Para que serve a poesia? Para responder a essa indagação, a AAMCDA convida para um bate-papo no Centro Cultural

Será no dia 27 (sábado), na véspera do encerramento do 45º Festival de Inverno de Itabira, às 17h, na galeria do Centro Cultural, a realização de uma mesa-redonda promovida pela Associação dos Amigos do Memorial Carlos Drummond de Andrade (AAMCDA), tendo como tema a crônica A educação do Ser Poético, de autoria do poeta itabirano, publicada no Jornal do Brasil, em 20 de julho de 1974.

A crônica inspirou a Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade (FCCDA) na realização do festival de inverno deste ano, que tem como tema Semear… Ser Poético. Com a mesa-redonda, a associação participa pela primeira vez do festival, que vem sendo realizado desde 1974.

“É uma feliz coincidência”, salienta a a presidente da AAMCDA, a médica Cora Maria Furtado de Castro, para quem a realização da mesa-redonda é resultado de um trabalho de apoio às instituições culturais em favor da preservação e projeção da obra do poeta e cronista itabirano. “Será uma conversa lúdica que faremos, enfatizando a noção de que o ato de aprender pode ser divertido tanto na infância como na idade adulta”, diz a amiga do Memorial CDA.

A tentativa é também de procurar responder a uma pergunta colocada em discussão pelo poeta na crônica: “Por que motivo as crianças, de modo geral, são poetas e, com o tempo, deixam de sê-lo?” Enfim, para que serve a poesia? Quem souber as possíveis respostas, ou tiver ideia de como isso ocorre, não pode deixar de participar da mesa-redonda.

Feliz coincidência

Reunião da Associação dos Amigos do Memorial Carlos Drummond de Andrade: valorização da poesia e da obra drummondiana

Cora de Castro enfatiza o fato de a publicação da crônica, em 1974, coincidir com o início do Festival de Inverno de Itabira. “Essa coincidência tem grande significado”, considera a presidente da AAMCDA, que insiste no convite para que todos que apreciam a literatura e a obra drummondiana participem desse instigante debate.

A proposta é discutir o papel da poesia nesta conjuntura pós-moderna, de realidade líquida e fluída da internet quase em tempo integral, quando tudo que parece ser sólido se desmanchando no ar.

Haverá ainda tempo para a poesia? Respostas a essa e outras indagações na mesa-redonda, no sábado, às 17h, no Centro Cultural.

Segue abaixo a transcrição da crônica para servir como preparação para o debate necessário em torno da poesia e de seu papel na atualidade.

A educação do Ser Poético

Por Carlos Drummond de Andrade

Drummond na Livraria Leonardo da Vinci, no Rio de Janeiro (Foto: Eurico Dantas/Acervo: Cristina Silveira)

Por que motivo as crianças, de modo geral, são poetas e, com o tempo, deixam de sê-lo?

Será a poesia um estado de infância relacionada com a necessidade de jogo, a ausência de conhecimento livresco, a despreocupação com os mandamentos práticos de viver – estado de pureza da mente, em suma?

Acho que é um pouco de tudo isso, se ela encontra expressão cândida na meninice, pode expandir-se pelo tempo afora, conciliada com a experiência, o senso crítico, a consciência estética dos que compõem ou absorvem poesia.

Mas, se o adulto, na maioria dos casos, perde essa comunhão com a poesia, não estará na escola, mais do que em qualquer outra instituição social, o elemento corrosivo do instinto poético da infância, que vai fenecendo, à proporção que o estudo Sistemático se desenvolve, até desaparecer no homem feito e preparado supostamente para a vida?

Receio que sim.

A escola enche o menino de matemática, de geografia, de linguagem, sem, via de regra, fazê-lo através da poesia da matemática, da geografia, da linguagem.

A escola não repara em seu ser poético, não o atende em sua capacidade de viver poeticamente o conhecimento e o mundo.

Sei que se consome poesia nas salas de aula, que se decoram versos e se estimulam pequenas declamadoras, mas será isso cultivar o núcleo poético da pessoa humana?

Oh, afastem, por favor, a suspeita de que estou acalentando a intenção criminosa de formar milhões de poetinhas nos bancos da escola maternal e do curso primário.

Não pretendo nada disto, e acho mesmo que o uso da escrita poética na idade adulta costuma degenerar em abuso que nada tem a ver com a poesia.

Fazem-se demasiados versos vazios daquela centelha que distingue uma linha de poesia, de uma linha de prosa, ambas preenchidas com palavras da mesma língua, da mesma época, do mesmo grupo cultural, mas tão diferentes.

Se há inflação de poetas significantes, faltam amadores de poesia – e amar a poesia é forma de praticá-la, recriando-a.

O que eu pediria à escola, se não me faltassem luzes pedagógicas, era considerar a poesia como primeira visão direta das coisas e, depois, como veículo de informação prática e teórica, preservando em cada aluno o fundo mágico, lúdico, intuitivo e criativo, que se identifica basicamente com a sensibilidade poética.

Não seria talvez despropositado cuidar de uma extensão poética das escolinhas de arte, esta ideia maravilhosa que Augusto Rodrigues tirou de sua formação humana de artista para a realidade brasileira.

Longe de ser uma fábrica alarmante de versejadores infantis, essa extensão, curso ou atividade autônoma, ou que nome lhe coubesse, daria à criança condições de expressar sua maneira de ver e curtir a relação poética entre o ser e as coisas. Projeto de educação para a poesia (fala-se hoje em educação artística no ensino médio, quando o mais razoável seria dizer educação pela arte).

A vocação poética teria aí uma largada franca, as experiências criativas gozariam de clima favorável sem que tal importasse na obrigação de alcançar resultados concretos mensuráveis em nível escolar.

Sei de casos em que um engenheiro, por exemplo, aos 30, 40 anos, descobre a existência da poesia…

Não poderia tê-la descoberto mais cedo, encontrando-a em si mesmo, quando ela se manifestava em brinquedos, improvisações aparentemente absurdas, rabiscos, achados verbais, exclamações, gestos gratuitos?

Alguma coisa que se bolasse nesse sentido, no campo da Educação, valeria como corretivo prévio da aridez com que se costuma transcrever os destinos profissionais, murados na especialização, na ignorância do prazer estético, na tristeza de encarar a vida como dever pontilhado de tédio.

E a arte, como a educação e tudo o mais, que fim mais alto pode ter em mira senão este, de contribuir para a educação do ser humano à vida, o que, numa palavra, se chama felicidade?

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