Nova certidão retificada traz alívio a famílias de vítimas da ditadura militar
Foto: © Mariana Taccolini/ Divulgação/Agência Brasil
Por Luiz Claudio Ferreira
“Morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro no contexto da perseguição sistemática à população identificada como dissidente política por regime ditatorial instaurado em 1964”, diz a certidão, entregue em evento no Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
Nativo era ativista na década de 1970 e representante dos trabalhadores em Carmo do Rio Verde (GO). Ele foi assassinado em 1985, último ano da ditadura no Brasil. Segundo a investigação da época, documentada pela Comissão Nacional da Verdade (CNV, página 1990), o executor foi um pistoleiro da região e o mandante teria sido o prefeito da cidade, Roberto Pascoal Liégio.
Receber o novo documento das mãos da ministra Macaé Evaristo trouxe emoções fortes e também alívio para a família inteira.
“A morte do meu marido é de uma dor que não sei explicar. Esse atestado é muito especial pra gente porque só nós sabemos o que passamos”, diz a viúva. Os dois filhos eram crianças na época, e a família passou por privações.
Como o executor foi um pistoleiro, demorou para que houvesse vínculo da morte a um agente do Estado. As crianças, inclusive, acabaram ajudando na lida na roça para sobreviver.
Os filhos, hoje, Eduardo, de 51 anos, e Luciane Rodrigues, de 52, recordam que o pai era muito ameaçado porque organizava os trabalhadores e isso contrariava os proprietários de terra. “Não pudemos fazer o que meu pai queria. Ele pedia para a gente estudar”, diz Eduardo, que é servidor. Luciane, que trabalha como costureira, afirma que precisou sair da cidade na época porque eles não conseguiam emprego em lugar algum.
Além deles, mais 27 famílias de vítimas de ditadura receberam a certidão de óbito retificada. A ministra Macaé Evaristo disse aos descendentes, amigos e representantes das pessoas mortas e desaparecidas que a luta pelo direito à memória, à verdade, à justiça e à reparação não deve ser uma pauta apenas de governo, mas da sociedade brasileira. Os familiares das vítimas pedem que mais documentos relativos à ditadura sejam tornado públicos para o país.
Ao todo, pelo menos 434 pessoas foram consideradas mortas em função da luta contra a ditadura. Macaé defendeu que é preciso contar e recontar todos os dias o que se passou no período de opressão para que o Brasil não tenha dúvida sobre as violações de direitos que ocorreram. Ela lembrou que já houve a entrega de 63 certidões em Minas Gerais e 102 em São Paulo.
“A anotação da causa da morte, em decorrência de graves violações de direitos humanos geradas pelo Estado brasileiro, é a resposta da democracia contra a opressão”. A presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, Eugênia Gonzaga, disse que estão previstas pelo menos mais duas entregas de certidões retificadas no ano que vem.
Ela destacou que o ato honra a memória das mulheres e homens que lutaram contra a opressão e foram comprometidos com o ideal maior de justiça social.
“É a memória deles que sempre será lembrada e homenageada. Já os donos dos coturnos e burocratas que os pisotearam, eles serão lembrados apenas como lixo da história”, afirmou.
A presidente da comissão destaca que o caminho para respeitar a memória das vítimas e de suas famílias tem ocorrido passo a passo desde 1995, quando a Lei 9.140 reconheceu como mortas as pessoas que estavam desaparecidas no regime militar.
“Não tenho mais esperança de encontrar o corpo dele, que foi uma das primeiras pessoas a serem reconhecidas como vítimas da ditadura”, disse emocionada a sobrinha.
No auditório do Ministério dos Direitos Humanos, onde foi entregue a certidão retificada, os familiares olharam com saudade as fotos pregadas na parede. Entre essas pessoas, a enfermeira Sueli Damasceno, de 72 anos, sorriu e chorou diante da imagem em preto e branco do irmão, o operário e estudante de medicina Jorge Aprígio de Paula.












