Os registros civis e a Igreja Católica: abertura dos arquivos já

Foto: acervo Mauro Moura

No destaque, fazenda Santa Cruz, propriedade de Joaquim Martins da Costa Cruz e Anna Joaquina Martins da Costa, com filhos e agregados

Mauro Andrade Moura

Os registros civis gerais iniciaram-se em Portugal e suas colônias a partir de 1496, no reinado de Dom Manoel I, mas efetivamente foi efetivado em 1536, no reinado de seu filho João III.

Os registros gerais de Espanha e suas colônias eu presumo que foram iniciados em 1492 no reinado dos reis católicos.

Antes, somente existia algum registro das famílias mais abastadas e as que compunham as Cortes, por questões sucessórias e de heranças.

Os registros civis de nascimento, casamento e óbito, estiveram por conta da Igreja Católica até a declaração da República, em 1889 no Brasil, e em Portugal até 1911, com a declaração da República lá.

Entretanto, há pouco mais de uma década, ou duas, todos os registros civis que estavam sob a tutela da Igreja Católica em Portugal foram transferidos para os cuidados dos Arquivos Históricos locais ou de algumas Câmaras (Prefeituras) municipais.

E foram digitalizadas e disponibilizadas na rede internacional de informática e estão disponíveis a todos cidadãos que queiram fazer os levantamentos dos nomes de seus antepassados com informação precisa.

Já no Brasil

Registro de casamento de Joaquim da Costa Lage (Major Lage) e Maria Antonia Cândida de Jesus em 1808, extraído dos livros de Santa Bárbara guardados no Arquivo Histórico da Cúria Diocesana e disponibilizado na internet pelo portal de genealogia Family Search (Pesquisa: Mauro Moura)

Na contramão da informação geral, no Brasil os registros civis gerais até o ano de 1889, chamados de registros paroquiais, continuam sob a tutela das Paróquias locais da Igreja Católica, uns bem guardados e organizados, enquanto outros nem tanto.

Com muitos brasileiros tendo direito à cidadania portuguesa, espanhola e italiana, nos últimos anos tem ocorrido aumento de buscas e pesquisas por esses documentos mais antigos.

Mas infelizmente, muitas vezes não são encontrados principalmente por perdas de livros por motivo de incêndio, traça, cupim, letras esmaecidas pelo tempo decorrido – e também porque o papel já não suporta manuseio, com risco de destruição e perda total.

Das Dioceses e Arquidioceses de Minas Gerais, várias delas já autorizaram o sistema informático Family Search a digitalizar todos os livros de nascimento, casamento e óbito. Nesses casos, já estão disponibilizados na rede internacional de informática. Para acessar, basta ter tempo para a difícil leitura e conseguir compreender a caligrafia a “bico de pena”.

Mas também infelizmente, as dioceses de Itabira, Diamantina e Guanhães que não providenciaram a digitalização dos livros paroquiais, que muito menos foram disponibilizados para consultas eletrônicas.

Pior ainda e por algum abuso de autoridade, ainda vigente de um tempo muito já passado, entendendo que os bispos têm a condição de autoridades religiosas, andam dizendo ou noticiando que por restrições fundamentadas na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) – e por determinação da Confederação Nacional dos Bispos Brasileiros (CNBB).

Dizem que os livros paroquiais só poderão ser lidos ou pesquisados por historiadores. Isso mesmo assim sem fundamentar muito o porquê dessa restrição, mas sustentando que a pesquisa deve ser referenciada por uma Universidade, ou ainda, que só poderá ser feita por funcionários das paroquias e ou das dioceses.

Será que esses funcionários designados pelas paróquias e dioceses darão conta de tanto serviço de pesquisa? Será destinado um funcionário que cuide da pesquisa exclusivamente?

Estado laico ou religioso?

Os responsáveis da CNBB, das dioceses e paróquias locais ainda não perceberam, e muito menos procuram entender, que esses livros paroquiais tratam de registros civis.

Portanto, dioceses e paróquias não são proprietárias dos livros, mas sim tutoras. E pecam ao não dar o devido tratamento à conservação desse acervo histórico e importantíssimo para ajudar na compreensão da história de nosso povo e de nossa terra.

Esse é um tema que precisa entrar na pauta de discussão do Congresso Nacional, até mesmo para que seja decretada a expropriação desses livros das dioceses e paróquias e transferidos para os Arquivos Históricos.

Foi o que fez Portugal, democratizando o acesso a essa informação, franqueada também a todos que sintam necessidade de aprofundar na pesquisa genealógica familiar, pleitear nova cidadania ou preservar algum direito sucessório.

Enquanto no Brasil não se faz a necessária transferência de todo o acervo de registros civis, o cidadão que se sentir cerceado em seu direito constitucional à informação por essa “lei” da CNBB, o caminho mais rápido é entrar com pedido habeas data contra a diocese e ou paróquia que estiver impedindo o acesso nas comarcas onde estiver o objeto de pesquisa.

Ou se isso não for possível, dadas as condições especiais de manuseio, que indiquem de imediato quem possa fazer essa pesquisa. Para aqueles documentos que não há restrição de manuseio, que permita o imediato acesso.

Isso deve ocorrer enquanto a modernidade (não estou falando ainda aqui de pós-modernidade) não chegue a essas dioceses e paróquias, quando deve ser disponibilizado todo acervo digitalizado na rede internacional de informática, vulgo internet.

Para saber mais

Quem se interessar em saber mais sobre os Arquivos Históricos da Província de Minas Gerais, faça essa viagem acessando aqui:

https://viladeutopia.com.br/viagem-a-provincia-de-minas-pelos-arquivos-historicos-das-gerais/

 

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13 Comentários

  1. Um excelente tema abordado aqui, Mauro!
    É de grande interesse aos pesquisadores, de modo geral, principalmente àqueles independentes, que não estão vinculados a nenhuma Universidade.
    Sabemos que os Bispos são dotados de poder normativo, pelo Direito Canônico, para decidirem sobre os documentos e arquivos eclesiásticos. E por isso é tão importante rogarmos à sensibilidade de alguns deles, como o Bispo da Diocese de Itabira, para a necessidade de permitir a digitalização dos registros vitais eclesiásticos, históricos, e disponibilizá-los gratuitamente na internet.
    Há formas de se fazer isso, sem nenhum custo para a Diocese, por meio da maior plataforma de genealogia do mundo, a Family Search, como você comentou. Realmente, várias outras Dioceses já o fizeram, dando-nos um grande exemplo de tolerância religiosa, uma vez que a referida plataforma foi criada por uma igreja que se poderia dizer protestante, muito embora ela não se declare dessa maneira, apresentando-se apenas como uma igreja cristã.
    Seja lá como for, o que fica para todos nós, fiéis ou não da Igreja Católica Apostólica Romana, é a grandeza do gesto desses Bispos que abriram esses arquivos históricos das suas paróquias, para pesquisa digital e universal.
    A universalidade do acesso, via internet, é uma forma democrática e inclusiva, que permite, indistintamente, que todos os interessados possam fazer suas pesquisas, não favorecendo apenas as pesquisas acadêmicas, que geralmente são arquivadas em bibliotecas universitárias, regionais, com acesso limitado ao público.
    O que está em questão aqui é a pesquisa genealógica em arquivos históricos, sem nenhum comprometimento decorrente da exposição de dados sensíveis das pessoas, primeiramente porque são registros muito antigos, e depois porque os dados nem são fáceis de serem identificados, quer pela caligrafia antiga, quer pelo costume dos párocos antigos de escrever os nomes abreviados, ou apenas o prenome dos fiéis registrados nos livros.
    Ao abrir os seus arquivos históricos de batismo, casamento e óbito, em formato digital e disponível ao público, pela internet, a Igreja Católica reforça a importância que ela dá a esses arquivos, não só por força da instrução normativa canônica, mas também pela prática dos seus fundamentos cristãos de valorização das famílias, de suas histórias, e de se fazer o bem à sociedade.
    Seria possível esperar que algum atendente das paróquias, ainda que designado especialmente para atender os pedidos de pesquisa no arquivo e, posteriormente, os de emissão de certidão, teria condição de atender essa crescente demanda, a contento?
    O que seria melhor para manutenção desses antigos livros de registros vitais eclesiásticos, aumentar as restrições à pesquisa, ou trata-los devidamente, organiza-los e digitaliza-los?

  2. Muito bem posto, Heloísa Helena.
    Interessante saber que algumas paróquias, a exemplo as de Antônio Dias e do Pilar em Ouro Preto além da Diocese de Itabira, tratam esses livros ditos paroquiais como propriedades deles, embora os tais possuem registros de pessoas, portanto os registros são civis.
    Ademais e por analogia é que a CNBB quer aplicar essa lei de de proteção de dados que os Tribunais de Justiças determinaram aos Cartórios Civis no Brasil, portanto, já é um princípio de reconhecimento tácito por parte deste Conselho da Igreja Católica de que esses registros são civis.
    Outro fato interessante, porém triste, é que Dom Marco Aurélio Gubiotti Bispo da Diocese de Itabira consentiu-me a fotografar todos os livros já pensando como meio de preservação dos mesmos, porém a resolução final é de um colegiado daquela Diocese e o voto dele é somente um voto e, pelo que parece, foi vencido.
    Grato pela leitura e comentário,
    Mauro

  3. Oi Mauro,
    Seu sobrenome Moura é de origem sefardita? Tenho muitas incógnitas na origem da minha família e gostaria de saber a origem desse nome nos brasileiros. Agradeço muito se puder me responder.
    E agradeço seu texto.

    1. Então, Maria Facco.

      Meu Moura é oriundo da região dO Porto e é mesmo sefaradita e foi aportuguesamento do nome familiar sefaradita Mohr.
      O detalhe é que o primeiro Moura chegou aqui em 1818 e foi direto para Itabira e por lá ficou.

      Grato pela leitura,
      Mauro

  4. A prioridade da Igreja é a salvação das almas. Seu dever é evangelizar, ministrar os sacramentos, cuidar dos pobres. Cristo não instituiu a Igreja para guardar registros vitais de antepassados. Portanto, seria de se esperar que ela delegasse essa tarefa a outros órgãos ou instituições que teriam essa responsabilidade. É completamente sem sentido essa possessividade das dioceses com esses registros. No entanto, quando se verifica que em algumas dioceses cobram para fazer só a busca de registros, talvez se encontre uma explicação para essa atitude… E que contraste então observamos com a igreja dos mórmons, que disponibiliza tudo digital e gratuitamente!

    1. Então, Rafael.

      Você tem toda a razão e no passado a Igreja Católica se pôs disponível aos registros civis por seus dogmas e depois passou a cobrar das pessoas que continuassem a fazer estes registros em seus termos.
      Agora está aí plantado o problema, algumas Dioceses e Paróquias estão se preparando para travar as pesquisas nos livros, os quais não são delas, bem como cobram para emitirem certidões.
      Passou da hora de o governo brasileiro em geral (inclua aí estados e municípios) em recolher estes livros que estão sem os devidos cuidados e que franquiem a leitura dos mesmos por todos.

      Grato pela leitura e comentário,
      Mauro

  5. Complicado de Mais , sou historiador e engatinhado na genealogia ainda , já entrei na roda de bobinho destas instituições que já tem a resposta na ponta da língua para dizer : não estão aqui …..

    1. Olá, Sinval.

      Já aconteceu comigo isto diversas vezes de dizerem não estar aqui o registro, tanto em Paróquias quanto em Cartórios Civis.
      Genealogia sem pesquisa nos livros antigos não existe em lugar nenhum do mundo.
      A luta continua!

      Grato pela leitura e comentário,
      Mauro

  6. Mauro, excelente publicação. Espero que chegue nas esferas que precisam conscientizar sobre a necessidade de dar acesso a informação. É um absurdo não dar acesso aos genealogistas, que dependem de dados para realizarem seus trabalhos.
    Acredito que você seja o único genealogista a se manifestar publicamente sobre esse assunto. Ainda não vi nenhuma outra publicação por parte de genealogistas.

    1. Olá, prezada Marilza.

      Continuamos tentando sensibilizar as autoridades eclesiásticas a digitalizar pelo menos os livros de batismo, casamento e óbito, pois sabemos que nas Cúrias de Mariana e Diamantina existe muito mais documentos que estes livros.
      E, infelizmente, constatado está, pelo visto sou o único a manifestar publicamente a respeito da digitalização e disponibilização em sítios eletrônicos.
      Grato pela leitura e comentário,
      Mauro

  7. Mauro, parabéns por suas palavras, e as faço minhas também. Tendo o serviço de registro civil se iniciado em 1889, ou nos anos seguintes em alguns lugares, todos os registros de batismo (várias vezes com informações de lugar e data do nascimento), matrimônio e óbito ficaram a cargo da igreja até então. Por essa razão, é de suma importância o governo brasileiro entrar em acordo com as autoridades eclesiásticas para disponibilização desses livros como de domínio público, ou com ajuda financeira para concretizar isso ou repassando esses livros aos arquivos públicos, pois tratam-se de informações de interesse histórico nacional. A Constituição de 1824 (que vigorou até a Constituição de 1891) instituiu o catolicismo como religião oficial do Estado brasileiro, portanto o governo brasileiro também tem obrigações com esses livros. E literalmente todas as pessoas citadas nesses livros já faleceram. Seria ótima a disponibilização pública desses livros, por indexação ou, se possível, digitalização, ajudando a todos nós encontrarmos informações de nossos antepassados, ajudando a montarmos a história de nossas famílias. Essa não é uma atividade que deva ser reservada somente aos historiadores e às universidades, pois trata-se primordialmente de interesse de cada pessoa em saber informações sobre seus antepassados. Nem sempre, ou na maioria das vezes, o interesse de historiadores e universidades irão coincidir com os interesses de particulares em conhecer suas origens pela análise das informações de seus antepassados. Acontece o contrário, muitas vezes por iniciativa de particulares, se desperta o interesse de historiadores e universidades por determinadas biografias.

    1. Olá, Antônio Eurico.

      Sempre digo aos responsáveis destes arquivos que, por se tratar de registros civis, portanto, os mesmos devem ser disponibilizados ao público interessado e não somente a historiadores e universidades, pois assim limita e muito a pesquisa genealógica de vários interessados e muito deles sem recursos para bancar historiadores dedicados às pesquisas.
      E, como bem deve saber, esses livros paroquiais não pertencem à Igreja Católica, esta instituição religiosa é uma tutora dos mesmos, sendo que afirmo sempre que os mesmos devem ser transferidos a Arquivos Históricos Públicos ou que as Cúrias das Dioceses criem um arquivo histórico específico, a exemplo cito o de Mariana instituído ainda em 1968 e que tão bem recebe a todos os interessados nas pesquisas familiares e genealógicas.

      Grato pela leitura e comentário,
      Mauro

  8. Não consigo encontrar registros de casamento paroquiais entre anos 1880 a 1886 na região de SANTA TERESA – Comarca de Cachoeiro de Santa Leopoldina – Estado do Espírito Santo. E não conta nada de informação nas Cúrias de Colatina ou Vitória se foram incendiados ou perdidos. O cidadão comum fica totalmente perdido sem saber onde buscar.

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