O grande erro ao discutir a questão do aborto

Em ato público em São Paulo, mulheres defendem a descriminalização do aborto

Foto: Rovena Rosa/
Agência Brasil

“Caso a criança fruto de estupro venha ao mundo, quem irá custear a pensão alimentícia? O agressor da mãe? E a lei irá garantir ao estuprador, como pai da criança, o direito de visitar o seu filho?

Por Carlos Coruja*

A aprovação do PL (Projeto de Lei) 1.904/2024 da Câmara dos Deputados segue em evidência e gerando cada vez mais debate. Caso a proposição se torne lei, o crime de aborto passa a ser equiparado ao de homicídio. Na prática, as mulheres estupradas que forem vítimas de uma violência sexual irão receber uma pena maior do que a de seus estupradores.

A maior parte das pessoas, inclusive de analistas, tem cometido um erro enorme ao tratarem a questão: analisar a criminalização do aborto a partir das suas crenças pessoais.

Do ponto de vista do impacto que a aprovação da lei deve ter sobre a sociedade, não deveria fazer parte do debate a opinião se a mulher deve ou não cometer o aborto. A verdadeira discussão não é se deveria existir essa deliberalidade. É evidente que é difícil que alguém não tenha uma posição pessoal sobre tal assunto.

O que se deve discutir é se qualquer forma de aborto deve ser criminalizada a partir da 22ª semana de gestação e qual é o impacto de tal medida. Caso o projeto se torne lei, as consequências recairão sobre a vítima de estupro e a criança que virá ao mundo por decisão do Legislativo do nosso país.

E é justamente o Estado que, na prática, não tem competência para cuidar do cidadão. Casos de estupro apenas são uma realidade porque os governos não oferecem proteção suficiente às mulheres. Os estupradores atuam dentro da esfera de uma falha na administração da segurança pública.

Caso o projeto seja aprovado, não restará à cidadã vítima de abuso decidir sobre a sua dignidade e escolher que não venha ao mundo uma criança fruto de uma relação violenta, de um abuso, de uma agressão. Se ela abortar, irá para cadeia.

O que se vê hoje no país são os legisladores brincando com a dignidade da pessoa humana, fora das margens da Constituição Federal, para condenar a mulher que foi estuprada.

A mudança que os deputados desejam instituir no Código Penal leva ainda a outras consequências e questões jurídicas que beiram o absurdo. Caso a criança fruto de estupro venha ao mundo, quem irá custear a pensão alimentícia? O agressor da mãe? E a lei irá garantir ao estuprador, como pai da criança, o direito de visitar o seu filho?

A aprovação do PL 1.904 pela Câmara dos Deputados não apenas ignora as complexidades e consequências sociais do aborto, mas também impõe uma penalização desproporcional às vítimas de violência sexual.

A sociedade ignora impactos sociais sobre a mulher em decorrência de suas crenças pessoais e o problema pode apenas se agravar em meio a uma falha sistêmica na proteção e segurança pública oferecida pelo Estado.

Por fim, é fundamental reavaliar o enfoque dessa legislação e considerar as verdadeiras implicações de sua aprovação, garantindo que a dignidade e os direitos das mulheres sejam realmente protegidos e respeitados.

*Carlos César Coruja Silva é advogado criminalista e sócio do escritório Carlos Coruja Advocacia & Consultoria Jurídica

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