Poema de Drummond publicado em 1984, no jornal O Cometa Itabirano, soa como uma profecia

Foto: Antônio Cruz/
Agência Brasil

Rompimento de barragem da Vale causa a morte de 272 pessoas e deixa rastro de destruição na bacia do rio Paraopeba

Por Nilber Ferreira 

Carlos Drummond de Andrade, poeta mineiro da cidade de Itabira, em 1984, publicou no jornal O Cometa Itabirano o poema Lira Itabirana. Nessa obra, Drummond como um vidente mostrou os eventos em Mariana (novembro 2015) e em Brumadinho, no dia 25 de janeiro.

O Portal Eu Rio! convidou alguns poetas, professores de outros estados e da cidade que relessem o poema de Drummond.

 

O rompimento da barragem em Brumadinho (MG) devastou 133,27 hectares de vegetação nativa de Mata Atlântica (Arte: André Barroso/Eu Rio!). 

A carioca Sandra de Oliveira, Bióloga, especialista em Planejamento e Gestão Ambiental, pesquisou a história por trás dos versos viajando em particularidades de Minas Gerais, o estado com maior quantidade de minério do Brasil.

“Desde o Brasil colônia se explora minérios. Drummond diz no poema:  “Quantas toneladas exportamos”, “De ferro? ” Aqui é possível refletir: Quantas vidas perderam! Por ferro”, indaga Sandra.

O desabafo de Drummond utilizando versos, mostra a face da mineradora, que na década de 70 retirou de sua casa em Itabira para construção de uma barragem da então Vale Do Rio Doce, hoje Vale.

No episódio de Mariana, as minas de Fundão e Alegria despejaram 35 milhões de m³que devastaram o distrito de Bento Ribeiro e “viajaram” pelo rio Doce cortando os municípios de Linhares, Baixo Guandu e Colatina, chegando até o litoral do Espirito Santo após 17 dias da tragédia.

A bióloga refresca a nossa lembrança que em Brumadinho fora as vidas humanas, temos ainda as espécies de animais silvestres presentes na região entre elas onça-parda, jaguatirica, cachorro do mato, lobo guará, raposa, macaco prego, mico estrela e tucano.

A flora que possui 5% da biodiversidade do planeta caracterizada por campos de montanha, campos sujos e cerrado, estão ameaçados de extinção.

Poema foi publicado pela primeira vez no jornal O Cometa Itabirano, nº 58, em dezembro de 1983

O aluno do ensino médio da capital Paulista, Leandro Marques da Silva, 20 anos, falou em seus versos da mutação que o Rio Doce sofrera:

“Um dia o Rio foi doce, um dia o Rio foi bonito, um dia o Rio fez que as pessoas se orgulhassem … Agora o Rio é cheio de lama e sangue de muitas pessoas”.

Fica agora a saudade dessas “águas doces” e das pessoas que se foram na tragédia, a dor da saudade de um rio que se tornou amargo e salgado, por causa do descaso da empresa, nos disse o jovem poeta. A tragédia de Mariana que parou no tempo e não restituíram o que lhes é devido.

Professora de geografia, poetisa e moradora de Belo Horizonte, Elaine Aparecida Paraguai, 41 anos, é natural da cidade arrasada pelo “tsunami” de lama.

“Sou filha da mineração. Quando criança tinha os pés vermelhos da hematita, empoeirados de brincar na rua. Pique bandeira, pega-pega… subíamos em árvores”. Reflexões da infância no poema que escreveu.

Curtia -se inocência de criança, brincar alheia às mazelas humanas em Brumadinho. Entre estatais e multinacionais, a cidade sobrevivia.

Para a professora de geografia a Lira Itabirana poderia ser a lira brumadinense, referente a poética “profética ” de Drummond.

Os mineiros choram de Mariana a Brumadinho, entre Miltons e Betos.

O preço das vidas recolhidas é maior do que qualquer minério. Elaine como muitos cidadãos de Brumadinho tem entregado ao solo seus filhos ou esperam que eles sejam encontrados para fazer isso com dignidade. Ela nos deixa a seguinte mensagem:

“Colham nossas lágrimas e transformem-nas em futuro. Para que os rios corram, as crianças brinquem e os adultos percebam que viver é melhor que exportar. ”

Um alerta gritante ecoa mais alto que as sirenes “engolfadas” pelo rio de lama da Vale.

A estátua de Drummond olha para o mar de Copacabana e não parece acreditar no que está acontecendo em Minas, quando às 12h28, do dia 25, a barragem 1 da mina Córrego do Feijão, rompeu varrendo tudo que estava em seu raio de destruição.

Que o clamor do sangue não seja esquecido e que das Brumas da tragédia vejamos o Vale do futuro.

Texto publicado originalmente em https://eurio.com.br

 

Posts Similares

1 Comentário

  1. “Colham nossas lágrimas e transformem-nas em futuro. Para que os rios corram, as crianças brinquem e os adultos percebam que viver é melhor que exportar. ”

    E a Vale quer fazer o mesmo em Catas Altas com a mudança do curso do rio do Morro da Agua Quente para lavar a sua sujeira. Mais um crime legalizado.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *