Movimentos sociais pressionam pelo fim dos supersalários no serviço público e combatem os privilégios

Foto: Pedro França/
Agência Pública

Uma coalizão de dez organizações da sociedade civil divulgou um manifesto, nesta quarta-feira (9), defendendo o fim dos supersalários no serviço público brasileiro. Com foco na moralidade, legalidade e eficiência na gestão pública, o documento critica o Projeto de Lei 2.721/2021, conhecido como “PL dos Supersalários”, que amplia e legitima os penduricalhos, aprovado pela Câmara dos Deputados.

Segundo o manifesto, a proposta não combate os supersalários, mas legitima exceções ao teto constitucional e amplia desigualdades, gerando impactos significativos para os cofres públicos.

Hoje, o teto constitucional de R$46.366,19 é ultrapassado por nove em cada dez magistrados e membros do Ministério Público, representando 0,3% do total de servidores públicos. No entanto, os custos dessas verbas extrateto chegaram a R$11,1 bilhões em 2023.

Esse valor, segundo as organizações signatárias, poderia ser investido em áreas prioritárias, como saúde e educação, com a construção de mais de 4.500 Unidades Básicas de Saúde ou o atendimento anual de milhões de alunos do ensino médio.

Entre os pontos criticados está a classificação inadequada de verbas como indenizatórias, que além de serem isentas de Imposto de Renda, escapam ao teto constitucional. O manifesto propõe que apenas verbas de caráter reparatório e transitório sejam classificadas como indenizatórias, demandando que essas tenham respaldo legal e critérios específicos.

As organizações signatárias, como a Transparência Brasil, Fundação Tide Setubal e Movimento Brasil Competitivo, alertam ainda para o impacto financeiro futuro, estimado em R$3,4 bilhões em 2025, caso o projeto seja aprovado. O documento também pede o fortalecimento da governança e transparência na remuneração pública, além de medidas contra o efeito cascata de reajustes automáticos.

O manifesto enfatiza ainda que a maioria dos servidores públicos recebe salários significativamente inferiores aos supersalários, com metade dos servidores ganhando até R$3.300,00. Por isso, argumenta que uma política remuneratória justa e transparente é essencial para valorizar o funcionalismo público e garantir qualidade nos serviços prestados à sociedade.

A coalizão propõe uma série de medidas para enfrentar as desigualdades e combater privilégios, incluindo a extinção de verbas classificadas indevidamente como indenizatórias, mecanismos de barreira para pagamentos retroativos e o enquadramento de práticas de pagamento fora do teto como improbidade administrativa.

As organizações signatárias reforçam que o combate aos supersalários é uma questão de justiça social e boa gestão dos recursos públicos, solicitando que o debate seja tratado com prioridade pelo Congresso Nacional para corrigir distorções e garantir maior equilíbrio nas políticas públicas.

O manifesto é assinado pelas seguintes organizações: Movimento Pessoas à Frente, Fundação Tide Setubal, Transparência Brasil, Plataforma Justa, Instituto Democracia e Sustentabilidade, Movimento Brasil Competitivo, Pacto Nacional pelo Combate às Desigualdades, Associação Livres, Centro de Liderança Pública, República.org.

Leia a íntegra do manifesto

Manifesto pelo fim dos supersalários

As organizações signatárias deste Manifesto vêm a público posicionar-se em defesa do fim dos supersalários no serviço público brasileiro e pela construção de uma política remuneratória justa e transparente, alinhada aos princípios constitucionais da moralidade, da legalidade e da eficiência na administração pública.

Nesse sentido, expressamos nossa posição contrária à aprovação do Projeto de Lei nº 2.721/2021, conhecido como “PL dos Supersalários”. A proposta tende não só a perpetuar, mas também a ampliar privilégios e desigualdades, comprometendo a boa gestão dos recursos públicos, pois, se aprovada, legitima o pagamento de benefícios remuneratórios a título de indenização, cuja consequência imediata é ser livre de incidência de Imposto de Renda, além de banalizar as exceções ao teto constitucional.

A maioria da população brasileira (93%) é contra¹ a possibilidade de que servidores recebam acima do teto constitucional, atualmente de R$46.366,19. Este é o caso de nove em cada dez magistrados e membros do Ministério Público, uma pequena parcela de 0,3%² do total dos servidores públicos no país. Porém, essas despesas extrateto custaram pelo menos R$11,1 bilhões para os cofres públicos em 2023³.

Com esse valor seria possível fortalecer a infraestrutura de atendimento à população em diversos setores prioritários. A título de comparação, ele corresponde à construção de 4.582 Unidades Básicas de Saúde⁴, o atendimento anual de 1,36 milhão de famílias no Programa Bolsa Família⁵ e de 3,9 milhões de alunos do ensino médio no Programa Pé-de-meia, sendo que este último possui orçamento próximo ao valor gasto com os adicionais de R$13 bilhões⁶.

O projeto de lei 2.721/2021, aprovado pela Câmara dos Deputados, descaracteriza a proposta original do Senado, e em vez de combater os supersalários, legitima a desigualdade dentro do serviço público e piora o atual cenário. Se aprovado, gerará ainda um impacto adicional estimado em pelo menos R$3,4 bilhões em 2025 nas contas públicas, considerando apenas 4 das 32 exceções ao teto previstas pelo Projeto⁷. Além disso, das 32 exceções ao teto constitucional, 14 estão classificadas incorretamente como indenizatórias⁸.

Um em cada quatro brasileiros acredita que todos ou a maioria dos funcionários públicos recebam supersalários⁹. No entanto, essa percepção não reflete a realidade: metade dos servidores públicos recebe salários de até R$3.300,00¹⁰, demonstrando que a remuneração da maioria dos servidores está longe dos valores mais altos frequentemente associados ao setor público.

É fundamental a valorização dos servidores, e isso passa por uma política remuneratória que contemple salários justos, compatíveis com suas responsabilidades e com os resultados entregues à sociedade. Afinal, são esses profissionais o principal ativo para garantir serviços e políticas públicas de qualidade, contribuindo para o fortalecimento do Estado.

Para encarar de frente as desigualdades no funcionalismo público e construir uma solução efetiva aos supersalários, é preciso construir uma alternativa que impeça que os chamados penduricalhos se legitimem. Por isso, defendemos:

  1. Um projeto de lei que classifique, de maneira adequada, verbas remuneratórias, indenizatórias e outras vantagens eventualmente recebidas.
  2. Para as verbas indenizatórias, cujo ordenamento jurídico permite que ultrapassem o teto, é essencial que a classificação atenda a três critérios básicos: (i) devem ter natureza reparatória, ressarcindo o servidor de despesas incorridas no exercício da função pública; (ii) devem ter caráter eventual e transitório, não sendo incorporadas em bases mensais, devendo possuir um horizonte temporal limitado, e requerendo uma análise caso a caso; (iii) devem ser expressamente criadas em lei, não podendo ser instituídas por ato administrativo.
  3. Aplicação correta das hipóteses de incidência de imposto de renda de pessoa física, reduzindo a elisão fiscal e aumentando a arrecadação federal.
  4. O estabelecimento de mecanismos robustos de governança e transparência, ativa e passiva, sobre a remuneração no serviço público¹¹.
  5. A necessidade de lei ordinária aprovada no Congresso Nacional para a criação e gestão de qualquer adicional ao salário, seja remuneratório ou indenizatório.
  6. A extinção das verbas indevidamente classificadas como indenizatórias e sua automática transformação em remuneratórias.
  7. A vedação da vinculação remuneratória automática entre subsídios de agentes públicos, congelando o atual efeito cascata.
  8. O enquadramento da autorização de pagamento de verbas remuneratórias acima do teto, sem amparo legislativo expresso, como improbidade administrativa.
  9. A criação de um mecanismo de barreira, com critérios razoáveis e transparentes, para o pagamento de verbas retroativas, incluindo um limite temporal, para não permitir pagamentos retroativos a longos períodos.

Assinam:

Movimento Pessoas à Frente

Fundação Tide Setubal

Transparência Brasil

Plataforma Justa

Instituto Democracia e Sustentabilidade

Movimento Brasil Competitivo

Pacto Nacional pelo Combate às Desigualdades

Associação Livres

Centro de Liderança Pública

República.org

Fontes e Notas

1.Conforme pesquisa Datafolha encomendada pelo Movimento Pessoas à Frente (2021).

2. No agregado em 2023, conforme Nota Técnica Além do Teto: Análises e contribuições para o fim dos supersalários (2024). Outras pesquisas também reforçam esses achados, como o Anuário de Gestão de Pessoas no Serviço Público (2024), do República.org; e o relatório Tribunais estaduais pagaram ao menos R$4,5 acima do teto constitucional em 2023. O dado do total de servidores é da PNADc, 2023.

3. Conforme Nota Técnica Além do Teto: Análises e contribuições para o fim dos supersalários (2024).

4. Média a partir da Portaria GM/MS Nº 3.689, de 2 de maio de 2024, que destinou recursos para a construção de 293 UBS em municípios.

5. Site da Agência Gov

6. Site do Senado Federal

7. São elas: o pagamento em dobro do adicional de ⅓ de férias; gratificação por exercício cumulativo de ofícios, auxílio alimentação e auxílio saúde na forma de ressarcimento de despesas com plano de saúde. Conforme Nota Técnica Além do Teto: Análises e contribuições para o fim dos supersalários (2024).

8. Conforme Nota Técnica Supersalários e o Teto Constitucional: Natureza das Verbas Indenizatórias e Remuneratórias e o PL n. 2721/2021.

9. Conforme a pesquisa Opinião dos brasileiros sobre funcionalismo público e lideranças (2023).

10. Segundo o República.org, com dados da RAIS de 2022.

11. É importante ressaltar que 38% das rubricas da base do CNJ e CNMP sobre remunerações de magistrados e procuradores não são identificáveis por conta da falta de padronização, segundo o Anuário de Gestão de Pessoas no Serviço Público (2024), do República.org.

 

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