Seitas malditas estão despertando a fé em Satanás
Por Severino Barbosa
Na vasta clareira banhada pelo luar e iluminada pelo fogo dos braseiros, de onde sobem vapores de enxofre, liamba e outros miasmas, ergue-se o altar a Satanás, montado numa mesa de necrotério e decorado com caveiras, coroas mortuárias e dois grandes castiçais de madeira negra, com velas de gordura humana.
Sobre ele espalham-se punhais, garfos e tridentes (fetiches satânicos), pregos arrancados de caixões de defunto, um vaso contendo sangue humano, outro com essências e drogas malignas misturadas com sangue de morcego, a cabeça de um gato preto que foi alimentado com carne humana, um morcego afogado em seu próprio sangue, os chifres de uma cabra (cum quo puella concuberit) e o crânio de um assassino que matou a própria mãe.
Na frente do altar, num ataúde negro e descoberto, inteiramente nua, uma virgem, a Rainha do Sabat, simbolizando Lilith, a fêmea de Satanás, aguarda o momento de ser “consagrada” a Samael, Lúcifer ou Astaroth, o Príncipe das Trevas.
Irreverente e maluca, a desvairada plateia que enche o local, blasfema e dá vivas a Belzebu, quando o celebrante ingressa no recinto. Envolto em longas vestes negras e tendo na cabeça uma mitra enfeitada com dois enormes chifres, ele chega trazendo um imenso bode, o Rei do Sabat, que representa Satanás, o Deus dos infernos.
Levado ao pé do altar, o bode dá um berro sinistro e começa a urinar, no que é imitado pelos acólitos que seguem o celebrante. Apanhada num vaso, a “água lustral” é utilizada pelos “fieis” que nela molham os dedos e se persignam às avessas, segundo o rito demoníaco.
A Missa do Diabo
O celebrante dá início à Missa Negra:
“In nomine domines Astaroth, et Asmodei, et Beelzebuth introibo ad altare dei omnipotentis principis spirituum”.
“Glória Vobis Beelzebuth”, responde a plateia.
Chegado o momento da “consagração”, o bode é conduzido até o ataúde onde se encontra a virgem. E Príncipe das Trevas, na figura do bode, vem bestialmente sobre a virgem e à “consagra”, sob urros histéricos dos fieis enquanto o celebrante reza contrito:
“Igneam esse diaboli mentulem frigidum esse diaboli mentulem frigidum sêmen ejus, Sabatthi meretrices uma voce confitentur. Aliquid turpissimum astruunt: videlicet doemonem incubum uti membro genital bifurcato.”
“Glória Vobis Beelzebuth”, berra a multidão.
E a satânica orgia, entre arroubos de luxuria, embriaguez e sadismo, estende-se pela madrugada. O canto de um galo preto é o sinal para o fim da mefistofélica e dissoluta cerimônia.
Com um gesto obsceno e rogando a Satanás todas as pragas do inferno, o celebrante despede-se com o “Ite missa est.”
“Lucifero Gratias”, berram os fiéis.
Os devotos de Satanás
“Fui entregue ao diabo três anos antes de nascer. Minha mãe fizera um pacto com Satanás, nos termos do qual sua primeira filha mulher seria por ela oferecida ao Deus das Trevas. Só fui entender as coisas aos 16 anos. Minha mãe me chamou e me revelou tudo. Após a revelação de minha mãe, procurei me transformar numa fiel esposa de Satã e a ele me dediquei inteiramente. Fiquei rica. Uma noite Lúcifer me apareceu e ordenou que eu arranjasse um local para erigir um templo. Viemos de Minas Gerais para Diadema e aqui fundamos a nossa Igreja do Diabo. Tem sido um sucesso. Até agora já consegui para ele mais de 5.000 almas.”
Lina Capeta, a Rainha Diaba de Diadema, 38 anos, sacerdotisa do Templo da Diabologia em Diadema S. Paulo, realiza a Missa Negra duas vezes por ano. Uma na Sexta-Feira Santa (dia da morte de Cristo e de grandes festividades para os oradores do demônio) e a outra, na primeira sexta-feira de agosto (mês em que o Diabo anda solto). Convicta de seus princípios diabológicos, Lina Capeta diz que “o povo cansou de acreditar em Deus e por isso o satanismo está crescendo.”
Em Imperatriz, no Maranhão, José Luiz da Silva, que se intitula de “O Papa do Diabo”, instalou em abril passado o seu Ministério de Lúcifer, depois de haver difundido o satanismo em várias cidades da Paraíba, do Ceará, do Piauí e de outros estados.
No último Dia de Finados, no Parque dos Faróis, em Aracaju, o “reverendo” Luiz Hawalth inaugurou sua Igreja do Diabo, sob aplausos de quase mil fiéis, chegados da Bahia, Alagoas, Pernambuco, interior de Sergipe e outros pontos do Nordeste.
Interrompido a todo instante pelos berros de “Viva Satanás”, Luiz Hawalth disse que “O Diabo não é tão feio quanto se pinta” e que “se o homem pratica algum mal, a culpa é de Deus que permite a maldade”. E conclui afirmando, entre gritos e urros, que “No poder de Satanás, está a salvação do mundo!”
As seitas do Diabo
Com todas as suas heresias, a cerimônia ritual da Missa Negra foi obra de Catarina de Médicis (1519-1599), filha do mago Lorenzo de Médicis, esposa de Henrique II da França e instigadora do Massacre de São Bartolomeu em agosto de 1572.
Mulher de costumes licenciosos e depravados, ela se voltou para os mais execráveis elementos do ocultismo, então muito em voga a Europa. Ingressando nas artes malignas, logo imaginou uma cerimônia em que uma missa blasfema (ironizando, sacralizando o ritual católico) era dita sobre o corpo nu de uma virgem, a ser depois violentada em louvor a Satanás, em meio de luxuriosa orgia sexual.
Foi a Missa Negra registrada por Gougnot de Mousseaux, Moeurs et Pratiques des Démons; Pierre de Lancre, Inconstances des Démons; Gorres, La Mystique Divine, Naturelle et Diabolique; Eliphas Levi, Histoire de la Magie, Dogme de la Haute Magie, Ritual de la Haute Magie; Collin de Placy, Dictionnaire Infernal; Stalisnas de Guaita, Essais de Sociences Maudites. O templo de Satã, Nicolas Remigius, Demonolatria; Giovani Papini, O Diabo; Colin Wilson, Homens de Mistério; Cornélio Agripa, Filosofia oculta; Robert Amadou, Mistério, Magia e Ocultismo; Peter Haining, Magia Negra e Feitiçaria; P. Borrelli, Alquimia, Satanismo, Cagliostro; Corrado Balducci (A possessão diabólica), Bodin (Demonomania) e dezenas de outros estudiosos ou praticantes do satanismo.
Mas a devoção ao diabo não fica nas lendas do Monte Brocken na Alemanha, do Bosque de Benevento na Itália, ou no Prado de Mora, na Suécia.
Segundo F. Ossendowski (Dans l’ombre du sombre Orient), o satanismo teria hoje maior desenvolvimento na Rússia do que no tempo dos czares e aponta Irene Heinzel, ex-bailarina do teatro de Odessa e depois diretora da prisão de Ufa, profunda conhecedora da magia siberiana, como uma das maiores sacerdotisas do culto ao diabo em nossos dias.
Nos Estados Unidos, mais notadamente em Los Angeles, funcionam centenas de seitas demoníacas, chamadas de Bike Groups, que se dizem mensageiras do inferno, sendo mais atuantes os Devil’s Slaves, The Hell’s Jockers, The Mind of Devil e o The Devil’s Fire.
Outros grupos como Ordo Templi Orients e os Circe Groups, dirigidos por mulheres, destacam-se pela prática de aberrações sexuais. E pela criminalidade irracional, ganham celebridade, os temíveis Gypay Jockers, que formam uma espécie de central internacional do satanismo.
O século XX adotou Satanás, Omne Dii gentium daemonia, como diriam os exegetas e exorcistas. Ou, defendendo a “grandeza” de Satã, Daemon est Deus inversus, como dirão os afilhados do Diabo.
[Diário de Pernambuco, 13 de dezembro de 1981. Hemeroteca BN/Rio]