O riso que divide: a falsa revolução das redes sociais, o humor entre a crítica social e o preconceito
O humorista Leo Lins é condenado a oito anos e três meses de prisão por comentários considerados discriminatórios, feitos em uma apresentação de 2022 e exibida no YouTube
Foto: Reprodução/ Rede Social
Por Valdecir Diniz Oliveira*
As redes sociais surgiram com uma promessa sedutora: democratizar a fala, dar palco a vozes antes marginalizadas e romper com os monopólios da mídia tradicional.
No entanto, como aponta o economista Michael França, na Folha de S.Paulo, essa revolução rapidamente se converteu em um teatro de aparências. O conteúdo foi suprimido pela estética da performance, e a profundidade deu lugar a fórmulas rasas de engajamento.
Nesse cenário, influenciadores digitais e humoristas de stand-up comedy emergem não por sua capacidade de reflexão, mas pela habilidade de transformar preconceitos em produto rentável.
O caso do humorista Leo Lins é um exemplo emblemático: condenado a oito anos e três meses de prisão, além de multa e indenização milionária, por piadas discriminatórias que zombavam de negros, pessoas com deficiência, nordestinos, judeus e LGBTQIA+.
Seu show, Perturbador, alcançou milhões de espectadores antes de ser removido das redes sociais por ordem judicial.
O mais alarmante não é apenas o conteúdo das piadas, mas quem ri delas. Muitos sequer percebem que são o alvo do humor que consomem, rindo de si mesmos, de suas famílias e comunidades, legitimando a exclusão em um espetáculo que oprime sob a justificativa do entretenimento.
O humor como ferramenta de libertação ou opressão
A história do riso como arma política não é nova. Em O Nome da Rosa, Umberto Eco nos transporta a um mosteiro medieval onde um livro proibido – a segunda parte perdida da Poética de Aristóteles, que tratava do riso – é envenenado por um monge fanático.
Seu objetivo? Impedir que o conhecimento sobre o humor como força subversiva se espalhasse. Quem ousava folhear suas páginas morria, intoxicado por um veneno aplicado nas bordas do papel.
Eco compreendia o potencial transformador do riso: o humor que desafia dogmas, que questiona a ordem, que desestabiliza estruturas de poder.
No entanto, hoje enfrentamos um problema inverso: não se busca silenciar o riso que questiona, mas sim amplificar o riso que reforça estigmas. O humor que deveria iluminar virou ferramenta de exclusão, promovendo discursos de ódio disfarçados de entretenimento.
O humor crítico ao redor do mundo
Grandes comediantes da história têm utilizado o riso para questionar opressores e provocar reflexão.
George Carlin (EUA), por exemplo, expôs contradições da política, do consumismo e da hipocrisia religiosa, tornou-se referência na crítica social por meio do humor.
Hannah Gadsby (Austrália), em Nanette, rompeu com o formato tradicional da comédia para denunciar violência e homofobia, revelando vulnerabilidades e promovendo empatia.
Marcelo Adnet (Brasil), com suas sátiras políticas desnuda absurdos do cenário nacional e expõe desigualdades sociais.
Raí Santana e Ivan Santos (Brasil) figuram entre os humoristas baianos que transformam o riso em ferramenta de incentivo à leitura e reflexão social, promovendo inclusão e conhecimento.
Por outro lado, há humoristas que, longe de promover a “liberdade de expressão”, apenas reforçam o preconceito. Quando piadas atacam minorias em vez de desafiar os poderosos, não são sátiras: são discursos de ódio disfarçados de entretenimento.
O riso como escolha ética
A economia da influência privilegia o engajamento acima do conteúdo. Os algoritmos impulsionam polêmicas rasas, a estética da agressão, o espetáculo da validação superficial.
Nesse ambiente, o humor cruel encontra terreno fértil para se disfarçar de irreverência, enquanto o humor crítico é empurrado para os cantos mais marginalizados da mídia.
Se queremos uma sociedade mais justa, precisamos reaprender a rir. Precisamos valorizar o humor que provoca reflexão, que incomoda os opressores, que expõe desigualdades em vez de reforçá-las.
O riso não é neutro, ele pode ser ponte ou muro, cura ou veneno. Porque há gargalhadas que libertam… e há gargalhadas que ferem como lâmina.
*Valdecir Diniz Oliveira é cientista político, jornalista e historiador