Por deixar de fornecer parte dos 160 l/s de água a Itabira, Vale é multada em R$ 14,5 milhões para investir na melhoria do abastecimento público
Itabira tem ficado recorrentemente sem água por não dispor de disponibilidade hídrica, já que as principais outorgas estão com a mineração
Carlos Cruz
A promotora de Justiça, Giuliana Talamoni Fonoff, da curadoria de Defesa do Meio Ambiente da Comarca de Itabira, esclarece que a multa de R$ 14,5 milhões aplicada à Vale, é por deixar a mineradora de fornecer reforço hídrico ao Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE).
Isso para que não falte água na cidade, conforme está no Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) do rio Tanque, firmado em agosto de 2020. “A multa é por descumprimento parcial do fornecimento de 160l/s”, confirma a representante do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).
Por esse TAC, a mineradora é obrigada a fornecer ao sistema de abastecimento da cidade 160 litros por segundo (l/s) de água, diariamente, até que seja concluída a transposição do rio Tanque, apontado como a panaceia para assegurar sabe-se lá por quanto tempo o abastecimento hídrico na cidade, além de possibilitar a diversificação da economia municipal.
Só que, em diversos momentos, a Vale deixou de cumprir esse compromisso, daí que foi multada pelo MPMG. Os recursos dessa multa serão investidos em ações de melhorias e corretivas, com diminuição de perdas, no aumento da capacidade de reservação, além de outras medidas urgentes que serão apresentadas pelo Saae.
Segundo a promotora, o repasse desses recursos da multa ao Saae ocorrerá mediante a apresentação de projetos de melhorias no sistema de abastecimento – e será monitorado por um sistema de controle próprio do MPMG, a plataforma Semente.
“A Vale se obriga a pagar a quantia de R$14.560.000, para fins de custeio de projetos voltados a melhoria da disponibilidade hídrica, preferencialmente relacionados com a preservação hídrica no município de Itabira/MG e nas melhorias necessárias para garantir a viabilidade do sistema de distribuição utilizado para receber a ETA Rio Tanque”, é o que consta do termo aditivo do TAC.
O TAC aditivo foi assinado por representantes do MPMG, pelo diretor de Operações de Itabira, Daniel Daher Junior, e pelo gerente técnico ESG Operações Itabira, Glauco Vinícius de Oliveira Gonçalves, ambos da Vale, além de representantes da empresa de consultoria Aecom, da Prefeitura e do Saae.
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Obrigação de fazer
Ou seja, no TAC aditivo consta mais uma obrigação de fazer que a mineradora assume – e que se não cumprida, mantendo-se a falta de água em Itabira, vai gerar mais multas.
O reforço desses 160 l/s será distribuído nos seguintes pontos de fornecimento de água para a cidade: 100 l/s para a alça hidráulica, que ainda insistem em chamar de anel, 20 l/s para o sistema Areão, e 20 l/s para a estação de tratamento do Rio de Peixe.
O aditivo ao TAC estabelece mais multas no caso de novos descumprimentos por parte da Vale na disponibilidade hídrica pactuada. Para isso haverá tolerância de 10% da vazão estipulada, desde que esse déficit não ultrapasse cinco dias consecutivos e oito dias no mês de não atendimento.
Além disso, “essa tolerância não pode comprometer a média mensal de fornecimento de 160 l/s pactuados, independentemente do ponto de fornecimento”.
Poços profundos
Esse reforço hídrico que chega à cidade é proveniente dos aquíferos, captado de poços profundos na mina Conceição, à semelhança do que ocorre há décadas com a captação das Três Fontes, no bairro Pará – e que nunca deixa faltar água para abastecer os bairros centrais da cidade.
É a água desse aquífero que havia sido prometido, no passado, como grande “legado da mineração” para a cidade, o que ocorreria após a exaustão da mina Chacrinha, em 2016.
Entretanto, esse “legado” foi inviabilizado com a decisão da mineradora de dispor rejeitos de minério nas cavas exauridas, que poderiam servir como grandes reservatórios, a exemplo do que ocorre em muitas cidades mineradas na Espanha.
Atribuições
Sendo assim, com essa obrigação de reforçar o sistema de abastecimento em Itabira, caso falte água na cidade nos próximos dias, principalmente com a estiagem que se avizinha, a culta é da Vale.
Que o Saae cumpra o seu dever de melhorar o tratamento e a distribuição, com entrega de água de qualidade em todos os domicílios itabiranos. Que deixe de fornecer água turva, com “cor de coca-cola”, como são as águas de Itambé, nas torneiras de muitos domicílios itabiranos.
E nada de meias verdades, senhores vereadores e vereadora da CPI da Água. Procurem conhecer os termos desse TAC e aditivo, como também a história do desabastecimento de água em Itabira.
E deixem de lado, a bem do serviço público e da boa vereança, a política partidária eleitoral, direcionando os seus esforços para cobrar de quem deve a Itabira, no caso a Vale, para que não falte água nas torneiras do itabirano nos próximos dias, sobretudo na próxima estiagem que já está começando.
Falta de água em Itabira já é pauta das oposições nas eleições municipais
Como se observa com a assinatura do TAC, e admissibilidade da multa, a constante falta de água em Itabira não é por falta de empenho da administração municipal, diferentemente da versão que as oposições ao prefeito Marco Antônio Lage (PSB) vêm disseminando.
Conforme já salientou este site em diferentes postagens, a grande responsável por essa escassez de água na cidade é da mineradora Vale, que detém a quase totalidade das outorgas.
E que protelou ao máximo o cumprimento de condicionante da Licença de Operação Corretiva (LOC) do Distrito Ferrífero de Itabira, aprovada em 2000 – e que só a partir de 2026, se não houver atraso, será enfim cumprida, executada e quitada.
Pois é para não responder a uma ação civil pública, mais uma entre as muitas em que é ré desde que o ex-presidente José Sarney (1985-90) promulgou a Lei número 7.347/85, de 24 de julho de 1985, que a mineradora Vale assinou o TAC do Rio Tanque em agosto de 2020, e agora mais esse termo aditivo, que pode gerar novas multas, no caso de descumprimento do que foi acordado.
É por força desse TAC que a Vale irá arcar integralmente com o custo da transposição de 600 l/s de água do rio Tanque, orçado em US$ 30 milhões. Desse total, a cidade deve demandar, inicialmente, de apenas 200 l/s.
Aproveitando carona nessa premente necessidade Itabira, e como na Lei de Gerson, que diz ser importante sempre levar vantagem, a Vale terá à disposição de suas operações 400 l/s (66,6%), arcando-se com o custo de energia para a captação enquanto estiver fazendo uso desse reforço hídrico.
Antes da assinatura desse TAC, a Câmara Municipal de Itabira havia aprovado projeto de lei de autoria do ex-prefeito Ronaldo Magalhães (2017-20), autorizando a licitar o projeto de captação de água do rio Tanque por meio de uma parceria público-privada (PPP).
Isso sem que ex-prefeito e vereadores cobrassem o cumprimento pela Vale dessa condicionante da LOC, para que fosse assegurado o abastecimento público em Itabira, prioridade de acordo com o Código das Águas.
Pelo projeto da PPP proposto pela administração passada, o usuário é quem pagaria a conta desse investimento, com aumento previsto de 30% na tarifa da água consumida em cada domicílio.
ALELUIA!