Rejeitos: aproveitamento e regulação
Por Frederico Bedran Oliveira* e Gabriel Mota Maldonado**
Brasil Mineral – O setor mineral possui papel essencial na busca pelo desenvolvimento sustentável, e, cada vez mais, encontra nos padrões de sustentabilidade e governança a orientação para seus objetivos e projetos.
Um desafio, nesse ponto, deve estar nas mentes e olhares de todos os que trabalham no setor. Os minerais necessários ao alcance dos patamares de sustentabilidade exigidos pela sociedade mundial são, por razões geológicas, encontrados na natureza em teores menores, o que denota uma maior quantidade de estéril e rejeito gerados na lavra e no beneficiamento.
Ou seja, os elementos que podem proporcionar um futuro mais limpo são também aqueles que mais demandam cuidado ao equilíbrio ecológico em seu processo de explotação.
Nesse contexto, o desenvolvimento do setor mineral exige alternativas para produzir mais, mas com maior sustentabilidade. Atualmente, mais do que a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, as novas demandas sociais apontam para a necessidade de se buscar soluções para reduzir a geração de resíduos e promover o seu aproveitamento.
Como se sabe, há não muito tempo, barragens e outras estruturas similares eram vistas como inevitáveis, quase uma inexorabilidade do próprio setor. Atualmente, no entanto, as exigências da sociedade por uma mineração mais segura e com padrões de manejo socioambiental requerem um novo olhar para a gestão de rejeitos, mais que simplesmente armazenar melhor, seja empilhamento a seco ou backfill, a tendência é gerar menos rejeito.
Esse novo olhar demanda o investimento em tecnologia para ampliar o aproveitamento da jazida, extraindo valor de todos os produtos gerados pela extração mineral e promovendo um uso racional e menor geração de resíduos.
Há que se falar, ainda, nos outros benefícios advindos da redução da disposição desses materiais. Com o aproveitamento dos rejeitos, a redução da disposição em barragens não apenas aumenta a segurança operacional na atividade, mas atende a apelos sociais e contribui para a melhoria da imagem da mineração em nosso país.
Nesse sentido, aproximar o setor mineral dos preceitos do desenvolvimento sustentável e da economia circular, em harmonia com a crescente demanda pela não geração e pelo aproveitamento de resíduos sólidos, surge em uma conjuntura de percepção crescente, por parte da sociedade, de que o modelo econômico atual, linear e baseado na ideia de extração, transformação, uso e descarte, possui limites físicos e tenderá, inevitavelmente, para o esgotamento.
Além dos benefícios ambientais e sociais, essa tendência faz com que as empresas não apenas reduzam custos e perdas produtivas, mas criem novas fontes de receita. O uso dos rejeitos deve ser visto como geração de valor, pois fatores como a redução do footprint começam a ser valorados, assim como a utilização de áreas menores para a disposição dos rejeitos e a redução de custos com monitoramento de sistemas de disposição.
Empresas do setor vêm avançando nas ações para a reutilização de rejeitos, estéreis e resíduos da mineração, compartilhando valor com a sociedade e ampliando a inserção da mineração nas práticas da economia circular e da sustentabilidade.
Ainda que extremamente atual, esse novo cenário está em linha com os valores e regras do Código de Mineração de 1967, que tem como um dos princípios o aproveitamento racional da jazida, por meio do aproveitamento de forma integral, o que, na visão técnica e legislativa, permite maior geração de riqueza e menor produção de efeitos adversos e impacto ao meio ambiente. Nada mais racional e correto, portanto.
Mas não só o CM alude ao tema. A Lei nº 13.540/2017, que dispõe sobre a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem), avançou com incentivos à prática, ao estabelecer que “no caso de rejeitos e estéreis de minerais associados utilizados em outras cadeias produtivas, haverá uma redução de alíquota da Cfem de 50%”.
Além das Leis supracitadas, o Decreto nº 9.406/2018, que regulamenta o Código de Mineração, conceitua, em seu art. 10, a lavra como um conjunto de operações coordenadas, incluindo, entre outras, a extração mineral, a remoção do estéril, o beneficiamento e o aproveitamento econômico dos rejeitos, estéreis e resíduos da atividade.
Como é lógico, se a extração mineral, inevitavelmente, se correlaciona com a geração de resíduos e se é desejável que tais resíduos sejam aproveitados, não se pode dissociar o aproveitamento dos rejeitos e estéreis da concessão outorgada para a substância principal, reforçando o entendimento de que tais resíduos devam ser tratados como coprodutos e não como outras substâncias descobertas posteriormente à obtenção do título.
Trata-se de uma interpretação que busca dar vazão e aplicabilidade ao Código de Mineração e aos princípios constitucionais de índole socioambiental, como o do Desenvolvimento Sustentável e o da precaução. Por isso, faz-se urgente discutir o tema e avançar em questões regulatórias para facilitar o uso dos rejeitos, em um ambiente de segurança jurídica e participação social, adequando os parâmetros da regulação para promover o uso dos rejeitos e incentivar o desenvolvimento tecnológico necessário ao constante aprimoramento das técnicas e soluções voltadas à sustentabilidade.
Sem embargo, é possível imaginar que os efeitos de medidas como essa serão ainda mais importantes em um futuro próximo, tanto para as empresas, quanto para a sociedade e os municípios e regiões mineiras. Permitir e incentivar a utilização completa do patrimônio mineral deverá auxiliar imediata e destacadamente as economias locais, uma vez que conduz à diversificação dos produtos regionais a partir elementos antes descartados e que podem ser usados para a fabricação de insumos e produtos para a construção civil e para a agricultura, a exemplo dos agregados e remineralizadores. Seria um ótimo exemplo para demonstrar a sinergia entre diferentes segmentos.
Como foi dito e redito, o mundo olha para a mineração com esperança e desconfiança. A destinação adequada, a transparência no uso e armazenamento e a reutilização e reciclagem dos rejeitos tende a figurar como os mais importantes fatores da produção mineral, levando consigo a reputação e as condições de futuro do setor e dos padrões de vida e desenvolvimento da sociedade mundial.
*Frederico Bedran Oliveira é Geólogo, Advogado, Mestre em Geologia Econômica e Exploração Mineral (UnB) e Diretor do Departamento de Geologia e Produção Mineral do Ministério de Minas e Energia.
**Gabriel Mota Maldonado é Advogado, Internacionalista, Mestre em Filosofia e Teoria Geral do Direito (USP) e Diretor do Departamento de Desenvolvimento Sustentável na Mineração, do Ministério de Minas e Energia.
No destaque, rejeitos na barragem do Pontal, em Itabira (MG). Ao lado o bairro Bela Vista, uma ironia itabirana. (Foto: Carlos Cruz)