Municípios minerados temem perda de receitas com reforma tributária. “Será uma catástrofe se aprovada como está”, diz a Amig
Fotos: Carlos Cruz
Todas as conquistas que tiveram início em Itabira, em 1984, com a mobilização no I Encontro Nacional de Cidades Mineradoras, podem se perder com a reforma tributária (PEC 45/2019), já encaminhada ao Congresso Nacional para apreciação e votação no dia 24 deste mês.
Essas conquistas culminaram com a promulgação da Constituição Federal em 1988, quando foi extinto o Imposto Único sobre Minerais (IUM), que destinava um percentual mínimo aos municípios minerados, passando a taxar a produção mineral pelo Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS, antes da Lei Kandir, 1996) – e com a instituição da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem), os royalties do minério
“A reforma tributária como está na PEC será uma catástrofe premeditada para o desenvolvimento desses municípios”, considera a Associação dos Municípios Mineradores (sic) de Minas Gerais e do Brasil, entidade fundada em 20 de abril de 1989, logo após a promulgação da Constituição, hoje representando com 56 municípios filiados, de oito estados da federação, de cujos subsolos saem 80% da produção mineral do país.
Catástrofe anunciada
Segundo a entidade, será uma catástrofe para as finanças desses municípios, altamente dependentes da mineração, caso a reforma venha a ser aprovada como está no texto original, sem uma discussão prévia com os representantes sociais e políticos de setores que podem ser penalizados com perda de receitas, como são os casos dos municípios minerados.
“É um absurdo levar à frente a reforma sem ouvir as cidades mineradoras que contribuem com 4% do PIB brasileiro, 10% da balança de importação e que serão, literalmente, prejudicadas pelo texto proposto”, afirma o consultor de Relações Institucionais e Econômica da AMIG, Waldir Salvador.
Segundo ele, a Amig tem buscado, até aqui sem sucesso, uma agenda com o governo federal desde o início do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. De acordo com estudos realizados pela Amig, municípios de pequeno porte serão os mais prejudicados com a reforma.
Perdas tributárias
“Apenas os municípios de grande porte populacional receberão a maior distribuição de tributos”, prevê a consultora tributária da Amig, Roseane Seabra, com base em análise realizada pelo departamento tributário da entidade.
Conforme ela explica, o ICMS é o principal tributo de competência estadual que é dividido para as cidades de acordo com o Índice de Participação dos Municípios (IPM).
Do total arrecadado pelo estado, 25% do imposto retorna aos municípios de acordo com seu índice de participação, apurado pela Secretaria de Estado de Fazenda (Sefaz) com base nos critérios definidos pela Constituição Federal e Legislação Estadual.
Pois essa conquista constitucional pode ser alterada com a PEC 45/2019, em prejuízo dos municípios minerados, com a substituição de cinco tributos considerados “disfuncionais” pelo governo federal (ISS, ICMS, PIS, COFINS e IPI) por um IVA dual (Imposto sobre Valor Agregado).
Esse novo tributo será constituído pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), no âmbito dos estados e municípios, e pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e Imposto Seletivo (IS), na esfera da União, mudando os critérios de distribuição.
Com isso, os municípios deixam de receber o VAF e o IPM passa a ser calculado referente à população (80%), igualitário (5%), educação (10%) e meio ambiente (5%).
Sem uma compensação aos municípios minerados, por parte do governo federal, será preciso estabelecer outras cobranças municipais sobre a atividade mineradora. “Com a reforma, perdemos em ISS, ICMS e ainda teremos queda no recolhimento da CFEM, já que o imposto seletivo pode ser abatido no royalty”, critica Waldir Salvador.
O consultor da AMIG chega ao ponto de vislumbrar, com as perdas tributárias, não ser mais estimulante a continuidade da mineração em seus territórios. Segundo ele, os municípios terão que avaliar até que ponto vale a pena ter a atividade extraindo minério de seu subsolo.
“As compensações serão pequenas, tanto no aspecto ambiental, quanto no tratamento das empresas com os territórios e na tributação brasileira, que é muito menor que em outros países.”, acrescenta.
Falácias
Segundo o consultor da Amig, não procedem as reclamações das empresas privadas sobre a alta taxação do setor mineral. “Quando as mineradoras afirmam pagar muito imposto, provavelmente estão se referindo aos impostos que incidem na cadeia, mas não dizem que, na verdade, esses impostos são devolvidos a elas, pois viram crédito para pagamento dos outros tributos”, pontua.
Como exemplo ele cita dados da mineradora Vale, publicados no último balanço anual da empresa. Em 2022, a ex-estatal brasileira obteve faturamento de mais de R$200 bilhões – e lucro líquido de R$101 bilhões. Desse lucro líquido, a empresa foi tributada no Imposto de Renda e na contribuição social em R$15 bilhões, o que corresponde a uma alíquota efetiva de aproximadamente 15%.
Já no ano de 2021, a fração foi de 16%. “A alíquota nominal das pessoas jurídicas, de forma geral, é 34%, que significa 25% de imposto de renda somado a 9% de contribuição social”, contabiliza.
De acordo com o presidente do Instituto de Justiça Fiscal, Dão Real, essa porcentagem está determinada e prevista na lei, mas essas empresas acabam tendo muitas exclusões fiscais do lucro líquido de tal forma que o valor do tributo a pagar acaba sendo muito menor do que a alíquota nominal de 34%, prevista na lei.
Em 2023 a AMIG contratou o Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar), ligado à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), para elaborar um estudo de avaliação da atual estrutura tributária da mineração no Brasil.
A pesquisa teve como objetivo analisar os impactos da PEC da reforma nas atividades mineradoras, além de identificar e descrever as estruturas tributárias de países com significativas atividades no setor mineral.
O estudo mostra que a mineração brasileira é uma das menos oneradas do planeta, inclusive comparativamente a países minerados como a Austrália, Canadá, Estados Unidos e China.
Na reforma tributária está mantida a estrutura tributária das atividades exportadoras (LC 87/1996 – Lei Kandir), não existindo nenhuma discussão a respeito de tributos sobre atividades econômicas não renováveis e com marcantes efeitos negativos sobre o meio ambiente.
Além de tudo isso, mesmo sendo o Brasil o 2º maior exportador de minério de ferro do mundo, ocupa a 9ª posição entre os países produtores de aço. Ou seja, continua mantendo a mesma estrutura mono exportadora dos tempos da Colônia.
“Deixamos de incentivar e fomentar a verticalização e a diversificação da indústria siderúrgica nacional, além de diminuir a pujança dos estados-membros da Federação, que perdem triplamente ao não arrecadar o ICMS decorrente da exportação e ao não ter a compensação devida pela União”, observa Dão Real.
Evasão fiscal
Além de o setor mineral ser voltado à exportação, é dominado por empresas transnacionais, como é o caso da Vale, que é brasileira, mas tem subsidiárias em todo o mundo.
“Como as operações acabam se dando por dentro dessas companhias, os preços declarados acabam sendo, sempre, preços manipulados do ponto de vista fiscal e financeiro”, denuncia Dão Real, que vê a redução do custo tributário dessas empresas transnacionais, utilizando subsidiárias em paraísos fiscais.
“Se uma empresa tem uma subsidiária na Suíça, por exemplo, que atua no meio do caminho entre o vendedor do produto mineral e o comprador final, essa subsidiária passa a participar da cadeia comercial de tal forma que a maior parte do lucro da atividade acaba ficando nesses países”, observa.
Para ele, não é só o tributo que se perde com esse tipo de triangulação. “Perde-se inclusive na arrecadação da CFEM, porque o royalty é calculado sobre o valor declarado. Perde-se também parte do PIB, afinal esse lucro foi para outro local e vira ativo financeiro, na maior parte das vezes”, frisa Dão Real.
Para Waldir Salvador, está nítido que a reforma tributária, caso seja aprovada como está, inviabilizará a gestão dos municípios minerado, criando-se verdadeiro caos econômico e social em seus territórios.
“Os reflexos serão ruins para o próprio segmento da mineração, que terá aumento da pressão local e, até mesmo, questionada a conveniência de manter a atividade em seu território”, prevê.
Salvador ressalta que desconsiderar a pujança econômica, materializada atualmente no VAF, será um dos maiores equívocos da PEC. Segundo ele, há mais de três décadas a Amig segue resistindo em busca de um novo modelo ético e sustentável na mineração brasileira.
“Não se pode punir os municípios que fazem o dever de casa, com perdas de suas políticas públicas nas áreas da saúde, educação, saneamento, segurança, infraestrutura, habitação”, alerta o consultor da Amig.
No ano passado, aquando do envio deste projeto de lei, andaram os prefeitos achando graça e que essa reforma fiscal seria boa e agora já não vale mais reclamar.
O único que vi dizer algo a respeito foi o ex-prefeito de Uberaba e deu as devidas explicações de que a reforma fiscal seria péssima aos municípios.
Portanto, agora o choro é livre e a noite gelada é longa…