Não deixem acabar com os Yanomami

Fotos: Claudia Andujar/
IMS/Divulgação

Carlos Drummond de Andrade*

Yanomami. talvez você nunca tenha ouvido falar nesse nome. pois saiba que é o nome genérico de cerca de 8400 brasileiros, gente boa que vive em 203 cabanas, no interior da Floresta tropical, bem na fronteira com a Venezuela. Formam 14% da população de Roraima e encontram-se ainda no Amazonas.

Os Yanomami correm no momento um grande risco e estão precisando de você: não é necessário voar até lá para ajudá-los. Basta, primeiro, que você tome conhecimento da existência deles. Do modo de viver que lhes lhes é peculiar, e da situação que enfrentam, sem garantias e sem possibilidades de autodefesa.

De posse desses dados, cabe a você interessar-se pelo projeto de um grupo de antropólogos, juristas, médicos e jornalistas, que visa a proteger a vida pacífica dos Yanomami, nos locais que habitam e dentro do tipo de cultura que é tradicionalmente o deles.

A fotógrafa Claudia Andujar, citada por Drummond, viveu quase uma década com o povo Yanomami em Roraima, registrando o seu cotidiano e a sua luta contra a violência, doenças e a destruição da floresta (Acervo: Instituto Moreira Sales)

Este projeto, ou anteprojeto, pois é obra séria de particulares e foi encaminhado ao ministro do interior, Mário Andreazza, no último dia 28 de julho. Precedido de rigoroso estudo científico do problema, propõe a criação do Parque Indígena Yanomami em área comum ao Território de Roraima e ao Estado do Amazonas onde vivem esses brasileiros.

Esta é a única maneira de salvar a comunidade social e cultural desses homens, mulheres e crianças que desde 1974 vêm sofrendo as consequências do processo de expansão econômica da Amazônia em sua parte negativa, sem se beneficiar com as suas possíveis vantagens.

A abertura da Perimetral Norte, BR-210, sem os necessários cuidados de saúde, levou àquela região gripe, sarampo, tuberculose, moléstias de pele e doenças venéreas.

Nos primeiros cem quilômetros do trecho Caracaraí-Içana, 13 aldeias indígenas, mapeadas em 1970, e registradas em 1972 por levantamento aéro-fotográfico do Projeto Radam-Brasil, reduziram-se a oito míseros grupinhos de doentes à beira da estrada, segundo levantamento da Funai em 1977.

Missionárias em atividades atenderam a 4.596 enfermos durante 38 meses, antes da chegada dos primeiros trabalhadores da estrada. Igual período, após o avanço da rodovia, o número subiu a 18.488. Em três anos, as infecções virais multiplicaram-se por oito.

O garimpo irrompeu com uma outra modalidade de doença, subtraindo dos Yanomami de 150 toneladas de cassiterita. Os índios reagiram, conflitos e as autoridades fizeram recuar os garimpeiros, interrompendo-se as obras da Perimetral Norte. De tudo isso resultou o saldo da morte de vários indígenas.

Em 1978, é a Cia. Vale do Rio Doce, que devia ficar quieta em Itabira, Minas, cuidando de seus interesses locais, que se apresta para extrair a cassiterita, antes explorada ilegalmente pelos garimpeiros. Anuncia-se a próxima chegada de 300 funcionários da empresa, sem que se cogite de vacinação prévia dos 3.800 Yanomami, demarcando lotes em terras insofismavelmente pertencentes aos índios.

A Funai, por meio de quatro portarias (Ministro Beltrão, que não fique nas cidades a sua guerra à burocracia), reconhece aos Yanomami o direito de viver em 31 áreas esparsas e diminutas, autênticas “ilhas” perdidas na terra que sempre ocuparam. 2/3 dessa terra, em forma de corredores, cercam e ameaçam as pobres áreas onde se refugiam os 3.800 donos do solo.

A sobrevivência do povo Yanomami depende da manutenção de seu território íntegro e sem a presença de garimpeiros, mineradoras, missionários e de todos invasores, que devem ser imediatamente retirados de suas terras ancestrais

O esfacelamento da unidade territorial, com destruição do ambiente ecológico, acaba praticamente com o grupo étnico, sujeitando-o a inúmeras expressões e vexames de toda sorte.

Única maneira de compatibilizar interesses econômicos e tribais é a criação do Parque, em área aproximada de 6,4 milhões de hectares, mantendo-se a integridade económica, social e cultural dos Yanomami.

Não se pede muito. Nem se pede o indevido. Pretende-se tão-só conseguir que essa gente humilde continue a caçar, pescar e levar a vida, dentro de seus padrões tradicionais, direito que lhe é reconhecido pelo Estatuto do Índio, ao estabelecer:

“Considera-se a Posse do índio ou silvícola a ocupação efetiva da terra, que, de acordo com os usos, costumes e tradições tribais, detém, onde habita o exerce atividade indispensável à sua subsistência ou economicamente útil”.

Entenda-se que o índio precisa renovar o potencial vegetal nas imediações das malocas, rapidamente esgotado; cuidar do reaproveitamento periódico de roças velhas, para colheita de produtos de ciclo longo, e finalmente desloca-se das aldeias após certo tempo. É da natureza deles, e não se pode confiná-los em faixas estreitas e insubstituíveis de terra.

Há há inúmeros documentos em favor da criação do Parque; não caberiam nesta coluna. Mas a consciência dos brasileiros há de reconhecer facilmente que os Yanomami têm o direito de viver sua própria vida onde estavam, sem perturbar o desenvolvimento nacional e sem serem perturbados por ele.

Você ajudará esse povinho pelo problema e juntando sua voz aos que pedem ao Governo uma decisão sábia, humana ilegal. Os Yanomami são uma gente alegre, irrequieta, de vida espiritual rica (um princípio vital, nos ossos do indivíduo e um princípio imortal, dentro do homem, libertado pela cremação e ascendendo à terra das almas).

Cláudia Andujar, que os conhece bem, pois conviveu com eles longo tempo, recolhendo lindas imagens fotográficas, pode falar com autoridade sobre eles. Yanomami é gente como a gente, vamos forçar para que não acabem com esse irmão nosso em nome do progresso.

*Crônica publicada originalmente na Folha de S.Paulo, em 2 de agosto de 1979. Enviada pela professora Graça Lima.

** A demarcação do Território Índigena Yanomami só ocorreu em 25 de maio de 1972, com 10 milhões de hectares entre o Brasil e a Venezuela. Atualmente, estima-se que 20 mil garimpeiros exploram ilegalmente a região, levando doenças e mortes a esse povo originário.

 

 

 

 

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2 Comentários

  1. 1979, de lá pra cá a cantilena continua a mesma “não deixem acabar com os Yanomami!”
    Todos os governantes federais omissos, todos responsáveis, cada um a seu tempo em seu governo, por essa tragédia continuada com o povo Yanomami.
    Até mesmo governante de país fronteiriço tem de ser lembrado dessas omissões generalizadas.
    Um horror!
    E, por incrível que pareça, foi o presidente que pouco antes de ser caçado ter tido a sensatez em demarcar a reserva nacional dos Yanomami, indiferente às especulações que sempre ocorreram naquela região, quer seja por terras, quer seja por riquezas minerais.

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