Prefeito envia projeto à Câmara para captar água no rio Tanque sem considerar outras alternativas
Carlos Cruz
Apontada como solução definitiva, a captação de água no rio Tanque não é a única alternativa para o abastecimento na cidade – e talvez seja a mais cara, principalmente para o consumidor, que irá pagar a conta.
Projeto de lei para viabilizar essa alternativa foi enviado pelo prefeito Ronaldo Magalhães (PTB), nessa terça-feira (19), à Câmara Municipal, devendo ser discutido na reunião das comissões temáticas, na quinta-feira (21), antes de entrar na pauta do legislativo itabirano.
Assim que o projeto for aprovado pelos vereadores, a Prefeitura fica autorizada a realizar uma parceria público-privada para viabilizar a captação, que implica na transposição de água do rio Tanque para o rio de Peixe.
Com a parceria público-privada, serão mantidos com o Saae apenas o tratamento e a distribuição dessa água. Em linha reta, o ponto de captação está a 21 quilômetros da cidade – e será preciso construir uma nova Estação de Tratamento de Água (ETA), que não estará incluída na parceria público-privada, correndo por conta do Saae, ou da Prefeitura.
A captação será feita na proximidade da fazenda da Ponte, da empresa Belmont, na divisa de Itabira com Itambé. Não é uma água tão limpa, uma vez que o rio Tanque já sai poluído do município de Itabira, onde nasce, na RPPN Alto do Rio Tanque.
O projeto prevê captar 400 litros por segundo (l/s), mas esse volume não irá dobrar a atual capacidade de captação e tratamento de água no município. Mas é o dobro do que foi apresentado na audiência pública, realizada pelo Saae, no dia 10 de outubro, para discutir a transposição dessa água.
Dos atuais 400 l/s que o Saae tem disponível para abastecer a cidade, com a nova captação Itabira passará a contar com 600 l/s. Isso, segundo o projeto do prefeito, resultará em uma sobra suficiente para incrementar a sempre protelada atração de novas indústrias.
“Com a captação no rio Tanque iremos regularizar a situação de nossas outorgas (licença para captação, concedida pela Agência Nacional das Águas), que hoje está acima do que é permitido”, explicou o presidente do Saae, Leonardo Lopes, na audiência pública, ao explicar o porquê de não dobrar a produção com a transposição dessa água.
“É uma irregularidade que Itabira vive há muitos anos”, salientou. Com a transposição, diminuirá a captação de água no córrego da Pureza, cuja vazão vem diminuindo gradativamente.
Alternativas
O projeto enviado à Câmara contraria o posicionamento da maioria das pessoas que participaram da audiência pública. É que, além do custo elevado do empreendimento, de cerca de R$ 53 milhões, existem alternativas que podem sair mais baratas para a população.
Pela proposta de parceria público-privada, é o consumidor que irá remunerar o investidor, com aumento de 25% na tarifa de água, conforme já foi projetado pelo Saae.
Entre as alternativas de captação de água apontadas pelo Plano de Abastecimento Público de Itabira, desenvolvido pela Fundação Christiano Ottoni, da Universidade Federal de Minas Gerais, está o ribeirão São José.
Outra alternativa é o córrego Santa Bárbara, que fica mais próximo da ETA Pureza, responsável pelo abastecimento de mais da metade dos bairros da cidade – e que já está entrando em colapso, com redução de sua vazão.
Existe ainda a opção, que também não está sendo considerada pela administração municipal, e que já foi anunciada pela Vale, que é o aproveitamento das águas dos aquíferos Piracicaba e Cauê. Esses aquíferos ficam abaixo das Minas do Meio e Cauê, como também de parte da cidade.
Desde 1985 a Vale vinha fazendo o rebaixamento desses aquíferos para dar prosseguimento à extração de minério nessas minas. Como não havia legislação pertinente, só em 2002 a mineradora obteve licença ambiental para o rebaixamento, aprovada pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam).
Para obter a licença, uma das condicionantes aprovada foi de que a mineradora teria que “corrigir ou compensar eventuais impactos decorrentes do rebaixamento.” As águas desses aquíferos são de classe especial, com qualidade superior que a água do rio Tanque – e de todos os mananciais atualmente existentes, a exceção dos poços das Três Fontes.
Legado ameaçado
A promessa da Vale ao discutir o rebaixamento das águas subterrâneas com os órgãos ambientais, e com sociedade itabirana, foi de que, após a exaustão das minas, as águas dos aquíferos ficariam disponíveis para suprimento na cidade – e para a atração de novas indústrias.
A previsão é de as minas de Itabira vir a exaurir até 2028. Mas essa projeção da própria empresa não está sendo considerada pela administração municipal, que insiste na transposição de água do rio Tanque.
A Vale diz que irá trazer minério de outras cidades para processar nas usinas de concentração de Itabira. Se esse minério for transportado por mineroduto, virá com água que pode ser reaproveitada. Mas ainda assim será necessária uma grande quantidade de água nova para processar esse minério – e que será captada desses aquíferos.
É uma boa saída para a Vale, mas será para Itabira? Atualmente, a mineradora capta cerca de 600 l/s de água nova dos aquíferos para processar 43 milhões de toneladas, o que gera mais de 4 mil empregos, além de cerca de 70% da receita municipal, entre a Compensação pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem) e ICMS.
Com o minério vindo de outras localidades, o consumo de água nova será praticamente o mesmo, mantendo-se o monopólio dos aquíferos, hoje com quase toda água disponível demandada pela mineração.
Só que a geração futura de empregos nas usinas, após a exaustão das minas locais, não deve ultrapassar 400 postos de trabalho. E a maior parte da Cfem e do ICMS ficará com os municípios onde estão as minas.
É preciso que Itabira discuta com a Vale os custos/benefícios dessa operação. É que o rejeito, que virá com o minério de outros municípios, precisa ser disposto em algum lugar com segurança. E a opção encontrada é justamente depositar nas cavas das minas exauridas.
Se isso ocorrer, será possível manter o acesso aos aquíferos para o consumo na cidade? Como se dará a compensação por mais essa perda incomparável? E o acesso às águas desses aquíferos, que já foram apontadas pela própria Vale como sendo o grande legado da mineração para o futuro sustentável de Itabira, após a exaustão de suas minas, como se dará? Ou voltará a ficar inacessível?
Mais uma vez, nós itabiranos, iremos pagar para manter a mineradora funcionando em nosso Município.
Uma aberração esse esforço de guerra “ad aeternum”.
Talvez há também interesses escusos por detrás dessa parceria público privada. Por isso, querem-na tanto.
Assim como avenidas caras que favorecem a especulação imobiliária de meia dúzia de cidadãos, mesmo tal obra tendo um fundo de interesse público.