O Brasil é o único país do mundo onde predomina o caminhão em detrimento da ferrovia

Rafael Jasovich*

Com a discussão acirrada na corrida presidencial, não faltam debates nas redes sociais para saber qual candidato é mais preparado para o futuro do nosso país. Porém, muitas vezes o que vemos é um bate-boca que gira em torno de acusações, quando o que deveria ser levado ao debate são as propostas dos presidenciáveis.

Na falta de debate de ideias, a logística do Brasil quase sempre é esquecida na discussão. Não tenho compromisso com nenhum dos dois partidos que polarizam a disputa eleitoral nos últimos anos, mas entendo que é importante discutir mobilidade, e esse tema abrange também o transporte de cargas.

1# – Numa distância de 1 km, um caminhão consome 13 vezes mais energia que um trem para transportar uma tonelada de frete.

2# – Uma via férrea de um único par de trilhos equivale a uma via expressa de 14 pistas paralelas.

3# – Um comboio de 200 vagões transporta tanto quanto 400 carretas rodoviárias.

4# – Acrescentar um único trem de frete à rede equivale a retirar da circulação até 280 caminhões.

5# – Redução dos níveis de poluição do ar, sobretudo quando o transporte ferroviário for movido a energia elétrica.

6# – No caso de locomotivas movidas a diesel, o reservatório tem capacidade para 15’000 litros. A maior parte dos trens pode percorrer mais de 1600 km sem precisar reabastecer.

Rodovias transportam três vezes mais cargas que ferrovias, mas o custo é seis vezes maior.

Segundo consultoria logística, a dependência das estradas aumenta ano a ano no Brasil.

Os protestos de caminhoneiros, no início do mês, paralisaram estradas em mais de dez Estados, comprometendo o transporte e o abastecimento de produtos em algumas cidades do País. Os bloqueios evidenciaram a dependência do Brasil do transporte rodoviário, que cresce a cada ano, apesar de ser seis vezes mais caro que as ferrovias.

Em 2012, 67% da carga transportada pelo Brasil foi movimentada por rodovias (1,064 bilhão de toneladas por quilômetro), enquanto 18% passaram por ferrovias (298 bilhões de toneladas por quilômetro). Os dados são da pesquisa Custos Logísticos no Brasil, divulgada em 2013 pela empresa de consultoria logística Ilos.

Em 2006, as rodovias respondiam por 65% do transporte, enquanto as ferrovias tinham mais de 20%.

Segundo especialistas, a dependência das rodovias é até maior do que os números mostram. “Se você tirar o minério de ferro do total das cargas transportadas [por ferrovias], então o total transportado via caminhão vai para 78%”, diz o economista Josef Barat, ex-diretor da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil).

O Brasil é o único País do mundo onde predomina o caminhão.

Dentre os países com dimensões continentais, o Brasil é o único que decidiu “encurtar as distâncias” por meio das rodovias. Os Estados Unidos, que, sem considerar o Estado do Alaska, é menor do que o Brasil, têm uma malha ferroviária sete vezes maior: são 228 mil km contra 29 mil km no Brasil.

França, Alemanha e Índia, cujas áreas são menores que a do Brasil, também possuem malha ferroviária mais desenvolvida. Hoje, o Brasil tem a mesma quantidade de ferrovias que em 1922.

O estudo do Ilos ainda mostra que, para transportar mil toneladas de carga em uma ferrovia brasileira, é preciso gastar R$ 43 por quilômetro. Já nas rodovias esse valor é de R$ 259 — seis vezes mais.

Com isso, os custos com transporte estão aumentando no Brasil, alcançando 11,5% do PIB (Produto Interno Bruto, que é a soma das riquezas de um país) em 2012 — considerando gastos com transporte, estoque, armazenamento e administrativo. Nos EUA, esses custos equivalem a 8,7% do PIB.

Segundo o diretor-geral do Ilos e professor aposentado da UFRJ, Paulo Fleury, o crescimento da economia nas duas últimas décadas ampliou os locais de produção, “aumentando o volume e as distâncias do transporte”. Mas como a malha ferroviária não ampliou sua oferta, a tarefa de escoar a produção coube ao transporte rodoviário.

É muito mais fácil e barato construir rodovia do que ferrovia. Foi o que aconteceu. As ferrovias foram minguando e as rodovias foram crescendo sem concorrência. Não foi uma questão de escolha. Não houve escolha nenhuma, foi má gestão. Isso sem contar a forte pressão das empresas petroleiras e dos fabricantes de caminhões que se instalaram no Brasil.

Fleury lista uma sucessão de erros que afastou a ferrovia da realidade brasileira, como as privatizações “sem planejamento” da década de 1990.

A rede ferroviária era federal [antes das privatizações], mas dava R$ 1 bilhão de prejuízo. Então, a ferrovia minguou com a falta de investimentos. Em 1994 e 1995, eles quebraram a malha em seis pedaços e privatizaram a rede. Mas foi uma decisão errada. A rede acabou ficando sem conexão, se tornaram ilhas isoladas. Foi um erro do planejamento da privatização.

Hoje, diz, o governo tem garantido investimentos, mas as obras estão todas atrasadas por problemas de gestão, como a troca de construtoras, alterações de projeto e dificuldades para se fazer desapropriações.

O investimento foi feito, mas foi mal gerenciado. Atrasou tudo. A ferrovia Norte-Sul [que teve um trecho inaugurado em 2014] era para ficar pronta há quatro anos. Outros projetos também estão paralisados.

Entre 2011 e 2014, foram concluídos 913,7 km de ferrovias, segundo o Ministério dos Transportes. A principal entrega foi a do trecho da FNS (Ferrovia Norte-Sul) que vai de Palmas (TO) a Anápolis (GO). Iniciadas na década de 1980, as obras foram retomadas só em 2007, durante a gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A promessa inicial era entregá-la até 2010.

O outro trecho em construção dessa ferrovia vai de Ouro Verde (GO) a Estrela D’Oeste (SP), que deveria ter sido entregue no ano passado. Ainda está em construção.

A outra ferrovia atualmente em construção é a Fiol (Ferrovia Integração Oeste-Leste), que tem 1.527 km de extensão em três trechos, saindo de Ilhéus (BA), passando por Caetité (BA) e Barreiras (BA) até chegar a Figueirópolis (TO), onde vai se interligar com a FNS. A obra estava prevista para ser entregue até o fim de 2016. Ainda não foi entregue.

Os dois trechos da FNS consumirão ainda R$ 3,4 bilhões, segundo a Valec, correspondente a contratos vigentes até o final das obras. Já a obra da Fiol custará ainda R$ 4,5 bilhões. Ao ser questionada sobre o custo total dos empreendimentos, a assessoria da Valec disse que não é possível calcular os montantes.

Para o professor de engenharia mecânica da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Fernando Marques, pelo tamanho do Brasil, é preciso investir ainda mais.

O governo tem feito alguns investimentos na área, inclusive com a ferrovia Norte-Sul, a Oeste-Leste, mas ainda é pouco pelo tamanho do País. Porquê não adianta só ter malha. É preciso ter infraestrutura, construir terminais adequados. É preciso ter estrutura para a carga chegar adequadamente e que junte uma quantidade suficiente para o trem levar.

Marques calcula que a construção de uma ferrovia seja até quatro vezes mais cara que a de uma rodovia. No entanto, diz, o investimento vale a pena.

O custo é mais caro, já que a ferrovia é um investimento do tipo industrial, os materiais são muito mais sofisticados. Mas o custo operacional é bem mais barato, principalmente se considerarmos o custo de cargas de alta densidade que são transportadas em longas distâncias.

Sem esquecer o transporte de passageiros que baratearia o custo das passagens de maneira considerável.

*Rafael Jasovich é jornalista, advogado, secretário e fundador da Associação Gremial de Advogados da Capital Federal, membro da Anistia Internacional

 

 

 

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2 Comentários

  1. Se observado o potencial da malha turística de Itabira, sua altitude, o clima e as belezas naturais do município, dá para perceber que cabe projetos de grande relevância turística e Cultural, que, além de fomentar a economia a circulação de pessoas poderiam promover um grande movimento na região.
    Principalmente, se a malha ferroviária fosse colocada como pilar de interligação das regiões do Médio-Piracicaba com o Centro-Leste, interligado com o Vale do Aço.
    Nesse caso, as regiões seriam contempladas, o minério cumpriria o seu papel na economia da Empresa Vale e suas coligadas além de executar uma função primordial na gestão de negócios. Haja vista, as oportunidades, que seriam criadas, sem falar da movimentação dos distritos industriais, que estreitariam os laços de negócios entre as empresas, as redes hoteleiras e restaurantes agradeceriam e os bancos, esses cabem um capitulo à parte, pela incompetência gerencial de negócios, que não percebem que o burro arrecado só aguarda um tapa na cangalha para sair num trote desenfreado para rumo ignorado.
    José Norberto.

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