O ministro e a jornalista – Que esse 31 de março não seja comemorado, mas jamais esquecido

Ministro-chefe da Secom, Paulo Pimenta

Foto: Valter Campanato/
Agência Brasil

Marina Amaral*

Agência Pública – O ministro-chefe da Secom, Paulo Pimenta, conseguiu piorar a performance da comunicação do governo, uma área sensível e que tem sido incapaz de cumprir o seu papel, que é o de informar a população sobre o que o governo está fazendo. Nesta semana o ministro foi além, ultrapassando um limite que distingue um governo democrático de um governo autoritário: a relação respeitosa com a imprensa.

“Você é jornalista?”, questionou o ministro ao se ver diante de uma pergunta incômoda de Raquel Landim, na CNN. Ela respondeu sem se alterar — é jornalista formada — e depois postou no twitter: “Sou jornalista, sim. Meu papel é fazer as perguntas. O da autoridade pública deveria ser trazer os esclarecimentos”.

Note-se que a pergunta da profissional se referia a uma declaração do presidente da República tão grave quanto nebulosa, já que coloca sob suspeita o trabalho da Polícia Federal, do Ministério Público e da Justiça — a de que as ameaças do PCC contra o ex-juiz e senador Sergio Moro (a quem o presidente continua a tratar como desafeto pessoal) seriam uma “armação”.

Perguntar por que o presidente fez essa afirmação, contrariando o que foi divulgado até agora sobre as ameaças, é claramente de interesse público. A jornalista cumpriu o seu papel, o ministro não.

A atitude da Secom não ajuda em um momento em que o país parece ávido por resultados, enquanto o governo tenta desarmar as minas que Bolsonaro instalou em toda a administração pública, como notou o jornalista Ricardo Kotscho, na sua coluna de terça-feira no Uol.

Se não pode contar com a imprensa para uma cobertura equilibrada sobre as dificuldades que enfrenta também no Congresso, com o Banco Central, com pressões e lobbies de diferentes setores, não melhora nada o governo ferir os princípios democráticos, fundamentais na eleição de Lula.

Ontem, a Abraji divulgou um levantamento sobre agressões contra jornalistas em 2022 que mostra um crescimento de 23% dos ataques em relação a 2021, em curva ascendente desde 2019 — e também o aumento de casos graves de agressão. A modalidade mais comum de ataque — os discursos estigmatizantes — teve o envolvimento direto da família Bolsonaro em 41,6% dos casos.

Durante a campanha eleitoral — o período mais violento, segundo os dados — Jair Bolsonaro liderou o ranking de ataques, participando de mais da metade dos casos. “Não foram identificados discursos estigmatizantes publicados durante o período de campanha nos perfis de Lula, Simone Tebet e José Maria Eymael”, conclui a Abraji.

É essa a linha que não se pode cruzar.

A confusão de postura da comunicação do governo Lula facilita a vida da imprensa que busca ressuscitar Bolsonaro — como mostra a cobertura exagerada da volta pouco festiva do ex-presidente ao Brasil — e estabelecer falsas equivalências entre um governo predador e um governo com espírito público, uma especialidade desde a campanha de 2018.

Se a comparação da imprensa é descabida, o governo não pode escorregar — sobretudo em um país que ainda não superou as feridas de mais de 20 anos de ditadura militar.

Que esse 31 de março não seja comemorado, mas jamais esquecido.

Democracia, sempre!

*Marina Amaral é diretora executiva da Agência Pública

marina@apublica.org

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