O limite entre injustiça e dever cívico no serviço militar obrigatório

Foto: Divulgação/
Freepik

Por Wolmer de Almeida Januário*

No dia 26 de fevereiro de 2025, um caso gerou debates e instigou importantes reflexões. Era a história de um jovem empresário, Pablo de Oliveira Lima, que precisou fechar a sua empresa de transportes — única fonte de sustento da sua família — para incorporar ao Exército Brasileiro para fins do serviço militar obrigatório. O pior de tudo? O salário líquido que ele receberá não chega nem a um salário-mínimo com os descontos.

Uma grande parcela dos jovens que chegam aos 18 anos não desejam servir no Exército e essa não é uma novidade. De acordo com dados do Google Trends, no ano passado, a busca pelo termo “fui chamado para servir o exército mas não quero” disparou, com um aumento de 4.350% em um único dia.

Relatos absurdos, vídeos com dicas para não ser convocado e fóruns de discussão que reúnem centenas de jovens em torno dessa preocupação comum são extremamente comuns na internet, refletindo o desespero dos mais novos em relação à obrigatoriedade do serviço.

A questão aqui colocada em discussão não é essa, mas sim o viés por trás daqueles que são efetivamente convocados, visto que a maior parte dos alistados não entram para a instituição por diferentes razões.O caso mencionado foi emblemático e noticiado por grandes veículos, mas ele definitivamente não é o único — na verdade, está bem longe disso.

Nesse contexto, é impossível não refletir sobre a injustiça da obrigatoriedade do serviço militar. E mais: quem, de fato, acaba sendo convocado? Na prática, são sempre os jovens das classes mais humildes. Aqueles que têm melhores condições financeiras encontram alternativas para se livrar do serviço militar, reforçando a ideia de que o “dever de servir” parece não alcançar a todos da mesma forma.

Enquanto isso, os menos favorecidos, que muitas vezes já sustentam suas famílias desde cedo, são obrigados a interromper seus estudos, trabalhos e responsabilidades familiares. Tudo isso para receber uma remuneração insuficiente que mal cobre suas próprias despesas, quanto mais os gastos em casa. É um trabalho que beira condições sub-humanas, com escalas de serviço apertadas que muitas vezes não possibilitam um intervalo de descanso adequado.

As disparidades, no entanto, não param por aí. Quando o tema é o Sistema de Proteção Social das Forças Armadas, a Lei do Serviço Militar, alterada durante o governo Bolsonaro pela Lei nº 13.954, de 2019, passou a permitir que os profissionais possam ser desligados da Força após noventa dias de afastamento para tratamento médico.

O que isso significa? Se os jovens vierem a desenvolver problemas de saúde durante o serviço militar, ou mesmo alguma lesão decorrente de acidente em serviço, eles podem ser desligados durante o processo de recuperação. Em outras palavras, é um descarte que acontece em momento de especial vulnerabilidade do jovem.

Então, onde está realmente a igualdade prevista na Constituição? Será que ela realmente existe quando o assunto é o serviço militar obrigatório?

Servir ao país deveria ser uma escolha e não um peso colocado apenas nos ombros de quem não tem meios de escapar. É preciso repensar esse sistema, trazer à tona o debate sobre a voluntariedade do serviço militar e, acima de tudo, garantir justiça e igualdade de oportunidades.

No fim, devemos efetivamente refletir se o serviço militar obrigatório é mesmo uma questão de patriotismo ou se estamos falando de uma injustiça social mascarada de dever cívico.

Tal atribuição é nobre e pode de fato resultar em carreiras frutíferas dentro do Exército, mas poucos são aqueles que conseguem ascender a patentes militares mais altas e o número se reduz ainda mais quando acrescentamos o componente “voluntariedade” à equação.

Reflitamos, então, sobre novas e diferentes formas de honrar o serviço à pátria sem prejudicar grupos marginalizados da sociedade.

* Wolmer de Almeida Januário é militar reformado do Exército Brasileiro, empresário, advogado e especialista em direito militar. Formado em Direito pela Universidade de Brasília e com uma passagem de 11 anos pelo exército, Wolmer possui mais de 20 anos de experiência no segmento de direito militar, sendo sócio-fundador do escritório multidisciplinar Januário Advocacia.

Posts Similares

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *