Retrocesso à moda de Trump – política de diversidade na Vale pode ser abandonada em nome da meritocracia
Trabalhadores da Vale em Itabira votam em assembleia, em novembro de 2024. Mudanças nas políticas de recursos humanos já refletem nas condições de trabalho na mineradora
Foto: Reprodução/ Metabase Itabira
A vice-presidente de Pessoas da Vale, Catia Porto, em quatro postagens nos stories de sua conta no Instagram, defendeu políticas de recursos humanos focadas na meritocracia e excelência, em detrimento das ações de diversidade.
Nas postagens, ao contrapor excelência à diversidade, Porto disse que “performance é o nome do jogo agora”, segundo a Reset News, um importante portal de jornalismo econômico, digital e independente, em reportagem assinada por Thais Folgo, nesta segunda-feira (3).
A declaração foi dada pela executiva da Vale ao responder uma pergunta de um seguidor: “Na sua visão, por que as empresas estão retornando para o modelo presencial de trabalho?”. Para responder, a executiva da Vale utilizou uma reportagem do jornal americano Wall Street Journal, com o título O equilíbrio do poder volta a pender para o lado dos chefes.
Na reportagem, publicada no início de janeiro, o jornal afirma que grandes empresas estão endurecendo as políticas de trabalho remoto, reduzindo orçamentos de viagens e cortando benefícios dos funcionários, como bônus e licença de saúde.
Cultura woke e o retorno ao trabalho presencial
Porto argumentou que a “cultura woke” está perdendo espaço e destacou um novo movimento chamado MEI (Mérito, Excelência e Inteligência), que enfatiza a combinação de mérito, altos padrões de desempenho e habilidades intelectuais.
O termo “woke” é uma expressão em inglês que indica um “despertar” para questões de desigualdades sociais, como o racismo estrutural. Foi criado por movimentos progressistas dos Estados Unidos, mas, nos últimos anos tem sido usado de forma pejorativa por políticos da extrema-direita, com reflexos no mundo corporativo, com as empresas reduzindo programas de diversidade.
Durante sua campanha eleitoral, Donald Trump atacou ideias de inclusão e imigração, chamando Kamala Harris de “candidata DEI (Diversidade, Equidade e Inclusão)”, devido à sua ascendência jamaicana e indiana.
Após tomar posse, Trump assinou um decreto intitulado Acabando com programas DEI radicais e perdulários, tendo, na sequência, culpado políticas de diversidade por um acidente aéreo em Washington, com a colisão entre um avião comercial da American Airlines e um helicóptero militar, resultando na morte das 67 pessoas que estavam a bordo das duas aeronaves.
Embora não haja uma relação clara entre o trabalho remoto e o “ideário woke”, Porto afirmou que essa cultura ” está perdendo espaço e mencionou o movimento de “meritocracia, excelência e inteligência” como substituto das atuais políticas de diversidade, equidade e inclusão das empresas.
Mudanças na gestão
Com a nova gestão na Vale, Porto assumiu a vice-presidência de Pessoas no fim do ano passado, após mudanças no alto escalão da companhia, quando o novo presidente da Vale, Gustavo Pimenta, anunciou o nome dela e de mais dois vice-presidentes no Vale Day, realizado na Bolsa de Nova Iorque, nos Estados Unidos, na reunião anual com analistas de mercado de capitais, em 3 de dezembro de 2024.
A postagem de Porto levantou dúvidas sobre uma possível reversão nas políticas de diversidade e inclusão da mineradora. Segundo uma fonte próxima à empresa, que pediu à reportagem da Reset News para que não fosse identificado, “há preocupação entre os funcionários de que os compromissos assumidos em 2019 possam ser desmantelados”.
Compromissos da Vale
Em resposta à reportagem da Reset News, a Vale assegurou que não haverá mudanças em suas políticas e diretrizes para a agenda de diversidade e inclusão. A empresa destacou que continuará trabalhando para garantir que sua equipe reflita a pluralidade da sociedade brasileira, sempre com base no mérito, respeito e inclusão.
“A Vale estabeleceu a meta de dobrar a representatividade de mulheres na força de trabalho até o fim deste ano, de 13% para 26%, e alcançou esse objetivo em 2024, com 8 mil mulheres a mais em seus quadros. Outro compromisso público é alcançar 40% de pessoas negras em posições de liderança até 2026, atualmente em 37%.”
A empresa diz acreditar que a pluralidade aprimora a capacidade de trazer novas soluções para o negócio, gera mais engajamento e contribui para a inovação, performance e eficiência. “Nosso objetivo é criar um ambiente em que todos, independentemente de origem, identidade ou experiência, sintam-se valorizados e tenham oportunidades iguais de desenvolvimento”, afirmou a mineradora em nota encaminhada à Reset News.
Critica à meritocracia
A meritocracia é a ideia de que o sucesso e o progresso social devem ser baseados no mérito individual, como habilidades e esforços, em vez de fatores como herança ou privilégios de classe e de gênero. No entanto, essa visão tem sido criticada, especialmente quando defendida por figuras como Donald Trump, como também por alguns políticos brasileiros.
A crítica principal é que a meritocracia ignora as desigualdades estruturais que existem na sociedade. Em países como os Estados Unidos e o Brasil, onde questões de raça, gênero e classe social desempenham um papel significativo na distribuição de oportunidades, o discurso meritocrático pode servir mais para justificar privilégios existentes do que para promover uma redistribuição justa.
Trump defende que o mérito individual deve ser o único critério para o progresso social e profissional, mas essa posição desconsidera as profundas desigualdades que moldam a sociedade americana. Veja o crescente número de moradores em situação de rua nos Estados Unidos, e eles não são imigrantes, daí que não podem ser deportados.
Na prática, a meritocracia falha em sociedades desiguais porque o ponto de partida das pessoas não é o mesmo. Aqueles que prosperam em sistemas alegadamente meritocráticos geralmente são os mais favorecidos, que têm acesso à educação de qualidade, saúde, redes de contato e estabilidade financeira desde cedo.
Além disso, políticas de ações afirmativas e de diversidade, equidade e inclusão (DEI) são frequentemente criticadas por defensores da meritocracia, como Trump, que alegam que essas iniciativas criam privilégios para minorias.
Na verdade, essas políticas tentam corrigir o desequilíbrio histórico que impede a ascensão de grupos marginalizados. Sem essas políticas, a meritocracia se torna apenas uma fachada, pois não é razoável esperar que uma criança de uma comunidade desfavorecida tenha as mesmas chances de sucesso que outra criada em um ambiente de abundância e apoio.
Enfim, a meritocracia seria um ideal justo se todas as pessoas tivessem igualdade de condições desde o nascimento. Mas em sociedade extremamente desigual como é a brasileira, e a norte-americana também, uma realidade onde o capital financeiro, social e cultural é distribuído de forma tão desigual, ela se transforma em um instrumento para manter privilégios existentes
Leia a reportagem da Reset News aqui:
VP da Vale contrapõe excelência a diversidade em rede social: “Performance é o nome do jogo agora”