Municípios minerados de todo o Brasil se organizam para enfrentar sonegação de royalties e prejuízos causados pela Lei Kandir

Foto: Vila de Utopia

Carlos Cruz

O dia 8 de abril deste ano é uma data histórica para os municípios minerados do Brasil. Durante a sua 59ª Assembleia Geral realizada na Câmara dos Deputados, em Brasília, a Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais foi transformada na Associação dos Municípios Mineradores do Brasil (Amig Brasil).

A entidade nasce reunindo 56 municípios minerados de oito estados, que respondem por cerca de 86% da produção mineral nacional. A nova entidade municipalista nacional assume o papel de enfrentar as distorções econômicas e históricas que afetam esses territórios minerados, frequentemente espoliados, sem que tenham um justo retorno econômico pela riqueza mineral extraída de seus subsolos.

É assim que um dos principais desafios enfrentados pela Amig Brasil é a cobrança de R$ 20 bilhões da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem), os royalties do minério, sonegados por grandes mineradoras desde a criação desse instrumento de compensação pela inevitável exaustão mineral.

A maior devedora é a multinacional Vale S.A., com passivos que somam R$ 3,84 bilhões, de acordo com auditorias da Agência Nacional de Mineração (ANM). Ao todo, há 12.243 processos de cobranças pendentes, mas uma parcela significativa já prescreveu – especialmente entre 2017 e 2021 – devido à falta de estrutura para fiscalização por parte da ANM e à inoperância, ou mesmo conivência, de gestões anteriores do governo federal.

O prefeito de Itabira e presidente da Amig Brasil, Marco Antônio Lage (PSB), foi enfático ao criticar, no lançamento da renovada entidade, a falta de fiscalização pela ANM. “A CFEM não é um imposto, é um royalty que deveria compensar a inevitável exaustão mineral, mas está sendo sonegado em grande parte pelo descaso e falta de ação eficaz da agência reguladora da atividade mineradora.”

Marco Antônio Lage, prefeito de Itabira e presidente da Amig Brasil, com a prefeita Josemira Gadelha, de Canaã dos Carajás, no Pará (Foto: Divulgação)

Sonegação e Lei Kandir

Além da sonegação dos royalties, os municípios minerados enfrentam também os impactos negativos da Lei Kandir, que isenta as commodities – de baixo valor agregado – do pagamento de ICMS.

Essa isenção beneficia o setor exportador em detrimento das cidades produtoras, que arcam com os prejuízos ambientais e sociais decorrentes, sobretudo, da atividade mineradora. Cerca de 83% do minério de ferro extraído no Brasil é exportado e, portanto, é isento de pagar o tributo, o que prejudica o rateio entre os municípios minerados.

“Não é mais possível que os municípios minerados continuem a pagar a conta enquanto a riqueza gerada aqui é enviada para fora sem contrapartida, contribuindo com o desenvolvimento e crescimento das economias dos países importadores, enquanto sofremos as consequências dessa isenção compulsória, imposta pela União”, critica Marco Antônio Lage.

Isenção compulsória: “Só isso?”

No caso de Itabira, primeiro município brasileiro minerado em larga escala, desde a criação da então estatal Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), em 1942, essa isenção compulsória tem sido, historicamente, ainda maior.

É que, por força do decreto de criação da Vale, assinado por Getúlio Vargas, estado e município deveriam isentar a recém-criada empresa de quaisquer impostos, a título de incentivo, até que se estabelecessem bases econômicas promissoras.

Essa isenção compulsória prevaleceu por mais de 27 anos, até que, por meio do Decreto-Lei nº 1.038, em 21 de outubro de 1969, foi instituído o Imposto Único sobre Minerais (IUM).

Esse primeiro imposto incidente sobre a mineração regulamentava a tributação sobre a extração, circulação e exportação de substâncias minerais ou fósseis originárias do Brasil.

Pelo seu rateio, apenas 20% eram repassados aos municípios minerados, enquanto os estados ficavam com 70%, e a União com 10% – algo que o poeta Carlos Drummond de Andrade considerou extremamente injusto.

Na crônica Só isso?, publicada no Jornal do Brasil em 3 de outubro de 1964, Drummond já se queixava do projeto de lei, em discussão, que destinava migalhas para os municípios minerados.

“O produto da arrecadação desse imposto será distribuído entre a União, os Estados e os Municípios, e é claro que não pode ir para Sancho, Martinho e esse vosso criado. Mas a União terá 10%, o Estado 70% e o Município apenas 20%, o que me parece terrivelmente injusto.”

Drummond ainda alertava: “Minério é riqueza que não se recompõe, e com a exploração intensiva se esgota para sempre.”

O IUM foi extinto com a promulgação da Constituição Federal de 1988, sendo substituído por novos mecanismos tributário e de compensação para evitar a “derrota incomparável”, como o ICMS e a Cfem, que passaram a destinar uma parcela maior da arrecadação aos municípios minerados.

Leia mais aqui sobre a luta de Drummond em defesa de sua terra natal:

Cobrança e denúncia das mazelas da mineração são partes constitutivas da luta de Drummond pelos direitos de Itabira

ABCM, uma associação histórica das cidades mineradas
Encontro em Itabira marcou o início da organização nacional dos municípios minerados, em preparação para a Assembleia Nacional Constituinte (Foto: Eduardo Cruz)

A organização da Amig Brasil também retoma a força histórica da Associação Brasileira de Cidades Mineradoras (ABCM), criada em Itabira em agosto de 1984, durante o I Encontro Nacional de Cidades Mineradoras.

Presidida pelo ex-prefeito José Maurício Silva (1983-88), com o ex-prefeito de Criciúma José Augusto Hülse como vice, a ABCM teve um papel fundamental durante a Assembleia Nacional Constituinte, conquistando a instituição da Cfem e a extinção do IUM.

A ABCM cumpriu seus objetivos com a promulgação da Constituição de 1988, mas foi deixada de lado até que, em 1989, foi criada a AMIG, agora transformada em AMIG Brasil.

A luta continua nacionalmente

Sob a liderança de Marco Antônio Lage, a Amig Brasil busca não apenas recuperar os bilhões de reais sonegados pelas mineradoras, mas também liderar uma nova etapa de lutas por justiça tributária.

Além de pressionar pelo fim das distorções da Lei Kandir, a entidade defende a reestruturação da ANM, que atualmente conta com um número insuficiente de fiscais para lidar com os processos minerários.

“O que queremos não é apenas justiça para os municípios minerados, mas um modelo que reconheça o papel desses territórios no desenvolvimento do país. E isso começa por corrigir o que está errado”, enfatiza Marco Antônio Lage.

A expectativa é que a Amig Brasil amplie sua voz no cenário político nacional, fortalecendo a defesa dos direitos dos municípios minerados. Com uma ação política eficaz, espera-se que consiga convencer os legisladores a promover mudanças estruturais que garantam um futuro mais justo e sustentável para os territórios minerados em todo o país.

Para saber mais sobre a sonegação da Cfem, acesse: https://mineracaosemsonegacao.com.br/

 

 

Posts Similares

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *