Nuvens sombrias pairam sobre a paralisação dos caminhoneiros
Márcio Mendes Fonseca*
Por mais que tenha apelo popular, por afetar o bolso de toda a população, a paralisação de caminhoneiros contra os aumentos abusivos dos combustíveis não é uma greve, mas sim um locaute, um movimento de paralisação por ordem de quem detém os meios de produção, no caso as grandes frotas de caminhões que transportam a maioria dos produtos consumidos no país. Além do objetivo declarado de forçar o governo a intervir na política de preços da Petrobras para baixar o preço do diesel, nesse movimento pode haver outros interesses ocultos e inconfessáveis.
É o que desconfia o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, para quem há indícios de que esse movimento seja mesmo um locaute, que é ilegal. Já a greve é definida em lei. Trata-se de uma prerrogativa dos trabalhadores assalariados, garantida pela Constituição Federal, e que por meio de assembleias decidem cruzar os braços e parar as máquinas.
Não é o caso do movimento dos caminhoneiros. A ordem da paralisação não partiu de um assembleia de motoristas assalariados, mas de organizações de autônomos e, também, é o que o governo suspeita, dos próprios empresários donos de empresas transportadoras. No país, segundo a Confederação Nacional do Transporte (CNT), essas grandes empresas de transporte detém 53% da frota nacional, enquanto os autônomos, que podem ser considerados empresários individuais, ficam com 46% do total.
Para boa parte da população, os caminhoneiros são os heróis da vez, por peitar o governo Temer (PMDB), hoje mais sujo que poleiro de pato, e por mostrar que unidos eles têm a força. Mas não é bem assim. Com a suspensão temporária dos serviços de transporte de carga, que permanece sabe-se lá até quando, mesmo com a trégua definida entre o governo e algumas entidades representativas dos caminhoneiros autônomos, cresce a suspeita de que há outros interesses por trás desse movimento nacional, que ameaça todo o país de desabastecimento geral.
A suspeita ganha fortes indícios de ser real com as manifestações de apoio de empresários do setor, a exemplo do prefeito de Betim, Vittorio Medioli, dono da Sada Transportadora, uma das maiores frotas de “cegonheiros” do país, que prestou efusiva solidariedade aos caminhoneiros. Assim como é visível o apoio de outros grandes empresários do setor, que até churrasco oferecem aos motoristas parados nas rodovias federais.
Todos esses indícios, e outros que precisam ser investigados, se é que há interesse nisso, levam a crer que empresários do transporte são os verdadeiros mentores da paralisação. E podem estar a serviço de uma estratégia inconfessável, mas que já começa a ganhar claros sinais de ser real, qual seja, a de provocar a desestabilização do governo e, de quebra, da frágil democracia brasileira, que anda de mal a pior depois de vitorioso o golpe jurídico-midiático-parlamentar que derrubou a ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
Com a crise no abastecimento, cresce o sentimento de insegurança alimentar de grande parte da população, com o desabastecimento geral. Cria-se assim um ambiente de instabilidade social e política a ponto até mesmo de inviabilizar as eleições deste ano. Com o desabastecimento geral de combustível e de gêneros de primeira necessidade, pelo efeito cascata, grupos de direita já manifestam abertamente nas redes sociais favoráveis a uma intervenção militar.
Pode parecer paranoia, mas no país em que um pré-candidato a presidente, adepto confesso de método desumano da tortura para obter confissões, lidera as pesquisas eleitorais sem a presença de Lula, pode-se dizer que já se tem “apoio popular” para que o retrocesso ocorra, como quer esses grupelhos reacionários. Sem uma candidatura confiável ao mercado, o verdadeiro dono do capital e de todas as decisões do governo Temer, essas forças retrógradas veem no golpe a saída para manter privilégios e a política que privilegia os seus ganhos especulativos em detrimento dos anseios populares.
Uma das consequências imediatas do locaute tem sido a “corrida” aos postos de gasolina e aos supermercados. É grande o temor popular de que haja desabastecimento geral. Tudo isso serve como combustível, sem trocadilho, a mais para que aumente o clamor popular (sic) por medidas de exceção, podendo até culminar em um golpe militar.
Aqui se faz necessário lembrar que foi justamente um locaute dos empresários do transporte que derrubou o presidente socialista chileno Salvador Allende, em 11 de setembro de 1973 (o exemplo nada tem a ver com a situação vivida por Temer, pelas óbvias diferenças ideológicas).
É também o mesmo método espúrio utilizado por empresários para gerar a crise de desabastecimento na Venezuela e assim derrubar o governo do presidente Nicolás Maduro, uma ação sem trégua dos grandes empresários que se arrasta há vários anos. São esses mesmos manifestantes, liderados por grandes grupos empresariais, que se posicionaram contra a política econômica da ex-presidente Dilma, engrossando as fileiras dos que a derrubaram por supostas “pedaladas” fiscais. Outro indício de que há cheiro de golpe no ar é o apoio ostensivo da rede Globo ao locaute dos empresários do transporte.
Toda a cadeia produtiva nacional já está sendo afetada por esse movimento, que tem uma justa reivindicação, mas não toca na questão crucial que é a mudança da política de reajuste da Petrobras, fundada na variação do dólar e na variação do preço do petróleo no exterior, para gáudio do mercado especulativo e concentrador de renda.
Como se registra, desde 3 de junho do ano passado, para atender ao mercado – e não às necessidades do país – a Petrobras tem reajustado diariamente os preços dos derivados de petróleo. Desde então, o preço do óleo diesel nas refinarias foi reajustado 121 vezes, registrando uma alta de 56,5%, segundo o Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE). Nas refinarias, nesse período o preço do diesel saltou de R$ 1,5006 para R$ 2,3488.
Com essa política benéfica ao mercado e nefasta à economia popular, agravada ainda mais com a paralisação dos caminhoneiros, a consequência será mais inflação e desemprego, reflexo da política econômico-financeira hegemônica no país, antipopular e entreguista. É certo que com o desabastecimento geral, a “normalidade” só será retomada com preços nas alturas. Será o caos.
Grupos de direita se arvoram e já clamam abertamente por uma saída jurídico militar, tão ao gosto dos golpistas de sempre. Invocando as Forças Armadas, pedem intervenção militar, à semelhança do golpe de 1964, de triste lembrança. Já pedem nas redes sociais o cancelamento das eleições presidenciais deste ano, que é para não correr risco de o país novamente eleger um presidente de esquerda, populista e bolivariano, como gostam de rotular, mesmo que esse possível vitorioso seja de centro-esquerda, como é o ex-presidente Lula. Esses grupos temem mais ainda que seja vitorioso o candidato indicado pelo ex-presidente.
A luz no fim do túnel não é de esperança. Pode ser de uma locomotiva desembestada, geminada com centenas de vagões, descarrilhando para atropelar o povo brasileiro e a sua mania de querer melhorar de vida com justa distribuição de renda e controle do mercado quando esse se volta contra os interesses populares. Pois é justamente isso que o mercado e seus agentes econômicos querem impedir a todo custo, mesmo que à custa de uma intervenção militar.
*Márcio Mendes Fonseca é advogado e jornalista, militante do Movimento dos Atingidos pelo Locaute (MAL)
Márcio, gostei do seu texto. Esclarecedor e informativo. Só agora soube que não se trata de greve de caminhoneiros. E estou com medo de um golpe.
Enquanto isto, a “dona” das ferrovias do Sudeste manda e desmanda e tanto que manda que os comboios dela só levam e nunca trazem.
Haveria de ter sido aberto os trilhos para minimizar os esfeitos do locaute, seja ele dos patrões ou dos motoristas, principalmente por onde a linha férrea é existente.