Prefeitura quer compensações para o Codema mudar norma da poeira que a Vale quer flexibilizar. Saúde da população é inegociável

Fotos: Carlos Cruz

Presidente do Codema pede informação à Vale de quanto tem investido para diminuir a poeira em Itabira. Na grande Vitória, o investimento é de R$ 4,6 bi para reduzir em até 93% o volume do pó preto disperso no ar pelas suas operações no porto de Tubarão. É o mínimo que Itabira deve pedir como contrapartida para mitigar as partículas de minério que em suspensão que poluem o ar da cidade

Na reunião do Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema), nessa sexta-feira (14), a mineradora Vale, por seu representante Breno Brant, pede que sejam prorrogadas as discussões pelo grupo de trabalho (GT), cuja instalação ela propôs em 10 de março, para flexibilizar norma ambiental municipal que tornou mais restritivos os parâmetros que medem a qualidade do ar na cidade, apurados por uma rede de monitoramento operada pelo próprio agente poluidor em larga escala.

Breno Brant, em nome da Vale, pede a prorrogação do grupo de trabalho que discute a flexibilização da norma da poeira. Denes nega, por não “existir fato novo” que a justifique: “permanece válida a portaria com as normas restritivas.”

“Como o trabalho (do GT) ainda não foi concluído, eu gostaria de sugerir a retomada das discussões da qualidade do ar (pela qual a Vale pede a flexibilização da norma municipal”, solicitou o representante da mineradora do Codema.

“É importante para dar sequência a esse trabalho e fazer essas atualizações”, procurou justificar o conselheiro ambiental da Vale na reunião do Codema, mas sem apresentar as tais contrapartidas (sic) solicitadas pela Prefeitura para que ocorra a flexibilização da norma municipal, como quer a mineradora.

Segundo defendeu um consultor da Vale, em reunião em maio, a norma mais restritiva pode dificultar a instalação de novas indústrias em Itabira, como se o município quisesse uma atividade industrial mais poluente que a mineração para se instalar em seu território.

Leia aqui:

Consultor da Vale diz que legislação restritiva da poluição do ar espanta novas indústrias. Mineradora pede flexibilização de norma do Codema

Parâmetros imperfeitos

A reunião do Codema aconteceu um dia depois de a Vale despejar sobre a cidade toneladas de pó preto de minério de ferro, carregadas também de sílica (areia) e outras substâncias minerais, conforme aponta estudo científico da Universidade Federal de Itajubá (Unifei), campus de Itabira, em parceria com a Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), durante uma forte ventania, que é recorrente todos os anos, aumentando consideravelmente a poluição do ar que ocorre durante todo o ano na cidade.

Os índices monitorados em Itabira, por uma rede automática controlada pela mineradora, não apontaram irregularidades com a poluição de quinta-feira, mesmo considerando os parâmetros mais restritivos da resolução número 2 do Codema.

Entretanto, esses dados já foram colocados sob suspeição por esse mesmo estudo da Unifei/UFSCAR, publicado na revista científica Environmental Advance.

Por meio de coleta independente de material particulado atmosférico nos tamanhos de 2,5 (PM2.5) microgramas por metro cúbico (μm), de 10 μm (PM10) e 20 μm (PM20), foram encontrados valores de particulados entre duas a três vezes maiores nos dias coletados, quando comparados aos valores informados pela Prefeitura de Itabira em seu site oficial, com dados da rede automática de monitoramento da qualidade do ar controlada pela mineradora.

Leia aqui:

Estudo publicado em revista internacional aponta relação entre material particulado atmosférico de Itabira e efeitos tóxicos em células humanas

Poeira “legal”

Desmonte de rochas nas minas por detonação também gera poeria na cidade, além de tremores

Segundo foi informado na reunião do Codema, nenhum parâmetro da norma municipal mais restritiva foi ultrapassado na tarde de quinta-feira, conforme registro da rede automática de monitoramento da qualidade do ar operada pela mineradora Vale.

Mesmo com parâmetros mais restritivos, o padrão máximo de PTS, que pela norma municipal caiu de 240 µg/m³ para 150 µg/m³ – o “fenômeno meteorológico” ocorrido em Itabira na quinta-feira – e que vai ser repetido mais vezes neste ano – não foi suficiente para a poluição do ar em Itabira ferir a legislação. Foi tudo “normal”, apenas um “incômodo de vizinhança” que vai ser repetido várias vezes ainda neste ano, possivelmente com mais intensidade em agosto.

Isso pelos parâmetros legais, porque para a população o incômodo, a sujeira e as consequências à saúde são imensas, como conta Maria da Conceição Leite Cabral, a Lia da Diocese, conselheira do Codema como representante da Cáritas Diocesana.

“O maior termômetro (da poluição do ar) somos nós que aqui vivemos, são as nossas crianças e os nossos idosos que não respiram bem nesta cidade. Isso que está acontecendo em Itabira não pode ser normal, mesmo estando dentro da lei. Como foram os atendimentos na saúde de ontem para hoje (de quinta para sexta-feira)?”, questionou a líder comunitária.

Denes Lott, presidente do Codema e secretário municipal de Meio Ambiente, informou que já requereu essa informação à Secretaria Municipal de Saúde.

O conselheiro Glaucius Bragança (à esquerda) quis saber o que a Prefeitura negocia com a Vale em troca da flexibilização. Denes Lott responde que não se trata de negociação, mas de compensações que a Vale pode executar para diminuir a poeira. Nesse caso, se isso acontecer não será preciso flexibilizar a norma, se for feito a coisa certa, como em Vitória, ES

Polêmica

A polêmica sobre as tais contrapartidas aumentou na reunião do Codema quando o conselheiro Glaucius Detoffol Bragança, representante da Loja Maçônica União e Paz, leu manchete de jornal que diz estar a Prefeitura de Itabira negociando com a Vale a flexibilização da resolução do Codema em troca de contrapartidas.

Essa flexibilização, segundo informa o secretário Denes Lott, com base nos resultados das discussões no GT, ocorreria com a aceitação de que o índice máximo de Partículas Totais em Suspensão (PTS), que é o nome técnico da poeira arrastada pelo vento das minas da Vale para a cidade, poderia ser superado por até três vezes ao ano.

Se aprovada essa flexibilização, ela pode ferir a Constituição Federal, uma vez que a legislação municipal pode até ser mais dura que a lei maior, mas nunca inferior ou mais branda em sua penalização e observância.

No caso, mesmo sendo os parâmetros federais mais flexíveis que a legislação municipal, a resolução 491, de 19 de novembro de 2018, do Conselho Nacional de Meio Ambiente, só admite uma única ultrapassagem no ano do índice máximo de PTS.

E mesmo esse parâmetro nacional terá de ser alterado por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), que deu prazo de 24 meses, contados a partir de 5 de maio do ano passado, para que órgão ambiental federal edite norma mais eficiente, tornando os parâmetros da qualidade do ar no país mais restritivos, como já ocorre na Europa, por exemplo.

Leia aqui:

Poluição do ar deve ter padrões mais restritivos, diz PGR. STF fixa prazo para Conama estabelecer novos parâmetros

E também aqui:

Diretrizes da OMS endurecem limites para a poluição do ar

Secretário nega negocição de flexibilização em troca de compensações

A imediata reabilitação de taludes na Serra do Esmeril (Minas do Meio), com plantio de espécies nativas, é obrigação de fazer que a empresa deixa de cumprir e que é importante também para conter a dispersão de poeira e promover a “desarbonização” da mineração em Itabira

Denes Lott nega, veementemente, que a Prefeitura de Itabira esteja negociando essa flexibilização com a Vale, em troca de contrapartidas.

“Primeiramente, não há uma negociação, que só acontece quando há determinado ponto a ser negociado. O que há é uma imposição do prefeito, uma exigência se houver alguma flexibilização da norma (do Codema), que é mais restritiva que a anterior e também em relação à resolução Conama. Para ter a flexibilização tem que haver uma contrapartida que a Vale ainda não nos apresentou e que represente melhoria da condição ambiental na cidade”, contrapôs o presidente. “E nada será aprovado sem a apreciação e votação do Codema”, assegura.

Ainda segundo ele, pautar ou não o assunto na reunião do Codema, como a flexibilização da norma que regula qualidade do ar, faz parte de um atributo do administrador público, pela discricionariedade técnica.

“A gestão atual informou à Vale que só irá colocar o assunto no Codema com a proposta apresentada pelo GT, se a mineradora apresentar uma contrapartida que justifique (a flexibilização), uma forma de compensação ambiental e econômica. A Vale ainda não se pronunciou”, assegura Lott.

De acordo com o presidente do Codema, “a flexibilização teria validade por um ano e se refere apenas ao parâmetro PTS”, esclarece. O PTS é o parâmetro que mede o volume total de poeira que é despejado sobre a cidade em um determinado período.

Prosaico e risível

Conselheiros da Vale no Codema insiste com o pedido de flexibilização, quando deveria incrementar as ações para diminuir a poeira como tem feito em Vitória, no Espírito Santo

O pedido de flexibilização da Vale para a flexibilização da norma ambinetal municipal é prosaico, para não dizer risível. “O fundamento da Vale é que ela precisa de tempo para se adaptar (à nova norma ambiental do Codema), informa Denes Lott.

“Por conta desse pedido foi criado o GT. Sem a resposta da Vale apresentando as contrapartidas, a norma fica mantida, sem a permissão de ultrapassagem (do índice máximo de PTS) por mais de uma vez por ano”, assegura o presidente do Codema.

“Contrapartidas aceitáveis seriam novos projetos que aprimorem a qualidade ambiental, juntamente com investimentos em atividades econômicas em benefício da população de Itabira”, admite Denes Lott.

O fato é que o que se tem nos últimos 80 anos é muita promessa e pouca ação por parte da Vale. Se a mineradora quisesse realmente diminuir a poluição do ar, já desde a metade da década passada estaria colocando em prática o que está no Plano de Fechamento de Mina (PFM), apresentado pela própria mineradora à Agência Nacional de Mineração (ANM) em 2013.

O PFM foi elaborado pela Tüv Süd, empresa de consultoria alemã internacionalmente conhecida. Propõe, entre muitas outras medidas compensatórias e mitigadoras, a reabilitação de áreas mineradas degradadas com plantio de ervas medicinais para suprir a indústria farmacêutica nacional.

Parece ser um bom plano, que deve sair da gaveta e discutido com a população para início de implantação imediata, a começar pelos diques descaracterizados no sistema Pontal e também no Rio de Peixe, além dos taludes que precisam ser restaurados na Serra do Esmeril.

Para conhecer esse PFM, acesse aqui:

Cultivo de plantas medicinais e novo hospital constam, em 2013, do Plano de Descomissionamento das Minas de Itabira

Investimentos

O presidente do Codema quer que a Vale informe quanto tem investido em Itabira para conter a poeira, comparativamente a outras unidades da empresa, inclusive no exterior.

Na grande Vitória o investimento é de R$ 4,6 bi para reduzir em até 93% o volume do pó preto de minério de ferro que é suspenso no ar pelo descarregamento dos vagões e carregamento de navios que levam o minério de ferro de Minas para além-mar.

Pois essa contrapartida que é devida a Itabira pela Vale há décadas, caso os políticos itabiranos e a sociedade civil organizada itabirana (isso existe?) cobrassem com forte pressão, não poderia ser diferente do compromisso firmado pela mineradora com a Justiça Federal do Espírito Santo, por força de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) a ser executado no porto deTubarão. Nada menos do que isso.

Para saber mais, leia aqui:

Vale vai investir R$ 4,6 bilhões para conter “o pó preto” da poeira, diz gerente de Meio Ambiente. Em Itabira? Não, no porto de Tubarão, ES

 

 

 

 

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3 Comentários

  1. Como o agente da Vale, tem lugar no Codema? Ele ganha pra defender a destruição e o adoeciomento da população. A solicitação de “flexibilização” do Breno Brant é escárnio. É de dar nojo.

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