Neste país é proibido sonhar, diz CDA
Imagem: Diva Martins Lage, CNSD/1944 – Acervo: Helena Rosa
| Fernando Py: Sentimental. [1924?]. Carlos Drummond. Em carta a CDA, sem data, porém muito provavelmente de dezembro de 1924, Mário de Andrade comenta brevemente alguns poemas enviados para apreciação, entre os quais “Construção”, “Política”, Nota Social”, “Sentimental” e “No meio do caminho”.
Esta é, ao que sabemos, a mais antiga menção a quase todos eles. Em carta posterior, de 18 de fevereiro, sem indicação do ano, mas segundo CDA, de 1925, refere-se Mário aos poemas que enviará para publicação em Estética: “Mando Construção, Orozimbo, O vulto pensativo das secretarias, Sentimental, Raízes e caramujos.” – “Construção”, “Sentimental” e “Raízes e caramujos” saíram em Estética.
À vista dessas informações, resolvemos considerar o ano de 1924 como data-limite da composição deste. “Sentimental” pertence à coletânea Alguma Poesia, à qual foi incorporado a partir da edição de Poesia (1942).|
Em 1926, Drummond envia a Mário de Andrade dois cadernos com poemas seus; esses cadernos foram confeccionados pelas mãos habilidosas do poeta e talvez costurados, colados na fazenda do Pontal – a que não existe mais, como não existe mais a fábrica de armas, as calçadas de minério, tudo levado pela espoliação-esfoliação da mineradora.
Os cadernos, de capa verde, sob o título de Minha Terra têm Palmeiras, era projeto para um livro. A resposta de Mário de Andrade em carta de 28 de fevereiro, diz considerar o título fraco: “Quanto ao nome Minha Terra têm Palmeiras como nome é fraco mesmo. Além de comprido por demais, coisa inquizilante da gente escrever e falar…”.
O livro foi publicado com o nome de Alguma Poesia. Um dos cadernos desapareceu, mas como o poeta enviou. Mário de Andrade faz “elogios a textos que passariam para à posteridade e poderiam ser qualificados como obra-prima”.
São eles, Sentimental, Rio de Janeiro, Família, No meio do caminho, Cidadezinha qualquer e Cantiga de Viúvo, demonstrando, com isso, possuir um juízo arguto.
Um desses cadernos está conservado no fundo arquivístico da Biblioteca Mario de Andrade, em São Paulo. O Memorial CDA de Itabira bem que podia pedir uma reprodução dessa obra-prima para o seu acervo.
A trajetória internacional de Sentimental começa em 1954, traduzido para o alemão por Tomas Hilde Kowsmann; em 1974 é publicado na língua búlgara, tradução de Atanas Daltchev e A. Muratov.
Chega a Portugal na Obra Poética, de 1989, uma edição de Mem Martins; em língua espanhola saiu em duas publicações: em 1956, em Poesia Moderna del Brasil, de Raúl Navarro, e, segunda em 1967 em Mundo, Vasto Mundo, livro traduzido e editado por Manuel Graña Etcheverry, sendo a mais recomendada.
A Vila de Utopia apresenta Sentimental transcrita da edição de Para Todos, publicada seis meses depois da edição n. 3 de Estética (SP), de 1925, sua primeira publicação.
Em livro, Sentimental estreia em Poesias, edição da Livraria José Olympio, de 1942, e, até 1983 manteve-se nas novas edições da JO e também presente na edição de Obra Completa, pela Aguilar em 1964. (MCS)
Sentimental
Carlos Drummond
Ponho-me a escrever teu nome
com as letras do macarrão.
No prato, a sopa esfria, cheia de escamas,
e, debruçado na mesa, todos contemplam
esse romântico trabalho.
Desgraçadamente, falta uma letra,
uma letra somente,
para acabar teu nome!
– Estas a sonhar? Olha que a sopa esfria!
Eu estava sonhando…
E, há em todas as consciências este cartaz amarelo:
Neste país é proibido sonhar.
[Para Todos (Rio), 15/8/1925. Hemeroteca da BN-Rio]