Por que o aval de psicólogos é tão valorizado na literatura infantil?

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Por Ana Clara Andreoli*

O livro “Meu filho pato”, da Companhia das Letrinhas, conta com o apoio do Instituto de Psicologia 4 Estações. Tenho certeza de que isso confere à obra uma sensação de segurança, mas não de diversão. Os seis contos que compõem o livro são entediantes e apáticos. Reconheço que a temática da morte não ajuda nesse quesito; mas, se essas histórias não são engraçadas, nem instigantes ou emocionantes, resta a pergunta: afinal, o que elas são?

Lygia Bojunga, por exemplo, não é psicóloga e escreveu a obra infantil, “Meu Amigo Pintor” que fala sobre suicídio e toca o coração de muitos até hoje. Outro livro para crianças que discute perdas e que é mundialmente reconhecido é “O Pequeno Príncipe”, do autor francês Antoine de Saint-Exupéry. Ambos mostram que a força da literatura infantil está na capacidade de criar histórias que mexem com a imaginação e a sensibilidade das crianças, mesmo diante de temas difíceis.

Quero deixar claro então, que este ensaio não se coloca contra a psicologia, mas sim contra a ideia de que a literatura infantil deva ser “segura” e “pasteurizada” para ser considerada adequada ao seu público. Vale observar que os exemplos aqui citados são obras antigas: “Meu Amigo Pintor”, de 1986, e “O Pequeno Príncipe”, de 1943, o que me faz acreditar que essa preocupação exacerbada com a infância é um fenômeno bem mais recente do que o senso comum entende.

Nos registros da Europa medieval, percebe-se que as crianças eram vistas como “adultos imperfeitos”, cuja primeira tarefa era simplesmente sobreviver até a adolescência para então serem reconhecidas como parte da sociedade (uma visão moldada pelas altas taxas de mortalidade infantil da época).

O gênero literário voltado especificamente às crianças só surgiria após a Idade Moderna, e o primeiro autor europeu a dedicar-se exclusivamente a esse público foi o Hans Christian Andersen que apareceria anos depois com clássicos como “A Pequena Sereia”.

Mas nem mesmo Andersen poupou seus leitores, em sua história mais famosa, a protagonista não conquista o amor que deseja e, na última página, dissolve-se em espuma do mar. Não existe, portanto, uma temática pré-determinada para a literatura infantil. Qualquer assunto pode ser abordado, desde que a linguagem respeite o desenvolvimento intelectual e emocional de seu público, é claro.

Essa não é apenas a minha opinião, mas também a de Alice Áurea, professora e pesquisadora especializada em literatura. Em seu artigo “Qualidade na literatura infantil e juvenil: como reconhecer na prática da leitura?”, Áurea defende que os personagens voltados à infância e à juventude se envolvam em situações que direcionem os leitores a refletir e a reformular conceitos sobre si mesmos e sobre o mundo.

Não é tarefa fácil construir uma narrativa que seja ao mesmo tempo bem escrita, adequada à idade e divertida. Uma pessoa que seja apenas psicóloga ou pedagoga, mesmo com amplo conhecimento sobre crianças, dificilmente conseguirá atingir esse equilíbrio. Os profissionais que conseguem alcançar esse feito são os escritores infantis, especialistas no assunto, que podem até ser psicólogos ou pedagogos, mas sobretudo, escritores.

É fato que uma temática delicada, deve ser tratada com cuidado, principalmente quando se destina a menores, mas isso não significa que a literatura infantil deva ensinar aceitação ou valores morais. A literatura surgiu para instigar, provocar reflexão e botar o leitor para pensar e dessa forma acaba ensinando questões da vida por identificação, é como aprender ouvindo as experiências de outra pessoa.

E mesmo que a criança não absorva esse aprendizado, a ficção não foi pensada para ser funcional de qualquer forma. Esse gênero, na verdade, reflete uma necessidade profundamente humana: a de não se contentar em viver apenas uma vida, obrigando o leitor a interromper seu cotidiano para perceber outras perspectivas. Talvez seu filho não compreenda totalmente a finitude da existência, mas é certo que desenvolverá o sentimento de empatia ao ler ficção.

A indústria editorial, dessa maneira, reflete os desejos e medos da sociedade. Para vender, as editoras precisam agradar seus clientes que, no caso da literatura infantil são os pais, e, por isso, acabam privilegiando obras “seguras” e inocentes, que não incomodem nem instiguem as crianças. Hoje, percebo que as pessoas se tornam cada vez mais superprotetoras com os filhos, e não as culpo.

O advento da internet, comprovadamente capaz de causar impactos no cérebro infantil, a falta de espaços apropriados para crianças (seja online ou offline), o constante julgamento e pressão social sobre os cuidadores e a preocupação moderna com a saúde mental desde a infância contribuem para essa superproteção.

Tudo isso, somado à instabilidade política mundial, fez com que a necessidade de proteção com os mais jovens duplicasse, aumentando a procura por conteúdos infantis funcionais, práticos e utilitários. Frente a isso, as editoras, em busca de números e sucessos imediatos, acatam o desejo dos pais e editam livros de acordo com seus gostos.

O mais curioso é que, mesmo ganhando a aprovação imediata dos clientes, esse efeito não se mantém a longo prazo. O foco nos adultos desvia a atenção das crianças (futuros leitores) que, assim, nunca terão acesso a uma literatura de qualidade e, provavelmente, deixarão de se interessar por livros a partir dos 11 anos.

Dessa forma, os pais acabam falhando em estimular o gosto pela leitura, com a colaboração das editoras, que preferem sacrificar clientes duradouros em vez de confiar no poder da literatura de encantar novas gerações, o que é irônico, para não dizer triste.

Foto: acervo pessoal

*Ana Clara de Carvalho Andreoli é aluna do 5 período de Comunicação Social – Produção Editorial na UFRJ.

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