Pela ressocialização do condenado, enfim Itabira inaugura o centro de reintegração social da APAC
O centro de reintegração social da Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (Apac) finalmente foi inaugurado nesta sexta-feira (16). Trata-se do último capítulo da novela de implantação, que começou no final do século passado.
Foi quando alguns segmentos sociais começaram a discutir a necessidade de humanizar o sistema carcerário existente em Itabira, que tinha o pior exemplo na cadeia pública Paulo Pereira, que a juíza Cibele Mourão, da II Vara Criminal, classifica como um dos mais degradantes exemplos de como não se deve vigiar e punir o condenado.
O novo centro de reintegração social da APAC em Minas Gerais foi instalado no antigo posto agropecuário, com capacidade para receber mais de 90 presos de bom comportamento e de baixa periculosidade. Devido à chuva, a solenidade de inauguração aconteceu no auditório do Fórum Desembargador Drumond.
Conforme foi lembrado pelo desembargador Antônio Armando dos Anjos, coordenador-geral do programa Novos Rumos, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), o empenho da sociedade civil foi imprescindível para a Apac de Itabira virar realidade.
“A União cedeu o terreno e, por meio de um termo de ajustamento de conduta, a Vale destinou os recursos iniciais para o projeto começar a sair do papel”, lembrou. O aporte de recursos da mineradora, em 2006, foi de R$ 300 mil.
O novo modelo para o cumprimento alternativo de pena privativa de liberdade tem por base a ressocialização do preso de bom comportamento. Na Apac, os presos que se enquadrarem nos critérios previamente fixados irão encontrar condições dignas para o cumprimento de pena, como determina a Lei de Execução Penal e a Constituição Brasileira.
Dignidade
Conforme lembrou a juíza Cibele Mourão, sob forte emoção ao ver realizado o sonho do juiz criminal Frederico Antunes Coelho, morto em acidente automobilístico, em 2006, quando retornava a Itabira vindo de Belo Horizonte, foram mais de 15 anos de muitas batalhas.
A magistrada recordou as visitas que fazia aos presos detidos na cadeia municipal Paulo Pereira, quando chegou a Itabira, pela primeira vez, em 2008 . “O cheiro daquele ambiente impressionava, é a primeira impressão que me vem à memória quando recordo das visitas”, contou, referindo-se às degradantes condições carcerárias encontradas em Itabira.
“Ouvi por diversas vezes pessoas de diferentes áreas dizerem que eu iria me acostumar. Felizmente não me acostumei e espero nunca me acostumar com o sofrimento do outro”, disse ela, com a voz embargada pela emoção.
“Muito mais que o encontro sensorial me vem o encontro da alma. Como se admitia que pessoas pudessem se encontrar naquela situação? Como seria possível uma ressocialização naquele ambiente? A pena deveria ser apenas a perda da liberdade e não da dignidade humana”, disse a juíza, que acrescentou:
“Felizmente encontrei em Itabira pessoas que também preservavam a capacidade de indignar, sempre dispostos a ver o condenado e seus familiares com compaixão e respeito”, lembrou a juíza, que disse ter encontrado pessoas voluntárias dispostas a dar prosseguimento ao projeto idealizado em Itabira pelo juiz Frederico Antunes Coelho.
Para a juíza, a Apac não é um projeto sustentável apenas para os condenados e seus familiares. Cibele Mourão assegura que a nova unidade irá beneficiar a sociedade itabirana, que quer ver a repressão ao malfeito, mas que também irá dar oportunidade para o condenado se recuperar e ressocializar após cumprir a pena privativa da liberdade. “Não se trata de privilégio e nem de caridade, mas de cumprimento fiel da imposição legal”, sentenciou a juíza.
Pedras no caminho
O pastor Renato Martins da Rocha, presidente da Apac de Itabira, também recordou as dificuldades encontradas para implantar o novo sistema prisional em Itabira. “Vem à memória o pontapé inicial de um projeto iniciado em 1994 com o padre Renato (Menezes Cruz)”, disse ele.
“Foi um tempo sombrio e complicado, com muitas reuniões e incertezas. As obras foram paralisadas por falta de recursos e algumas pessoas se mobilizaram para impedir a construção do centro de reabilitação.”
Depois de contar como foram removidas “as pedras no caminho”, citando como todos os demais oradores o poeta itabirano Carlos Drummond de Andrade, no mês de seu aniversário, disse ter valido a pena. “Agora temos o sonho realizado.”
Princípios humanitários
O secretário de Estado de Justiça de Minas Gerais, general Mário Lúcio Alves de Araújo, também acentuou a importância do novo centro prisional para a recuperação e ressocialização do condenado.
“Trabalhamos no sistema prisional mineiro com dois sistemas importantes, que é a custódia e a ressocialização. O sistema Apac faz isso muito bem, com bons resultados: a reincidência é menor e a alternativa para o recolhimento de parte da população carcerária é muito positiva.”
Divisor de águas
Para o desembargador Gilson Soares Lemes, presidente do TJMG, o novo sistema é um divisor de águas para o cumprimento de penas alternativas.
“Com isso, a comarca de Itabira se alinha aos princípios humanitários ao oferecer dignidade no cumprimento de penas privativas de liberdade e com a fé inabalável na recuperação do ser humano que cometeu um crime.”
Segundo ele, o Brasil possui a terceira maior população carcerária do mundo, com mais de 700 mil presos.
“Não é novidade que nesse exato momento em que estamos aqui reunidos, milhares de homens e mulheres estão sendo submetidos a condições degradantes de cumprimento da pena, sendo obrigados a viverem em espaços exíguos com risco de proliferação de doenças, sem encontrar oportunidade de trabalho e estudo”, lamentou.
Para ele, é nesse contexto aviltante que os centros de recuperação das Apacs se tornam um oásis, um espaço carcerário em que se busca humanizar o cumprimento de penas privativas da liberdade. “Oferece trabalho, estudo e profissionalização dos condenados para que possam sair das prisões melhores do que entraram.”
De acordo com o magistrado, o sucesso desses centros de ressocialização é inegável. “O índice de reincidência é de apenas 15% contra uma média de 80% do sistema prisional comum no Brasil.”
O desembargador assegura que com as Apacs ganham a sociedade ao ter o preso voltando para a convivência social, como também ganha o recuperando que não será submetido a tratamento degradante e terá nova chance na vida. “E ganha o Estado, já que os custos de cada recuperando dessas unidades são menores que no sistema prisional comum em cerca de 50%.”
No país já existem instalados 54 centros de reintegração das Apacs, sendo 39 em Minas Gerais. “Somos líderes na aplicação da metodologia no país”, acentuou.
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