Os lábios fechados
Imagem: Eurekablindhotland (1970-75, Cildo Meireles, do Brasil (Rio)
Carlos Drummond de Andrade
Uma frase que não acabou…
Parece que comecei a dizer uma frase, parece que ia revelar qualquer coisa… Que coisa era essa, e que frase foi essa?
Minha boca se fechou; pronunciava uma frase, e bruscamente se fechou. Por que se fechou a minha boca? Por que não concluiu essa frase?
Em torno a mim, há ouvidos irônicos escutando; e esses ouvidos querem escutar até o fim. E por que desejarão escutar até o fim, se eu nada mais lhes poderei dizer?
Uma frase começou a ser dita… Uma frase somente, uma frase banal. Ou talvez uma frase definitiva, que viria explicar todos os mistérios da terra; e, todavia, os mistérios continuam, e a frase não acabou.
Uma frase que não acabou…
E para que acabar? Deveria acaso ser dita? Qual a frase que eu deveria dizer? Quem sabe se eu deveria calar-me…
Mas, já tenho os lábios abertos, e a fala regressa… Estava dizendo uma frase; interrompi-a, porém, agora, farei outras. Vou dizer as frases vulgares de todo dia… as palavras de todo mundo, poeira anônima do espírito… Ouvidos irônicos me escutam. Que importa que a frase não acabasse? Eu sou como os outros, e tenho os lábios abertos à vulgaridade…
[Para Todos (RJ), 1923. Hemeroteca da BN-Rio – Pesquisa: Cristina Silveira]