Regularização fundiária é o principal gargalo na política para povos tradicionais
Fotos: Guilherme Dardanhan/ Ascom/ALMG
Política estadual completa uma década com muitos desafios ainda a serem superados, conforme destacado em audiência da Comissão de Direitos Humanos.
ALMG – Os 10 anos da política estadual para o desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades tradicionais foram tema de audiência da Comissão de Direitos Humanos.
Apesar de instituída há uma década, a política estadual para o desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades tradicionais ainda engatinha. Ao menos é esse o entendimento de autoridades e representantes dessas populações ouvidos, nessa quinta-feira (6), em audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
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A Lei 21.147, de 2014, prevê uma série de ações para assegurar mais qualidade de vida aos povos tradicionais. Entre elas, destacam-se a permanência nos seus territórios e a sua posse, por meio da regularização fundiária, hoje o maior entrave, segundo os participantes da audiência.
Além disso, o Estado deve promover o acesso das comunidades às politicas, serviços e equipamentos públicos.
Lei não saiu do papel
Inovadora no arcabouço jurídico nacional, a lei “ainda não saiu do papel”, conforme o coordenador do Conselho Regional de Segurança Alimentar e Nutricional, Edilson Costa. Também para a professora Felisa Anaya, coordenadora do comitê de povos tradicionais da Associação Brasileira de Antropologia, a política estadual passa por um momento de fragilização.
Ela ponderou que a regularização fundiária por meio de títulos coletivos, que reconhecem toda uma comunidade, é um avanço, mas trouxe números desanimadores sobre esse processo.
Até 2018, teriam sido emitidos apenas 26 certificados de autorreconhecimento das comunidades tradicionais, pré-requisito para a regularização. De lá para cá, não haveria registro de novas certificações. Quanto à regularização propriamente dita, seriam 32 processos em 2023, nenhum deles concluídos.
A antropóloga também criticou a atuação, ou, na verdade, a inércia da Comissão Estadual para o Desenvolvimento dos Povos e Comunidades Tradicionais, criada a partir da lei aprovada na Assembleia para operacionalizar as ações de proteção dos direitos sociais básicos e a preservação de cultura e território desses povos.
Nesse sentido, o procurador da República Edmundo Antônio Júnior salientou que a presidência da comissão estadual é sempre ocupada por representantes do governo, em dissonância com o decreto que criou o conselho nacional, o qual estabelece que o presidente deveria ser eleito entre representantes das comunidades tradicionais.
O procurador citou diversos dispositivos da política estadual descumpridos, como a citada emissão de certidões de autoidentificação, a melhoria da qualidade de vida dessas pessoas e a implementação de um fundo de desenvolvimento regional.
“Esta lei poderia figurar nas nossas prateleiras de ficção legislativa.” Edmundo Antônio Júnior, Procurador da República
Parlamentares cobram orçamento
A deputada Andréia de Jesus (PT), que preside a Comissão de Direitos Humanos e solicitou a audiência, ressaltou a constante negação de direitos desses povos, como de acesso à água e à energia. De acordo com a deputada, mais de 400 comunidades quilombolas não contam com energia elétrica.
Andréia de Jesus ainda cobrou do governo ações de fomento à produção dos pequenos produtores, em vez do assistencialismo com a distribuição de cestas básicas e sementes.
“Precisamos que o Estado reconheça o papel fundamental do nosso povo de tradição, das gerais, que tem uma riqueza gigante para oferecer, mas é negligenciado, principalmente, pelo racismo.” Dep. Andréia de Jesus
Os deputados Betão (PT) e Ricardo Campos (PT) demandaram orçamento, aporte de recursos na política para os povos tradicionais. Para a deputada Leninha (PT), há uma estratégia em curso para o esvaziamento das ações governamentais.
Governo reconhece dificuldade para lidar com direitos coletivos
Representando a Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa), Pedro Ribeiro explicou que a pasta se encontra limitada, desde a última reforma administrativa, a trabalhar na regularização fundiária individual, não podendo atender, portanto, as demandas coletivas das comunidades.
Ele destacou, contudo, ações em benefício dos povos tradicionais, entre as quais programas voltados à agricultura familiar e as escolas rurais.
Superintendente da Subsecretaria de Direitos Humanos, Mariana Bicalho assegurou que o governo busca fortalecer e ampliar as políticas para esses povos.
Por outro lado, a gestora admitiu a dificuldade do poder público para identificar e tratar adequadamente os casos de violação de direitos dessas comunidades. “Para contornar esse problema, a subsecretaria está desenvolvendo uma metodologia de atendimento de casos coletivos”, relatou.