas obras de descaraterizacao da barragem do Pontal angustiados e inseguros
Fotos: Ascom ATI/FIP
Para os moradores dos bairros Bela Vista e Nova Vista, Jardim das Oliveiras e Praia, não são apenas os que terão de deixar as suas residências para a edificação de uma estrutura de contenção a jusante (ECJ) de rejeitos, para o caso de rompimento de estruturas internas que deixarão de existir, que serão atingidos. Todos os que moram nas próximidades serão atingidos, mesmo que não tenham de ser removidos.
E mesmo o número dos que serão desalojadoss continua desconhecido, É o que tem causado extrema insegurança e angústia entre todos os vizinhos da barragem do Pontal, uma mega estrutura de contenção de rejeitos de minério de ferro, edificada pelo método de alteamento a jusante, que é considerado mais seguro.
Entretanto, estruturas alteadas a montante foram instaladas internamente, o que torna todo o sistema de contenção inseguro.
Nessas estruturas internas foram utilizados o próprio rejeito de minério, à semelhança da barragem da Vale que se rompeu em Brumadinho, em 25 de janeiro de 2019, deixando um trágico saldo de 270 pessoas assassinadas pela lama de rejeito, além de impacto ambiental permanente e continuado nas margens do córrego Feijão, afluente do rio Paraopeba,
É por força da legislação atual de barragens que essas estruturas estão sendo descomissionadas, para deixarem de existir. Daí a necessidade da construção da ECJ e a consequente remoção de moradores.
Embora a decisão de construir a ECJ tenha sido definida bem antes, a necessidade de retirar moradores só foi revelada pelo secretário de Meio Ambiente, Denes Lott, em reunião no dia 10 de fevereiro de 2021, com ativistas do Comitê dos Atingidos pela Mineração, no gabinete do prefeito Marco Antônio Lage (PSB), reportada por este site.
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Desde então, os moradores dos bairros vizinhos ao Pontal vivem em compasso de espera, sem saber ao certo o que vai acontecer para a construção dessa segunda estrutura de contenção – a primeira já foi concluída internamente, proxima à lagoa Coqueirinho.
A Vale tem tratado das negociações de remoção de moradroes individualmente e a conta-gotas, com informações muitas vezes desencontradas, sem que se apresente uma situação clara e transparente.
Isso após criar toda essa situação de insegurança, principalmente em relação ao número de moradores que deve ser desalojado. Chegou-se a informar um montante de 467 residências que teriam de ser removidas, conforme teria sido informado pela própria mineradora ao procurador-geral de Minas Gerais, Jarbas Soares, em março de 2021.
Riscos menores?
Já agora, segundo conta a coordenadora jurídica da Fundação Israel Pinheiro (FIP), que presta assessoria técnica independente (ATI) aos moradores, Lívia Maris, a Vale vem com outra conversa, procurando minizar os impactos da construção da ECJ, que teria sido redimencionada para uma estrutura de menor porte.
“A diminuição (do número dos moradores que terá de ser removido para a construção da ECJ) do que estava previsto na ação civil movida pelo Ministério Público, está baseada em estudos tècnicos que não tivemos acesso, considerando um cenário menos crítico. Essa visão mais positiva não pode ser abalizada por existir uma vedação legal. Os moradores continuam em uma zona de alto risco e isso não mudou”, disse a coordenadora jurídica da ATI/FIP, em nota distribuida à imprensa itabirana.
O coordenador técnico de campo da ATI/FIP, Lucas Mageste, reforça essa contradição, uma vez que a mancha de inundação, no caso de ruptura de uma dessas estruturas alteadas a montante, não foi alterada. “Para se levar em conta uma mancha de inundação menor, é necessário que haja uma atualização prévia do PAEBM (Plano de Ação de Emergência de Barragens de Mineração), admitindo-se e justificando a reduçao”, ele sustenta.
O PAEBM é um documento técnico exigido pela portaria número 70.389/2017, da Agência Nacional de Mineração (ANM), previsto na Lei Federal 12.334/20101, como parte do Plano de Segurança de Barragem (PSB).
Os seus objetivos são Identificar situações de emergência potenciais em barragens de mineração, estabelecendo procedimentos e ações emergenciais que devem ser tomados em caso de ruptura de estruturas de contenção de rejeitos de minério. O documento precisa ser registrado nas prefeituras e nas Defesas Civis (municipais, estaduais e federal).
“Entendemos que a ECJ deve ser projetada considerando o cenário apresentado no PAEBM, o que não pode ser feito por meio de um documento que o contradiga. A ATI já solicitou informações à Vale sobre os estudos que embasaram essa diminuição, mas não obtivemos retorno da mineradora até então”, disse o coordenador técnico na mesma nota encaminhada à imprensa.
“Não é possível que o número de famílias retiradas da área seja menor, uma vez que a classificação de risco das barragens do Sistema Pontal, embora estejam sendo feitas obras para mitigar os danos, não diminuiu”, contesta o coordenador técnico da ATI/FIP.
Atualmente, segundo a Resolução nº 95 da Agência Nacional de Mineração (ANM), o Pontal está classificado na situação 1 de emergência, apresentando-se ainda com índice de dano potencial associado (DPA), com risco de perdas humanas em caso de ruptura de estruturas internas e ou da própria barragem.
Reunião pública
Foi para discutir e informar aos moradores sobre essa alteração, que reduz o tamanho da ECJ, que a ATI/FIP se reuniu com moradores dos bairros Bela Vista, Nova Vista, Jardim das Oliveiras e Praia na quarta-feira (22), atingidos direta e indiretamente pelo processo de descaracterização da barragem do Pontal.
Na reunião foi salientado que toda a população itabirana vive sob esse risco de ruptura de uma das 16 barragens e diques de contenção de rejeitos existentes na cidade.
“É extremamente importante s comunidade itabirana saber que havendo uma violação de direitos que se propaga por todo o território da cidade de Itabira. Isso por existir outras estruturas de contenção com dano potencial alto. E poucos falam sobre o assunto”, salienta a coordenadora jurídica da ATI/FIP.
Segundo ela, não são apenas os moradores que serão atingidos diretamente pela remoção para a construção da ECJ que sofrem os impactos. Lívia Maris critica a Vale por não cumprir efetivamente a legislação que protege os moradores, não havendo controle social sobre o que de fato está acontecendo com a descaracterização, ou não, das estruturas de contenção de rejeitos em Itabira.
“Por que instituições de justiça, poder público e Vale estão tomando decisões que afetam toda a população de Itabira?”, ela questiona. “No caso do Sistema Pontal, nos parece mais vantajoso para a empresa fazer uma estrutura de contenção do que remover as pessoas. E se acontecer alguma coisa (ruptura) durante as obras de descaracterização, a mineradora lava as mãos”, ela critica.
É nesse contexto que o medo e a insegurança têm crescido entre os moradores de Itabira, agora ainda mais após a tragédia climática no Rio Grande do Sul. É maior o temor de ruptura dessas estruturas de contenção de rejeitos, no caso de ocorrer situação semelhante em Minas Gerais, com o aumento vertiginoso dos índices pluviométricos na próxima estação chuvosa.
Omissão das autoridades
Na reunião com a ATI/FIP, os moradores decidiram que irão colher assinaturas para um abaixo-assinado a ser encaminhado à Vale, representantes do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e autoridades municipais. Eles pedem explicações claras e precisas sobre a redução das remoções previstas, apesar de o risco potencial de rompimento da barragem não ter sido alterado.
No documento, serão descritos os impactos ambientais e de vizinhaça que os moradores desses bairros já vêm sofrendo, com a movimentação intensa de máquinas pesadas, poeira, ruídos intensos, rachaduras nas casas, desvalorização dos imóveis, falta de saneamento básico com esgoto correndo a céu aberto em área interna da barragem, uma situação vexaminosa que se arrasta há mais de 30 anos.
“Sem informações claras e precisas, as pessoas seguem com as suas vidas suspensas, adiando planos, vivendo sob forte angústia e ansiedade no tocante às remoções e à classificação de risco da barragem. Temos, hoje, uma situação de inobservância da lei por parte da empresa, e o sentimento das pessoas atingidas é de que as suas vozes não estão sendo ouvidas” acentuou a a coordenadora jurídica da ATI/FIP.
Falam os moradores
“Eu temo pela minha vida e da minha família. Todos os dias, eu me levanto para trabalhar e fico preocupado se pode acontecer alguma coisa. Eu me deito e me preocupo se a barragem pode vir a romper”, disse na reuinão o eletricista Kleyton da Silva, morador do bairro Nova Vista.
“Os danos causados pela Vale não estão restritos às questões estruturais das casas e às desocupações, mas também têm a ver com os danos causados pela não-informação. Tudo isso gera transtornos que, muitas vezes, não serão mensurados em valores financeiros. As pessoas estão adoecendo e sofrendo. E qual seria o valor financeiro para isso?”, questionou o morador do bairro Bela Vista, o líder comunitário Giéser Rosa Coelho.
Outro lado
Procurada e questionada pela reportagem sobre essa situação de incertezas e insegurança dos moradores, principalmente com a informação de que a ECJ terá dimensão menor, reduzindo o número de famílias que serão desalojadas, enquanto o impacto de vizinhança atinge a todos, até o fechamento desta reportagem a assessoria de imprensa da Vale não se dignou a responder, mesmo tendo recebido a solicitação com bastante antecedência.
Já a representante do MPMG, promotora Giuliana Talamoni Fonoff, pede mais tempo para responder às perguntas encaminhadas pela reportagem. A Vila de Utopia está aberta para os necessários e imprescindíveis esclarecimentos devidos não somente aos moradores diretamente atingidos, mas a toda sociedade itabirana.
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