Os excluídos lutam pela verdadeira independência do Brasil: um grito pela soberania nacional
Leonardo Ferreira*
O dia 7 de setembro possui uma importância histórica para o Brasil. Trata-se do dia da proclamação da Independência do nosso território do domínio colonial português, que ocorreu às margens do rio Ipiranga em 1822, decretada pelo filho do próprio imperador português, Dom Pedro I, na presença dos seus ilustres apoiadores.
Nessa data comemorativa ocorrem desfiles cívicos em muitas cidades brasileiras, muitas vezes protagonizados por militares, com a presença de ilustres governantes. Tal como ocorreu na proclamação, a população apenas assiste com deslumbre o ocorrido.
Uma das consequências da independência promovida pela própria família real, sem qualquer participação do povo, é a apatia da maioria das pessoas sobre este evento. Afinal, para muitos, a data não passa de apenas mais um feriado – um alívio na semana intensa de trabalho.
Essa reação, aparentemente pouco patriótica, pode ser explicada pelo fato de ter como resultado uma independência que, na prática, não tirou o país da condição de colônia. Apenas promoveu a troca dos colonizadores, na época saiu Portugal e entrou a Inglaterra.
Hoje, ainda continuamos em uma situação de dependência econômica e cultural, mas tendo os Estados Unidos como grande colonizador do território latino-americano, sempre apoiados pela nossa elite, nada nacional.
Nesse contexto, surge em 1995 o Grito dos Excluídos, manifestação criada como um desdobramento da Campanha da Fraternidade, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que usa a data do 7 de setembro para denunciar a exclusão social do povo brasileiro – e também para refletir e lutar por uma verdadeira Soberania Nacional.
Essa iniciativa parte das Comunidades Eclesiais de Base (Cebs), que interpretam a bíblia e fundamentam sua fé na Teologia da Libertação, filosofia duramente perseguida em diversos momentos, como na ditadura militar de 1964. E que, ainda hoje é pouco valorizada, mesmo dentro da Igreja, apesar da sua importância na busca pela melhoria das condições de vida do povo oprimido.
Nessa data, com uma forte crítica à situação precária em que vive a população brasileira, várias pastorais sociais da Igreja Católica, grupos organizados de outras religiões, sindicatos e movimentos sociais se unem em passeatas por diversas cidades, cada ano com um tema diferente e atual.
Em 2018 as palavras de ordem foram A vida em primeiro lugar e Desigualdade gera violência: basta de privilégios, como uma denúncia ao momento histórico que vivemos, quando as elites econômicas e políticas usam de todos artifícios legais ou ilegais para manter os seus privilégios, aumentando o abismo que separa os 1% mais ricos dos 99% da população que vive do suor do seu trabalho.
Fim da mineração e desemprego em Itabira
A cidade de Itabira não ficou de fora desse movimento. No dia 6 de setembro foi convocada uma roda de conversa na praça Acrísio para discutir os motivos que nos levariam a participar do Grito dos Excluídos, além de fazer um chamado à população itabirana para participar do debate e da manifestação.
Um microfone aberto foi disponibilizado para as pessoas fazerem pronunciamentos que trataram de temas nacionais, como a necessidade de democratização da mídia. Como não poderia deixar de ser, houve também pronunciamentos sobre as eleições, com todos ressaltando a necessidade de se escolher candidatos que não apoiam a retirada de direitos sociais, como as reformas trabalhista, da Previdência e a PEC 55 – que congela investimentos públicos em educação, segurança e saúde por 20 anos.
Também foram debatidas questões locais, como o fim do minério em Itabira, o que vai agravar a situação de desemprego que já é crítica na cidade. A conclusão dos manifestantes foi que a resposta a esse problema não pode ser dada pela Vale ou por governantes que pouco conhecem das demandas populares. É preciso deflagrar um amplo debate, com participação popular, em todo município, onde já existem várias iniciativas produtivas importantes, mas desvalorizadas, como a agricultura familiar.
Muitos participantes ressaltaram também a questão da violência, assim como o preconceito estrutural grave da nossa sociedade, como a invisibilidade e medo que as pessoas LGBTQ vivem no país que mais mata homossexuais no planeta.
Também foi colocado na roda o problema da violência contra a mulher, que recebe um salário menor que o dos homens – e ainda pode ser vítima de agressões dentro e fora de casa.
Participaram dessa roda de conversa representantes das pastorais sociais, sindicatos e movimentos sociais de Itabira. Entretanto, mesmo sendo abordados temas de interesse popular, o público não passou de 30 pessoas entre os que permaneceram do início ao fim e que se interessaram pelo evento durante a passagem pela praça.
Ainda assim foi possível organizar um ônibus para a marcha do Grito dos Excluídos, realizado no dia seguinte, em João Monlevade, onde estiveram presentes manifestantes de toda a região de Itabira e do Vale do Aço.
O grito em João Monlevade
No dia 7 de setembro a concentração para a marcha estava prevista para a escola municipal Israel Pinheiro, em João Monlevade. Porém, como a prefeitura não cedeu o espaço com a justificativa que iria utilizá-lo como ponto de apoio para o desfile da independência, mais uma vez o povo foi colocado de lado.
Com o esforço dos organizadores do Grito dos Excluídos, foi negociado com a reitoria da UFOP o uso do campus avançado, que fica na periferia da cidade. Nesse local os manifestantes das paróquias da região foram acolhidos com um café da manhã e receberam orientações sobre como se daria a marcha, em um ambiente agitado por gritos de ordem, bandeiras e músicas, numa alegre recepção dos manifestantes que chegavam de várias cidades da região.
Às 9 horas da manhã a marcha do Grito dos Excluídos começou a tomar as ruas de João Monlevade com centenas de manifestantes – mulheres e homens de todas idades. Alguns empunhavam cruzes onde estavam escritas denúncias e demandas populares, enquanto outros carregavam cartazes com o tema Desigualdade gera violência: basta de privilégios, ou trechos de orações.
Um carro de som puxava a comitiva, ajudando a informar a população da cidade sobre os motivos que nos levavam a ocupar uma das vias da Avenida Armando Fajardo. Por meio desse equipamento, representantes dos três vicariatos da região se pronunciaram sobre os temas debatidos nas rodas de conversa de preparação.
Os manifestantes recitaram poemas, cantando músicas e proferindo críticas duras aos privilégios de uns poucos que prejudicam a tantos. A manipulação da mídia foi um dos temas mais denunciados, com os manifestantes destacando a necessidade de democratizar os meios de comunicação, reforçando a importância da resistência promovida pelas mídias alternativas.
A voz da juventude, das mulheres, dos negros e negras foram priorizadas. Foram dadas ênfases ao questionamento sobre os privilégios de políticos, juízes e grandes empresários, enquanto essas minorias sofrem com o preconceito e a opressão.
Também foi colocada a necessidade de apresentar propostas – e não apenas denunciar os problemas enfrentados, buscando a redução da desigualdade social, com a promoção da soberania nacional que somente será efetiva com uma reforma agrária ampla e democrática – valorizando a agricultura familiar e camponesa.
E, também, com uma reforma urbana que assegure moradia digna para todos, transporte público de qualidade e educação popular. Foi ressaltada ainda a necessidade de se promover uma reforma tributária, para que os impostos sejam pagos pelos lucros, fortunas e heranças dos ricos – e não pelos pobres, como ocorre nos dias de hoje.
Viva o povo brasileiro em uma pátria verdadeiramente livre e soberana
O clima durante toda a manifestação foi de alegria e solidariedade entre os manifestantes. Foi recorrente o apoio de muitos motoristas por meio de toques na buzina e de moradores com saudações fraternas.
Um grupo de percussionistas agitava os manifestantes, com referências à religiosidade do povo eram constantemente feitas através de orações e louvações. Um carro de apoio com uma caixa d’água gelada matava a sede dos manifestantes.
Num determinado momento do trajeto, foi organizada uma ciranda com todos de mãos dadas, enquanto os músicos da Pastoral da Juventude, no carro de som, entoavam músicas como Negro Nagô, Canto das três raças, entre outras da cultura popular.
O ápice do Grito dos Excluídos se deu quando a marcha chegou à BR-381. Com apoio da Polícia Rodoviária Federal, os manifestantes pararam o trânsito em uma das vias por cerca de 30 minutos, ocasião em quee tiveram a oportunidade de explicar para a população a necessidade de lutar contra os privilégios das elites.
A gravidade do momento político que o país vive exige que nossas ações chamem a atenção das autoridades – que naquele momento estavam no desfile cívico do 7 de setembro no centro da cidade.
Ou seja, que cada vez mais pessoas estejam cientes da necessidade de unir para defender uma verdadeira independência do Brasil.
Que sejamos independentes da nossa elite, pois essa não tem a menor intenção de ver um país menos desigual, o que afetaria seus privilégios e luxos.
Que sejamos independentes dos nossos preconceitos e a diversidade do nosso povo possa ser celebrada diariamente.
E que, finalmente, sejamos livres dos ditames coloniais de outras nações e empresas multinacionais, que se importam apenas em explorar nossos recursos naturais e o nosso trabalho, nos mantendo submissos e pobres. Pátria Livre! Viva o Grito dos Excluídos! Viva o povo brasileiro!
* Leonardo Ferreira é militante das Brigadas Populares Itabira