Saae quer terceirizar a transposição de água do rio Tanque e quem paga a conta é o consumidor
Uma importante audiência pública será realizada em Itabira no dia 10 de outubro, uma quarta-feira, para ouvir se a população aprova ou não a transposição de cerca de 500 litros por segundo (l/s) de água do rio Tanque para consumo em Itabira.
As obras de capacitação e tratamento serão executadas por meio de uma parceria público-privada (PPP), com custo estimado entre R$ 60 milhões a R$ 90 milhões.
“O investimento não sairá da Prefeitura e nem do Saae, mas da empresa que ganhar a licitação”, assegura o presidente do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae), Leonardo Lopes. “O Saae só fará a distribuição dessa água”, explica.
Como não existe água tratada de graça, a conta será paga pelo consumidor. E a tarifa, com certeza, não será a bagatela que atualmente é cobrada pelo Saae em comparação com cidades supridas pela Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa).
E deve ficar ainda mais cara quando for acrescida do custo e do lucro do investidor privado que alocará recursos nas obras de transposição (leia mais aqui e aqui).
De acordo com o presidente do Saae, PPPs semelhantes já foram realizadas em várias cidades. Ele cita Belo Horizonte como exemplo bem-sucedido de parceria público-privada para esse fim.
Panaceia
A transposição de água do rio Tanque é apontada como a “melhor opção” para suprir a demanda futura, caso o município venha a se industrializar – um projeto de desenvolvimento que se arrasta desde a metade do século passado.
O vereador Solimar José da Silva (Solidariedade) é um entusiasta dessa transposição pela iniciativa privada. “Será a solução definitiva para o problema da falta de água na cidade”, propagandeia.
“Itabira não tem como receber novas indústrias por não dispor de água”, sustenta o presidente do Saae. “Temos hoje um déficit que atinge principalmente os moradores dos bairros mais altos.”
Chuvas
A audiência pública foi agendada depois de o Saae ter comunicado à Agência Reguladora de Serviços de Abastecimento de Água e de Esgotamento Sanitário do Estado de Minas Gerais (Arsaee) que Itabira estaria vivendo uma estiagem.
Uma semana depois do comunicado do Saae, em entrevista a este site o diretor-técnico Jorge Borges declarou que a população de Itabira não sofreria com falta de água neste ano (leia aqui e também aqui). “Nossos mananciais estão vertendo bem. As chuvas deste ano só deixaram de cair em maio. E em agosto já estava chovendo novamente.”
Sem estiagem neste ano, para os próximos anos também não há o que temer.
É que em 2019 serão concluídas as obras de ampliação da Estação de Tratamento de Água (ETA) Gatos, que passará a captar e tratar 190 l/s – um acréscimo de 100 l/s.
Com isso, a capacidade de tratamento e distribuição de água em Itabira salta de 400 l/s para 500 l/s.
De acordo com números apresentados pelo próprio presidente do Saae, um litro de água por segundo é suficiente para abastecer 330 pessoas.
Ou seja, com a produção já no próximo ano de 500 l/s será suficiente para abastecer uma cidade de até 165 mil habitantes. Itabira, segundo a última estimativa do IBGE tem população de 120 mil habitantes.
Com o prometido anel hidráulico a ser instalado, estações de tratamento e reservatórios ficarão interligados. A partir desse anel, se faltar água em um manancial, o déficit será suprimido por outra ETA onde a água esteja vertendo com maior vazão, inclusive com reforço dos poços profundos das Três Fontes e do bairro Areão.
Ponta da língua
Com esse novo quadro, para quê então fazer a transposição da água do rio Tanque?
O vereador Solimar, fiel escudeiro da parceria público-privada, tem resposta na ponta da língua. Segundo ele, o consumo de água pela população de Itabira é acima da média mundial, daí a necessidade de buscar esse reforço, além de ser um atrativo para atrair novas indústrias.
“A OMS (Organização Mundial de Saúde) preconiza que o consumo diário de água ideal é de 110 litros por cada habitante. Nós, itabiranos, gastamos quase 200 litros de água por dia”, argumenta.
Se há mesmo esse consumo excessivo de água em Itabira, quase o dobro da média mundial, de acordo com o vereador, então é preciso que se faça uma urgente campanha para reduzir e racionalizar o uso. Outra tarefa urgente é reduzir o volume de água tratada que se perde entre as estações de tratamento e reservatórios até chegar aos domicílios.
Outorga
O líder comunitário Eunício “Pescador” Guedes Santiago, morador do bairro Cônego Guilhermino, acha que não é preciso pelas implicações ambientais que acarretará.
“O rio Tanque está secando. Na estiagem fica com menos de 40 centímetros de água”, conta, lamentando também a falta de peixes. “Eles (os outros pescadores) não respeitam a piracema. Mandi, traíra, lambari, todos esses peixes estão desaparecendo.”
Eunício “Pescador” defende que se for mesmo preciso captar água do rio Tanque, que primeiro se recupere a mata ciliar em suas margens. “As margens estão cobertas de braquiária (pasto de gado) e o leito do rio está sendo assoreado.”
A transposição do rio irá dobrar a oferta de água na cidade. Mas para que isso ocorra, é preciso obter a outorga do Instituto de Gestão das Águas (Igan), que deve ouvir também os moradores de cidades que ficam a jusante (Itambé, Santa Maria, principalmente).
Audiência
A transposição do rio Tanque é apontada como a grande panaceia para resolver o déficit de água em Itabira. Isso mesmo que esse problema deixe de existir com os últimos investimentos na captação, tratamento, reservação e distribuição.
Se você, caro leitor e morador de Itabira, concorda ou não com a transposição de água do rio Tanque, compareça à audiência pública do dia 10 de outubro, no Centro Cultural. E manifeste o que pensa sobre essa proposta.
Pode até ser que a sua participação adiante pouco. Afinal, o país ainda está distante do que seria uma democracia direta, quando o povo realmente decide. O que já se sabe é que o consumidor é quem irá pagar a conta. Mas a palavra final será dos vereadores e do prefeito.
Grande indústria
A captação de água no rio Tanque só é justificável se estiver para instalar em Itabira uma grande indústria, tipo duas usinas de pelotização.
Mas se for para isso, que a Vale faça a captação e arque com os custos do investimento. Será uma justa compensação pela água nova, de classe especial, que a mineradora já capta dos aquíferos Cauê e Piracicaba para produzir pellets-feed em suas usinas de concentração – e manter em operação o complexo de Itabira gerando empregos, impostos e oportunidades de negócios.
As informações divulgadas pelo SAAE, Prefeitura e Câmara Municipal são incompletas, pois os estudos sobre abastecimento de água em Itabira contemplam também outras opções, como captação de água no Ribeirão São José e nos Córregos Cachoeira e Santa Cruz, todos esses na vertente da Bacia do Rio Piracicaba, sem implicar na transposição de bacias e a custos menores que os previstos para o “projeto Rio Tanque”.
Além disso, a preservação e a recuperação de nascentes e matas ciliares precisam ser feitas em todas as bacias hidrográficas, e não somente no “Rio Tanque”, e existem recursos financeiros disponíveis para essas ações, tanto nos cofres dos Comitês de Bacias Hidrográficas do Rio Piracicaba e do Rio Santo Antônio quanto nos cofres da Prefeitura de Itabira, em vários fundos municipais, inclusive no FEGA (Fundo Especial de Gestão Ambiental), sem contar as possibilidades de parcerias, seja com a Vale ou com outras organizações, como o Instituto Espinhaço, que implantou um viveiro de mudas com centenas de milhares de mudas, cujo principal objetivo é exatamente a recuperação de áreas de nascentes, matas ciliares e áreas degradadas, mas parece que a Prefeitura e a Câmara Municipal “não sabem” de nada disso…
Outra questão que está sendo “esquecida” é a implantação do Plano Municipal de Saneamento Básico de Itabira, que contempla a questão do abastecimento de água e outras questões de grande relevância para toda a nossa comunidade – o nosso Plano Municipal de Saneamento Básico foi elaborado com a participação de representantes das comunidades, inclusive das áreas rurais, servidores municipais das áreas de Saúde, Educação, Meio Ambiente, Obras, Desenvolvimento Urbano, Agricultura e Abastecimento, Desenvolvimento Econômico, SAAE, Itaurb, Conselho Municipal de Meio Ambiente, Comitês de Bacias Hidrográficas e vários outros segmentos, sendo aprovado também pela Câmara Municipal em agosto de 2016…
Será que nada disso vai ser levado em conta para a implantação dos projetos relacionados ao abastecimento de água em Itabira?