Por integrar a APA Morro da Pedreira, ocupações irregulares na Serra dos Alves podem ser investigadas pelo Ministério Público Federal

Fotos: Eduardo Cruz

Irregularidades estão por todo o povoado que, até recentemente, parecia terra sem lei, com abertura de novos loteamentos sem regularização municipal e graves ameaças ao meio ambiente, à fauna e flora

Por Carlos Cruz

No ano passado, fiscais das secretarias de Desenvolvimento Urbano, e do Meio Ambiente, fizeram 26 visitas técnicas à Serra dos Alves, distrito de Senhora do Carmo, quando foram notificadas e embargadas seis obras irregulares, sem projetos aprovados na Prefeitura – e em áreas de preservação permanente (APP).

A informação é da superintendente de Urbanismo, Daniele Jácome, que representou a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano em reunião do Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema), na sexta-feira (10), quando foram debatidos os graves problemas ambientais e urbanísticos no povoado. Da reunião participou também representantes do Instituto Chico Mendes da Biodiversidade (ICMBio).

Entre as irregularidades estão obras praticamente concluídas, a exemplo de uma suntuosa casa que, segundo fiscais da Prefeitura, foi edificada em área de preservação permanente, o que é proibido pelas legislações municipal, estadual e federal.

Um procedimento foi aberto pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Curadoria do Meio Ambiente da Comarca de Itabira, que investiga o caso. Segundo o secretário municipal de Meio Ambiente, Denes Lott, o proprietário sustenta que não ocupou área de preservação e que os cursos d’água existentes na localidade são efêmeros, de “baixa significância”.

Isso enquanto para a prefeitura não há dúvida de que a casa foi edificada em área de uso restrito – e entende que é preciso preservar todas as nascentes .

Portanto, para a prefeitura não há dúvida de que está em área de uso restrito – e que é preciso preservar todas as nascentes . “O proprietário já foi autuado pela Secretaria de Meio Ambiente e pela Polícia Ambiental, que remeteu o caso ao IEF (Instituto Estadual de Florestas)”, informou Denes Lott.

O proprietário vai recorrer e o caso será judicializado. “A perícia (judicial) irá confirmar se está em área de preservação permanente ou não”, aguarda o secretário de Meio Ambiente, antes de dar sequência ao caso, que é emblemático na Serra dos Alves.

Antes de construir em Serra dos Alves, é preciso verificar se o local não é área de preservação permanente e se o loteamento está regularizado

Investigação federal

Como se trata de construção em Área de Proteção Ambiental (APA) do Morro da Pedreira, no entorno do Parque Nacional Serra do Cipó, o caso dessa construção, assim como de outras ocupações irregulares em área de preservação ou de fracionamento do módulo rural, podem ser também encaminhados ao Ministério Público Federal, salientou a chefe do Núcleo de Gestão Integrada (NGI) ICMBio Cipó-Pedreira, Renata Corrêa Apoloni.

Para isso, as denúncias podem ser feitas por meio de formulário no site do ICMBio, que serão encaminhadas à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e a outros órgãos responsáveis pela fiscalização ambiental em Minas Gerais. “Se não houver solução por esses meios, podemos recorrer ao Ministério Público Federal.”

Enquanto isso, Daniele Jácome informa que a fiscalização do município em Serra dos Alves já está sendo intensificada, mas com as restrições, já que a sua secretaria só poder agir no núcleo urbano. “Não temos como atuar quando a construção irregular está em área rural.”

O recurso ao órgão federal, por meio do ICMBio, pode vir a equacionar essa lacuna na fiscalização.  “E tudo acontece muito rapidamente, começa uma construção hoje e no outro dia já está de pé”, disse ela, ilustrando o frenesi das novas construções no povoado.

Parcelamentos irregulares

“Aconteceram parcelamentos e estão abrindo novas vias (em áreas de expansão), sem o devido licenciamento, com solo exposto e risco de provocar erosão”, disse a superintendente de Urbanismo, apontando mais irregularidades que ameaçam, com o carreamento, assorear cursos d’água à jusante.

“Estamos cobrando a regularização desses loteamentos como prescreve o plano-diretor”, informou Daniele Jácome aos conselheiros do Codema, lembrando que cabe ao empreendedor executar toda a infraestrutura.

“Novas construções somente serão permitidas após essa regularização”, assegurou a superintendente, que conta com a parceria dos técnicos da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, e agora também do ICMBio, para a necessária vistoria dos imóveis vizinhos à vila e que estão expandindo para a zona rural.

Para ser regularizada, a construção só pode ter um pavimento térreo. As que estão incluindo mezaninos estão irregulares, pois contam como sendo um segundo andar.

E só podem ocupar 50% da área do lote, que não pode ser fracionado, o que infringe o módulo mínimo de 1.000 metros quadrados. A medida é necessária para coibir o super adensamento populacional do povoado.

Terreno adquirido pela Vale para integrar o Parque Nacional Serra do Cipó, na divisa com o núcleo urbano, sofre com erosão do solo como “área de empréstimo” por particulares

Revisão necessária

Além de ter de seguir o que dispõe o Plano Diretor específico para a vila, é preciso também observar o que está no Plano de Manejo da Área de Preservação Ambiental (APA) Morro da Pedreira, à qual Serra dos Alves está inserida.

Esse plano foi elaborado em 2014 e contou com consultas públicas nas comunidades dos oito municípios que têm parte de seus territórios nessa unidade de conservação federal.

Esse ordenamento estabelece regras para o zoneamento em áreas de ocupações restritas, quando não proibitivas, para a preservação da vida silvestre e de espécies endêmicas – e por isso mesmo são especialmente protegidas, explicou a chefe do núcleo do ICMBio Cipó-Pedreira.

Como objetivos gerais da atuação do órgão ambiental federal está o de “construir uma referência para o ordenamento das áreas urbanas ou de expansão urbana, situadas dentro da APA Morro da Pedreira e para a promoção da qualidade ambiental das áreas com características urbanas, viabilizando a harmonização com a paisagem natural e a minimização dos impactos decorrentes da ocupação”.

E entre os objetivos específicos inclui o apoio aos municípios “no disciplinamento do uso e ocupação do solo, com o propósito de assegurar o crescimento ordenado das áreas urbanas ou de expansão urbana situadas dentro APA Morro da Pedreira”.

A identificação dessas áreas, acentuou a gerente, não significa que são necessariamente propícias para a expansão urbana. Por exemplo, nas zonas de vida silvestre, que são especialmente protegidas, na maioria dos casos não pode haver construção.

Daí que se faz necessário revisar o Plano Diretor específico de Serra dos Alves, com a inclusão de artigos que estabeleçam mais restrições, conforme consta do Plano de Manejo da APA Morro da Pedreira. Isso para não gerar conflitos e mais descaracterização da paisagem natural.

Segundo a chefe do núcleo do ICMBio Cipó-Pedreira, Renata Corrêa Apoloni, embora seja atribuição do município, expansão do núcleo urbano da Serra dos Alves necessita da anuência do órgão ambiental federal (Foto: Carlos Cruz)

Anuência do ICMBio

Aos municípios competem aprovar ou não a expansão urbana, assim como das edificações em território rural que está inserido na APA Morro da Pedreira. Mas antes, é preciso ter a anuência do ICMBio.

“Os municípios devem submeter (ao órgão federal) para análise a autorização para a expansão urbana, assim como o parcelamento do solo. Isso não pode ser decidido só localmente”, advertiu Renata Corrêa Apoloni.

Segundo ela, é preciso estabelecer tecnicamente como será o sistema de drenagem, o saneamento básico, levando-se em consideração as características de permeabilidade do solo. “Estamos falando da proteção de área com a presença de espécies especialmente protegidas e ou ameaçadas (fauna e flora)”, acrescentou.

“No ano passado, vimos que em Serra dos Alves muitas casas estavam sendo construídas no contexto de um parcelamento fora das normas, o que não pode ocorrer, inclusive em áreas com espécies endêmicas e ameaçadas. Esses terrenos fracionados têm apresentado alto grau de erodibilidade, com risco de afetar o lençol freático e os cursos d’água.”

Daí que é preciso ter um novo ordenamento jurídico para Serra dos Alves, com ficalização para que todos os procedimentos necessários e exigíveis sejam observados, ainda a tempo de os danos ambientais não se tornarem irreversíveis. “Sem isso, em pouco tempo não teremos água de qualidade e o próprio polo turístico da Serra dos Alves, que tem um potencial incrível, fica comprometido.”

A chefe do núcleo do ICMBio Cipó-Pedreira acrescentou que se tem como ponto positivo a crescente conscientização ambiental dos moradores – e dos turistas que frequentam o povoado. “São, em sua maioria, pessoas conscientes que não agridem o meio ambiente e valorizam a cultura local. É isso que queremos para Serra dos Alves, um turismo de base comunitária, que atenda às normas e que ajude a preservar os recursos naturais.”

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