O mercado de trabalho no fundo do poço no Brasil

Por José Eustáquio Diniz Alves

O trabalho é a fonte da riqueza das nações”
Adam Smith em “A Riqueza das Nações” (1776)

[EcoDebate] O desempenho do mercado de trabalho formal na década de 2011-20 foi decepcionante. Em 2020, houve criação de 142.690 vagas de trabalho no Brasil, segundo os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho (SEPRT) do Ministério da Economia.

No ano passado, houve redução do emprego formal em 6 meses e aumento nos outros 6 meses. Na década houve estagnação do emprego formal.

variação mensal do emprego formal no Brasil

O estoque de emprego formal que era de 40,7 milhões de postos em dezembro de 2014 caiu para 38,95 milhões em dezembro de 2020, uma redução de quase 2 milhões de vagas em 6 anos.

Emprego formal no Brasil, 2010 a 2020

A primeira década do século XXI foi a melhor na criação de emprego formal, pois o montante de vagas passou de cerca de 22 milhões postos em 2001 para 35 milhões de postos em 2010.

Mas a década de 2011-20 foi a pior em termos de geração de emprego formal, pois o estoque de vagas estava em 37,96 milhões de postos em dezembro de 2011 – representando 19,3% da população total – e em dezembro de 2020 passou para 38,95 milhões de postos – representando 18,4% da população total.

Portanto, o último decênio foi uma década perdida, pois a percentagem de emprego formal diminuiu. Em 2020, enquanto o Brasil criou 142,7 mil empregos formais, o estado do Rio de Janeiro perdeu 127,2 mil postos formais de trabalho.

população e emprego formal no Brasil: 2011-2020

O trabalho é um direito e também a fonte de riqueza da nação. A Constituição Brasileira e os acordos internacionais do país estão sendo desrespeitados.

O Art. 23º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, diz: “Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego. Todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho igual”.

Assim, o desemprego em massa é um fenômeno que agride os direitos humanos e também compromete o desenvolvimento das nações. Como mostrou Adam Smith, na primeira frase do seu famoso livro “A Riqueza das Nações”, de 1776:

“O trabalho anual de cada nação constitui o fundo que originalmente lhe fornece todos os bens necessários e os confortos materiais que consome anualmente”. Ou seja, uma política de emprego atende ao direito humano de todos os habitantes, como cria a possibilidade de maior riqueza nacional e maior bem-estar para todos.

Mas o problema vai além do mercado formal. Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), do IBGE, mostram que, no trimestre set-out-nov, a população ocupada (PO) foi de 92,2 milhões de trabalhadores em 2014, subiu para 94,4 milhões em 2019 e caiu para 85,6 milhões em 2020.

O desemprego que estava em 6,4 milhões em 2014, subiu para 11,9 milhões em 2019 e para 14 milhões em 2020. A população ocupada no trimestre set-out-nov de 2020 representou menos da metade da população em idade ativa (PIA) e representou somente 40,5% da população total (PT), conforme a tabela abaixo.

Ou seja, o Brasil tem cerca de 60% dos seus habitantes sem uma ocupação efetiva. Para efeito de comparação, a China e o Vietnã avançaram na qualidade de vida de seus cidadãos na medida em que conseguiram manter um índice perto de 60% da população total ocupada.

população total, população em idade ativa e população ocupada no Brasil

Indubitavelmente, o Brasil está desperdiçando os melhores momentos do “bônus demográfico”, que é uma janela de oportunidade única para a decolagem do desenvolvimento socioeconômico de qualquer país.

Não existe nenhuma nação com altíssimo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) que não tenha aproveitado as oportunidades de uma baixa razão de dependência demográfica, antes do envelhecimento da estrutura etária.

O trabalho é um fator essencial do desenvolvimento. Não existe sociedade sem trabalho e é uma ilusão pensar que os robôs possam substituir a trabalhador e a geração da mais-valia, como mostrei no artigo “Os países mais avançados no uso de robôs são os com menor desemprego” (Alves, 18/09/2018).

Segundo Branko Milanović (IHU, 29/01/2021):

“A pandemia acelerará a globalização no segundo fator de produção: o trabalho. É provável que a Covid-19 nos faça avançar quase uma década na consciência das possibilidades de dissociar o trabalho da presença física no local de trabalho. Isso não afetará apenas as pessoas que trabalham em casa, mas a mudança será muito mais profunda. Um novo mercado de trabalho global virá à luz sem a necessidade de migração”.

Para complicar ainda mais o quadro acima, o IBGE indica que a taxa de informalidade chegou a 39,1% da população ocupada (ou 33,5 milhões de trabalhadores informais).

Junto a isto, o Brasil pode estar jogando fora o seu futuro, pois a taxa composta de subutilização da força de trabalho (que mede o percentual de pessoas desocupadas, sub-ocupadas por insuficiência de horas trabalhadas e na força de trabalho potencial) ficou em 29% no ano de 2020, o que significa cerca de 32 milhões de pessoas desempregadas ou subutilizadas. Ou seja, estão fora do potencial produtivo do Brasil cerca 3 vezes toda a população de Portugal.

taxa composta de subutilização - 2012 a 2020 - Brasil

E ao contrário do que muita gente diz, a crise econômica e do mercado de trabalho não ocorreu por falta de gastos. A Secretaria do Tesouro Nacional informou no dia 28/01 que as contas do governo registraram em 2020 um déficit primário recorde de R$ 743,087 bilhões.

E todo este excesso de gastos não teve impacto na formação bruta de capital fixo, pois a taxa de investimentos no Brasil atingiu o menor nível dos últimos 50 anos. Ou seja, mesmo com a Emenda Constitucional nº 95 (Teto de Gastos) o Brasil teve o maior déficit público da história e a dívida pública se aproxima de 100% do PIB.

Existe um consenso amplo de que o Brasil vive uma crise fiscal sem precedentes e pode cair na armadilha da estagflação. O país começou 2021 sem o controle da pandemia, com o Congresso submisso ao Poder Executivo, com desarranjos no preço dos alimentos e nas contas públicas e com a geração de emprego muito aquém do necessário.

Somente com o aumento dos investimentos o país poderá gerar empregos e bens e serviços para garantir a sobrevivência da população. A principal causa desse baixo investimento tem sido a queda não só do investimento privado, mas também do investimento público, que, enquanto nos anos 1970 correspondia a de cerca de 6% do PIB, desde os anos 1980, é inferior a 1,5% do PIB.

O economista André Lara Resende tem feito diversas críticas aos profissionais que têm “apego a um fiscalismo dogmático e a um quantitativismo anacrônico” e tem defendido a perspectiva da moderna teoria monetária (MMT em inglês).

Numa conjuntura de juros baixos, ele defende a emissão de moeda e o aumento do déficit público para elevar as taxas de investimento, tirando o país da recessão e viabilizando uma política de pleno emprego. Mas isto não significa que ele defenda seguir este caminho sem critérios e de maneira irresponsável.

Lara Resende alerta:

“Compreender que o governo não tem restrição financeira não implica compactuar com um Estado inchado, ineficiente e patrimonialista, que perde de vista os interesses do país. Ao contrário, redobra a responsabilidade e a exigência de mecanismos de controle e avaliação sobre a qualidade, os custos e os benefícios, dos serviços e dos investimentos públicos” (08/03/2019).

Na mesma linha de Lara Resende, o ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira escreveu um artigo recente propondo que o Congresso Nacional aprove uma emenda constitucional criando uma agência do Estado para planejar e controlar o investimento público e autorizar o Banco Central a financiá-la em até 3,5% do PIB todos os anos.

Ele diz:

“Somados a 1,5% do PIB de que, em princípio, o Estado já tem financiamento para realizar, teríamos na Lei Orçamentária de cada ano os 5% de investimento público a serem realizados, essencialmente, na infraestrutura. Esses investimentos, realizados essencialmente na infraestrutura, não serão uma concorrência ao setor privado, mas criarão demanda para os investimentos privados.

O crédito ao financiamento público que o Banco Central dará à Agência de Investimentos Públicos não será inflacionário desde que os investimentos não levem a economia para o excesso de demanda.

Para evitar esse perigo, o dispêndio dos recursos será autorizado ou não pelo Conselho Monetário Nacional a cada três meses” (02/12/2020).

Se essa agência garantir uma boa governança do investimento público, possibilitando a expansão do crédito com responsabilidade fiscal, então o Brasil poderia evitar o grande desperdício do potencial da mão de obra brasileira e, no melhor cenário, poderia ter uma recuperação sustentada a partir de 2021.

O Brasil vive o seu melhor momento demográfico, mas tem dilapidado o potencial produtivo da sua população em idade ativa. O trabalho é a fonte de riqueza das nações.

Para o Brasil sair da encruzilhada atual terá realmente que aumentar as taxas de investimento, elevar a produtividade geral dos fatores de produção e garantir emprego e dignidade para as pessoas que querem contribuir com o avanço do país, mas não encontram ocupação.

O que a população brasileira precisa não é de caridade, mas sim de solidariedade orgânica, via inserção efetiva na divisão social do pleno emprego e do trabalho decente.

O ano de 2020 trouxe grande recessão, aumento do déficit e da dívida pública e grande crise no mercado de trabalho, enquanto quase 200 mil pessoas morreram pela covid-19 somente de março a dezembro.

Se o quadro não mudar nos próximos dois anos, o país vai chegar nos 200 anos da Independência com enormes retrocessos e desafios.

Há 80 anos, em 1941, o jornalista austríaco Stefan Zweig publicou o livro “Brasil, País do Futuro”. Nos primeiros 40 anos da obra de Zweig, parecia que o futuro estava cada vez mais perto, pois o Brasil crescia acima da média mundial e avançava de maneira célere no ranking dos indicadores sociais.

Contudo, nos últimos 40 anos, a partir da crise de 1981, o fluxo da evolução virou refluxo. O futuro está ficando cada vez mais distante.

Na última década o país encolheu de forma absoluta e relativa no contexto internacional. O Brasil está se transformando em uma potência submergente

José Eustáquio Diniz Alves é colunista do EcoDebatem doutor em demografia, link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382

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