Drummond morreu de amor
“Eu tenho que concentrar nela todo o amor que eu podia ter.”
Lá se vão 33 anos da ausência do poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), com o seu Encantamento em 17 de agosto, uma segunda-feira de muito sol.
Para recordar a pessoa do poeta, a Vila de Utopia publica um trechinho de uma entrevista que ele concedeu à jornalista Maria Julieta Drummond de Andrade (1928-87).
E também compartilha artigo de Dinah Silveira de Queiroz (1911/82) contando a tristeza que foi, na casa de Drummond e Dolores, quando a filha única do casal foi viver em Buenos Aires. (MCS)
Entrevista concedida por Drummond, em 22 de janeiro de 1984, disponibilizada pelo Instituto Moreira Sales
MJDA – Bom, você se negou um pouquinho a dizer sobre sua filha. Eu queria poder dizer sobre a sua filha. A sua filha as vezes te provoca, nem sempre te agrada.
CDA – A minha filha teve um papel muito importante na minha vida. Como filha única, ela evidentemente deve me interessar profundamente como filha. Eu sinto nela uma camaradagem de espírito comigo que é muito agradável.
Eu tenho com minha filha conversas que eu não teria com uma amiga comum ou com um amigo comum porque ela entende bem os meus lados, os débeis e também porque ela diz as coisas que eu gostaria de ouvir das pessoas francas e que a pessoa não diz.
MJDA – Os defeitos de sua filha?
CDA – Eu não julgo minha filha. Ela é uma pessoa adulta, com que direito eu vou julgar a minha filha? Não, eu não tenho. Ela não me julga, nós somos amigos, um amigo não julga o outro amigo.
Temos uma boa camaradagem, uma fraternidade muito grande. Isso eu acho muito importante porque não tenho outros filhos para dividir para mim multiplicar em carinho.
Eu tenho que concentrar nela todo o amor que eu podia ter. Então eu acho que é uma relação muito boa, saudável neste sentido. Outra coisa, eu escrevo, ela também escreve, nenhum de nós faz concorrência ao outro, nós dois somos muito livres.
MJDA – Não está contra ela, não está triste com ela, está satisfeito?
CDA – Porque eu haveria de estar triste? Ora vá te catar! Vai!
Café da manhã. Maria Julieta em Buenos Aires
Dinah Silveira de Queiroz
Tive ontem pequena conversa com meu caro amigo Carlos Drummond de Andrade. O poeta que mais impregnou a sua personalidade nas várias gerações da nova poesia, e que neste domingo deixou sobre meu espirito a surpreendente beleza de um seu poema sobre a tarde de maio – como um grande poeta pode encantar, quando trata de tão conhecidos temas!
A poesia sempre foi, mesmo, meramente a surpresa comum, a renovação do trivial!… O poeta se acha impregnado de funda saudade.
Talvez o leitor já tenha sabido, se tiver lido Rubem Braga – Maria Julieta, a filha de Carlos Drummond, casou e foi morar em Buenos Aires. Naturalmente, quem me lê conheceu a fina escritora Maria Julieta.
Eu tive a oportunidade de conhecer também a jovem bandeirante, a toura e bela moça, que sempre admirei na normalidade sadia de sua vida, intelectual aos dezessete, como o foi, sem ser pedante, modelo de menina que pais e mães disputariam como uma filha ideal.
Por isso, bem sei como deve sentir vazia a casa o casal Drummond de Andrade.
Habitua-se alguém a viver para uma filha, em consumir preocupações por motivo de um filho. Casa o rapaz ou a filha. E nós ficamos com um mundo obstinado de ânsias sem direção.
E hoje uma leitura, amanhã uma ideia que se quer compartilhar… é a fiscalização de quem já há muito deixou de ser criança, mas de quem continuamos a cuidar em todas as horas, ainda na ausência.
Maria Julieta escolheu seu marido e casou em dois meses. Muitos talvez achem que a moça andou depressa demais. Bem sabemos, no entanto, como pouco importa o tempo, quando temos de fazer grandes escolhas.
Ou se encontra logo o amor, e se descobre logo o amigo, ou jamais poderemos amar alguém, ou pisar juntos naquele único terreno da amizade. Afinidades que se não explicam.
Comigo, sempre foi assim: não conheço muito bem o truque: “cultivar uma amizade”, e não acredito no “cultivo” do amor. Isso, então, sempre me pareceu uma ingenuidade!
A casa do poeta está cheia da saudade da filha, porém Maria Julieta está radiante. Sua fala palpita de felicidade aos ouvidos dos pais ansiosos. Leva a moça ao país vizinho a sua embaixada importante.
Temos dito, infelizmente, como artigo brasileiro de exportação, para a Argentina, uma sofisticada mocidade que se empenha só em conhecer “boites” e em fazer compras, quando sai do Brasil.
No círculo em que convive Maria Julieta, a escritora que sabe viver a sua idade, tendo tão encantadoramente vinte anos, quando tal profundeza mostra seu espírito, um retrato muito lisonjeiro da finura e da sensibilidade da moça brasileira está sendo formado.
E aí está o motivo de orgulho que deve disfarçar a saudade do poeta. Poucos têm mandado, como Carlos Drummond, para fora do Brasil uma poesia que deita raízes, um dia destes vi creio que na esplendida revista de novos – Cromos – uns versos tipicamente, graciosamente drummondianos de um jovem português!
– Mas único é aquele que manda para o exterior sua grande alma numa preciosa filha única, como Maria Julieta.
[Hemeroteca da BN-Rio. A Manhã, 15.11.1949]
Linda e justa homenagem!
Num é Daniele!!! Eu penso que a Maria Julieta é uma pessoa bem nascida, foi muito bem educada. Gosto de sua figura, sua presença feminina-feminina e ela tem um itabirismo rebelde, gosto muito. Pela primeira ouvi a voz da Maria Julieta e é de um cristalino adorável, o pai tem voz de itabirano lastreada de cauêite. Sugiro a você ir ao sítio do Instituto Moreira Salles e ouvirá a entrevista completa e é ótima. Beijoca