Para que serve o Codema

Carlos Cruz

O Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema) foi a primeira organização social e política “paritária”, composta por representantes do governo municipal e da “sociedade civil organizada”, a se instalar em Itabira.

Isso no já longínquo ano de 1985, resultado do Encontro Nacional de Cidades Mineradoras, realizado em agosto de 1984 no teatro da Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade. cuja carta final recomendou a organização da sociedade em conselhos municipais para a defesa de seus interesses difusos e coletivos frente à mineração.

Esta foi a grande recomendação dos prefeitos, vereadores e deputados, reunidos em Itabira, para as cidades mineradas brasileiras representadas ou não naquele encontro.

Outra importante pauta de reivindicação foi pelo fim do exíguo e injusto Imposto Único sobre Recursos Minerais (IUM), que acabou sendo extinto pela Constituição Federal de 1988, substituído pelo Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o que melhorou consideravelmente as receitas dos municípios minerados. E até mesmo dos garimpados.

A instituição de um Fundo Nacional de Exaustão Mineral foi outra importante reivindicação apresentada no histórico encontro. Essa reivindicação das cidades mineradas foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, por meio da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem), também conhecida como os royalties minerais.

Registre-se que a Cfem não é um imposto, mas uma indenização para que se compense parte das perdas econômicas e ambientais ocasionadas pela mineração, que tem data para exaurir, no caso de Itabira, no já próximo ano de 2028.

Surge aqui, preliminarmente, a pergunta: para que serve o Codema se nunca fiscalizou a aplicação dessa compensação financeira na área do meio ambiente, e que se perdeu com o custeio da máquina administrativa e em gordos empréstimos a “empresários” aventureiros que não cumpriram planos de investimentos para geração de emprego, impostos e renda?

Onde está o dinheiro da Cfem, ninguém sabe ninguém viu, gato comeu. Inadimplentes empresários, aliados a conhecidos políticos e gestores municipais, consumiram com a grana da Cfem, que é paga ao município desde a sua regulamentação, em 1991. E, com isso, impediram ou dificultaram a diversificação da economia local.

Como caloteiros serão julgados, não pela justiça que tarda e falha, mas pela história, que registrará também a omissão passada e presente dos conselheiros do Codema, que não acompanharam a aplicação da parte obrigatória de investimento no desenvolvimento sustentável, o que inclui a melhoria da qualidade ambiental.

Antecedências

Esse importante e pioneiro conselho municipal de defesa do meio ambiente foi instituído pelo ex-prefeito José Maurício Silva (1983/88) para “brigar” com a Vale. Isso mesmo, o Codema foi instituído para que a sociedade civil organizada, com apoio municipal, pudesse fazer frente ao principal agente poluidor da cidade que é a mineração.

Claro que outros temas relacionados ao meio ambiente eram recorrentes nas pautas das reuniões do órgão ambiental municipal, como a poluição do ar pelas chaminés até então sem filtros da usina de ferro gusa e também das indústrias de tinturaria de tecidos que poluíam o córrego da Pureza, instaladas no Distrito Industrial.

O Codema agia, notificava os agentes poluidores. Se eles não cessavam a poluição, eram acionados por meio do Ministério Público, com base na recém-sancionada Lei Federal 7.347, de 24 de julho de 1985, que trata dos interesses coletivos da sociedade (meio ambiente, patrimônio histórico e arquitetônico, e a defesa do consumidor).

O Codema apoiou e ofereceu suporte técnico com laudos e testemunhos, principalmente por intermédio de sua ex-presidente Maria Alice de Oliveira Lage, que não era servidora municipal, ao então promotor de justiça José Adilson Marques Bevilácqua.

Foi nessa ocasião, em 30 de julho de 1985, provocado por reportagens do jornal O Cometa, que o Ministério Público ingressou com três ações contra a Vale por poluir o ar de Itabira, degradar paisagisticamente a serra do Esmeril (atual Minas do Meio) – e por derrubar matas nativas para plantar eucalipto e pinus, por meio de sua subsidiária Florestas Rio Doce.

Assim era o Codema nos seus primórdios, quando não era presidido pelo ocupante da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, mas por uma professora ambientalista. Naquela época o órgão ambiental combatia o bom combate para impedir, por exemplo, a existência de loteamentos clandestinos, que lesavam incautos moradores por não oferecer a infraestrutura mínima necessária de saneamento.

E criticava, chegando inclusive a acionar judicialmente a Prefeitura, sempre que promovia cortes indiscriminados de árvores, sem os necessários laudos fitossanitários. O Codema chegou a recorrer inúmeras vezes ao Ministério Público, com sucesso, para por fim a esse recorrente ato administrativo de ceivar árvores em uma cidade que ocupa as últimas posições entre as mais arborizadas do país.

O Codema era meramente consultivo, mas desempenhava um papel muito mais importante que o atual órgão municipal deliberativo, que se tornou homologador de pareceres técnicos burocráticos, na maioria das vezes repetitivos, invariavelmente recomendando inócuas medidas compensatórias de empreendimentos das classes 1 e 2, aqueles de baixa relevância sob o ponto de vista dos impactos ambientais.

É nesse ponto que vem novamente a pergunta: para que serve o Codema? Se for para aprovar licenciamentos de empreendimentos de baixo impacto ambiental (borracharia, lava-jato, posto de gasolina, oficina mecânica, loteamento), é muito pouco diante dos objetivos iniciais para os quais o órgão ambiental municipal foi instituído, que é a defesa da qualidade ambiental no município em todas as instâncias, principalmente frente à mineração.

Dizer que não é atribuição do Codema fiscalizar a Vale é uma grande balela – e uma imperdoável omissão, que deveria, inclusive, ser investigada pelo Ministério Público, por se tratar de prevaricação, que é deixar de exercer um dever em decorrência da função pública em prejuízo do interesse coletivo.

O licenciamento de empreendimentos classes 1 e 2 chegou a ser propagandeado como grande conquista da atual administração, por não ter os pequenos empreendedores de recorrer à Superintendência de Meio Ambiente (Supram-Leste), em Governador Valadares, para licenciar seus novos negócios.

Só que, na realidade, o licenciamento dessas categorias de empreendimentos deixou de ocorrer em todo o estado, mas foi mantido em Itabira por força de uma arcaica legislação ambiental municipal, promulgada no primeiro governo do prefeito Ronaldo Magalhães (2001-04).

Trata-se de uma exigência que nem precisa existir. Para que se cumpra a legislação ambiental municipal, basta que os técnicos das secretarias de Meio Ambiente e do Desenvolvimento Urbano cumpram o dever  de fiscalizar para saber se todas as normas exigíveis de controle ambiental e de adequação urbanas estão sendo observadas.

Com a burocracia de se licenciar esses empreendimentos pelo Codema, onera-se o empreendedor que gasta somas absurdas de dinheiro com consultorias para se obter repetidos pareceres, que mal são lidos pelos conselheiros do órgão ambiental municipal.

Mais omissões

Com o Codema burocrático e omisso, grandes temas ambientais que preocupam a população itabirana não são debatidos pelo órgão ambiental. Aliás, debates são proibidos nas reuniões do conselho – só os conselheiros podem se manifestar individualmente, mas não é permitido debater entre si para não virar polêmica. A ausência de polêmica, já dizia um pensador, é arma dos poderosos para dominar os mais fracos.

O Codema até que se fez representar na audiência pública realizada pelo Saae, em 10 de outubro do ano passado, para “debater” a transposição de água do rio Tanque para abastecimento na cidade. O seu representante até que questionou a legalidade dessa transposição, mas o tema não repercutiu nas reuniões subsequentes do órgão ambiental.

O Codema não participou da reunião pública, realizada em 21 de julho, na Câmara Municipal, quando mal se discutiu com a comunidade itabirana o alteamento da barragem do Itabiruçu, que está sendo elevada da cota 835 para 850. Ou se enviou algum conselheiro representante, esse boquifechou-se – e nada relatou nas reuniões seguintes do órgão ambiental municipal.

Um pedido formulado por este site Vila de Utopia para que fossem levantadas, pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente, as atas das reuniões do Codema que constam registros de acidentes, pequenos que sejam, em barragens e diques de contenção de minério, para conhecimento público e dos próprios conselheiros, não foi aprovado pelo Codema.

Consideraram o pedido como sendo de interesse exclusivo deste site, que deveria, mediante agendamento,  vasculhar ata por ata até encontrar as informações pretendidas para informar a população sobre a existência dessas ocorrências.

Aliás, o assunto barragem só é tratado nas reuniões do Codema quando é provocado por algum líder comunitário ou morador vizinho, que teme pela perigosa vizinhança. Mesmo assim esses ficam quase sempre ficam sem respostas.

Foi o que ocorreu quando pediram a intervenção do Codema junto a Vale para que se cumpra o que determina uma das condicionantes da LOC, que é o licenciamento da Vale para minerar em Itabira. Trata-se daquela que impõe o remanejamento de moradores sempre que há risco às suas vidas diante da possibilidade, remota que seja, de rompimento de alguma estrutura do empreendimento minerário no município (leia mais aqui).

É um temor mais que justificado, diante do rompimento de imensas e destrutivas barragens de rejeitos de minério em Minas Gerais nos últimos anos. Mas que ficou sem receber o apoio e a diligência do órgão ambiental municipal para ajudar a dirimir as dúvidas dos moradores.

Representatividade

É assim que o Codema segue omisso, servindo apenas para burocratizar e referendar o licenciamento de pequenos empreendimentos, de baixa significância ambiental.

Ignora os grandes temas ambientais de Itabira – e não é representativo socialmente, tendo em sua composição uma majoritária composição empresarial. E também não é paritário, como determina a lei, uma vez que parte dos representantes da sociedade civil ocupa cargos comissionados na Prefeitura (leia aqui).

Como o momento exige uma firme atuação do órgão ambiental municipal, a única saída é a população, de preferencialmente de forma organizada, ocupar as reuniões do Codema, que acontece sempre na primeira quarta-feira do mês, com início às 16h, no Centro de Educação Ambiental (CEA), Parque Natural Municipal do Intelecto, bairro Campestre.

Que lideranças comunitárias, políticas e sociais passem a frequentar as suas reuniões, cobrando dos conselheiros para que cumpram o papel de, no mínimo, monitorar e acompanhar tudo o que diz respeito ao meio ambiente no município.

Dizer que não é papel do órgão ambiental municipal tomar um posicionamento frente à mineração é balela – e omissão. Se não é sua atribuição licenciar o empreendimento minerário, o que de fato é dever do Estado, sabe-se que o licenciamento não tem início sem a anuência do município, ou declaração de conformidade, que é emitida pelo Codema.

Foi assim que ocorreu com os sucessivos licenciamentos da barragem do Itabiruçu – e de todas as outras estruturas de contenção de rejeitos em Itabira. Todas as etapas do processo de licenciamento tiveram anuência do Codema, que não cumpriu o dever de solicitar a realização de audiências públicas para informar e esclarecer a população.

Aliás, essa é outra prevaricação do órgão, e que teve, inclusive, participação de muitos dos atuais conselheiros do Codema. Trata-se de outra omissão que deveria ser objeto de investigação pela Curadoria do Meio Ambiente, do Ministério Público Estadual, Comarca de Itabira.

Afinal, e por último, para que serve o Codema? Se não serve para representar a população frente à mineração, que encerre as suas atividades de referendar pareceres técnicos burocráticos, na maioria das vezes iguais na forma e no conteúdo.

Ou que retorne à sua missão para o qual foi criado, mesmo que mantendo a função deliberativa, que é a de defender o meio ambiente e os interesses difusos da população que sofre com os impactos da mineração – e de outras atividades econômicas.

Se assim não for, que o Codema encerre as suas atividades em nome da desburocratização do licenciamento de pequenos empreendimentos no município, que passariam a ser fiscalizados pelas secretarias das respectivas áreas, para que se cumpra a legislação.

Ao se manter a atual postura do órgão, que não mais se perca o precioso tempo dos conselheiros do Codema. Dissolva-se, já. Ou mude-se imediatamente, retornando com os seus objetivos iniciais, se é possível diante da sua atual composição mal representada.

 

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