Por poucas horas, desabastecimento em Itabira atinge bairros supridos pela ETA Três Fontes, únicos que recebem água de classe especial

Fotos: Carlos Cruz

A crise hídrica que Itabira vive há mais de duas décadas, e que afeta sobretudo os bairros abastecidos pelos sistemas Gatos e Pureza, chega também, por pouco tempo, ao sistema Três Fontes, até então incólume por se tratar de água captada de poços profundos do aquífero Piracicaba.

Na noite dessa sexta-feira (24), o Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae) enviou nota à imprensa comunicando que neste sábado poderia faltar água em residências de 16 bairros abastecidos pelas Três Fontes, com previsão de retorno à normalidade somente na parte da tarde. Mas pela manhã, às 9h27, o comunicado foi que o abastecimento já havia sido normalizado.

O corte no fornecimento não foi por faltar água nesse manancial subterrâneo, captada por meio de poços profundos a mais de 100 metros. Nada disso, a fonte não secou.

Ocorreu que durante o rápido temporal de ontem à tarde, um raio provocou curto-circuito na Estação de Tratamento de Água (ETA) Três Fontes, no bairro Pará, onde antigamente havia o campo da Graminha, hoje uma barragem de contenção de material de aluvião, carreado das Minas do Meio e que ali é contido.

Barragem Três Fontes, no bairro Pará, contém sedimentos onde antes existia o campo de futebol da Graminha, uma ironia uma vez que o chão era coberto por fino de minério de ferro

Devida à sobrecarga na rede elétrica, um disjuntor da ETA queimou, ocasionando a paralisação de dois poços profundos. A equipe técnica do SAAE trabalhou rápido para solucionar a situação, mantendo-se por pouco mais de 15 horas a região central de Itabira privada do recurso, se é que faltou, uma vez que a maioria das residências abastecidas pela estação tem capacidade maior de reservação.

A ETA Três Fontes abastece os bairros Alto Boa Vista, Alto Pereira, Areão, Giannetti, Esplanada da Estação, Moinho Velho, Pará, 14 de Fevereiro, Vila Amélia, Vila Cisne, Vila Paciência, Vila Piedade, Vila Santa Izabel, Vila São Joaquim e Vila Técnica do Areão.

Aquíferos são imensos reservatórios de água

Pelo prometido, e não cumpido, a água de classe especial do aquífero Cauê também serviria para abastecer Itabira e atrair novas indústiras

Prometidos no passado como o que seria o grande legado da mineração para Itabira após a exaustão das Minas do Meio, pelo acesso pela atividade aos seus recursos encontrados em grande profundidade no subsolo, os aquíferos são imensos reservatórios com milhões de metros cúbicos de água.

São recarregados com as chuvas, assim como ocorre com o lençol freático, cujo recurso pode ser acessado por meio de cisternas a menos de dez metros.

Essa situação de quase desabastecimento nesses bairros não tem sido recorrente, justamente pelo privilégio de receberem uma água de classe especial, advinda de um dos aquíferos existentes no subsolo itabirano, o Piracicaba – o outro é o Cauê.

Estudos geológicos realizados pela mineradora Vale, no início deste século, mostraram que esses aquíferos praticamente não se comunicam.

Foi o que preservou a água do córrego e a termal da gruta Água Santa, que não secaram mesmo com o rebaixamento do aquífero Cauê, iniciado com a exploração das Minas do Meio, a partir de 1985.

Rebaixamento do aquífero Cauê não secou o poço da Água Santa, que continua com a santa instalada indevidamente em um ponto turístico não religioso

Legados

No início deste século, os aquíferos, foram anunciados por hidrogeólogos da Vale como sendo os “grandes legados que a mineração deixaria para Itabira abastecer a população e atrair novas indústrias”.

“As águas dos aquíferos são reservas estratégicas para Itabira após a exaustão das minas”, afirmou o ex-gerente de Geotecnia e Hidrogeologia da Vale Henry Galbiatti, na edição de agosto de 2004 do jornal Vale Notícias.

“Foi o que ocorreu com muitos municípios mineradores na Espanha, que passaram a contar com esses recursos hídricos após a exaustão de suas minas”, foi o que sustentou também o hidrogeólogo Agostinho Fernandes Sobreiro Neto, em reportagem do mesmo house-organ, dois anos antes, na edição de março de 2002.

“Poucas cidades do mundo dispõem de reservas estratégicas de água como Itabira”, ele afirmou naquela edição. Segundo Sobreiro, antes de o rebaixamento ter início em 1985, os aquíferos Piracicaba e Cauê dispunham de 338,8 milhões de metros cúbicos de água.

O anúncio de que não faltaria água em Itabira com o legado dos aquíferos ocorreu em várias edições do informativo Vale Notícias

“Desde então, até outubro de 2016, data prevista para exaustão das Minas do Meio, serão bombeados 37,2 milhões de metros cúbicos, correspondentes a 11% das reservas iniciais existentes nos reservatórios subterrâneos do distrito ferrífero de Itabira”, contabilizou Sobreiro.

Conforme ele explicou, a água subterrânea é um recurso natural renovável. “Com a paralisação do bombeamento nas cavas, o que ocorrerá com a exaustão das minas, terá início a recuperação de seu nível. Com o tempo, as reservas atingirão o mesmo volume existente antes do rebaixamento”, disse ele.

Entretanto, esse legado foi para as calendas com a decisão da Vale, que já obteve licenciamento ambiental sem que fossem impostas compensações pelo órgão ambiental estadual, de entupir as cavas exauridas das Minas do Meio com rejeitos e material estéril, como já vem acontecendo.

Espera-se que a medida não comprometa em definitivo o acesso a esse legado, para não virar mais uma perda incomparável. É preciso proteger esses imensos recursos hídricos que estão no subsolo itabirano – e que abastecem os mananciais a jusante, uma riqueza que não pode ser exclusiva da mineração.

Para saber mais sobre a promessa do legado dos aquíferos, acesse:

Prometidos como legados da mineração, aquíferos são alternativas para o suprimento de água em Itabira

Mesmo com a disposição de rejeitos, aquíferos Cauê e Piracicaba devem ser protegidos como patrimônios de Itabira e da região

Com a disposição de rejeitos nas Minas do Meio, Itabira pode perder o legado da água dos aquíferos  

 

 

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