Morre o criador d’O Cometa Itabirano, o psicólogo Lúcio Vaz Sampaio

Lúcio Sampaio com o poeta Carlos Drummond de Andrade, em 14 de fevereiro de 1981

Fotos: Altamir Barros/
Humberto Martins/
Acervo: O Cometa

Por Carlos Cruz

Psicólogo por formação acadêmica, jornalista e escritor por vocação, faleceu o criador e o primeiro editor do jornal O Cometa Itabirano, Lúcio Vaz Sampaio, aos 69 anos, na tarde desse sábado (11), vítima de infarto.

No final da década de 1970, ainda estudante de psicologia em Belo Horizonte, Lúcio Sampaio foi um dos itabiranos a liderar o movimento estudantil na capital mineira, tendo presidido o Diretório Acadêmico (DA) da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Foram momentos de grande tensão e mobilização estudantil na luta pelo fim da ditadura militar, pela anistia e convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte – e pela reconstrução da União Nacional dos Estudantes, fechada pela ditadura militar após o golpe de 1964.

Um movimento que marcou a história pela redemocratização do país com várias mobilizações de rua e um evento que não aconteceu, o 3o Encontro Nacional de Estudantes, em 4 de junho de 1977, reprimido fortemente pelo aparato militar.

O Cometa

Lúcio, agachado à esquerda, ao lado de Genin, em1984, na redação com a equipe do Cometa (Foto: Nandim)

Dois anos depois, Sampaio apareceu com a ideia de se criar um jornal em Itabira, uma forma de continuar participando, em sua cidade natal, da luta contra a ditadura e pela redemocratização, além de denunciar as mazelas itabiranas, como a devastação pela mineração, com humor e irreverência.

Foi nessa conjuntura que começou a circular a nova versão de um antigo jornal estudantil, O Cometa, dessa vez tendo o Itabirano acrescido ao seu nome. Lúcio foi o seu criador, idealizador. Ele já tinha o jornal formatado em sua cabeça quando propôs a sua criação, fortemente inspirado no jornal O Pasquim, do qual era assíduo leitor e colecionador.

Lúcio foi também o responsável por trazer o poeta Carlos Drummond de Andrade de volta a Itabira, pelas páginas do jornal, ao ponto de o poeta escrever, em uma carta, que “ele era uma invenção do Cometa”, tantas eram as referências à sua pessoa e à sua obra literária no jornal itabirano.

A troca de amabilidades entre Lúcio e o poeta teve início com a publicação da primeira carta de Drummond ao Cometa, em dezembro de 1979:

“Prezado Lúcio Vaz Sampaio: Grata surpresa O Cometa Itabirano. Espírito independente, diagramação moderna, impressão ótima. Gostei. Só que me pareceu um tanto … drummondiano em demasia. Claro que me tocou a generosa lembrança do meu nome em várias páginas. Mas eu entendo que a missão de vocês deve ser antes crítica do que enaltecedora, e há muita coisa a fazer em defesa e benefício de nossa Itabira. A entrevista com Dom Mário Gurgel, excelente. Dá que pensar o que ele observa com propriedade: as pessoas se interessam mais pela Vale do que por Itabira. É lamentável isto. Outra coisa: com mais de 100 mil habitantes, Itabira ainda precisa imprimir seus jornais em BH! Quando teremos uma boa gráfica. Abraço cordial e agradecido do velho itabirano, Carlos Drummond de Andrade.”

No jornal, Lúcio Sampaio ficou como editor até dezembro de 1987, quando ele decidiu se dedicar exclusivamente à psicologia, depois de ser aprovado em concurso público na Prefeitura de Itabira, que formava a primeira equipe de saúde mental no município.

Lúcio na janela do sétimo andar do apartamento de Drummond, na rua Conselheiro Lafaiete, Rio de Janeiro

Luta antimanicomial

Juntamente com o psicólogo Marcelo de Castro e o médico psiquiatra José Romualdo Oliveira, a nova equipe de saúde mental participou ativamente da luta antimanicomial no país, atingindo o seu ápice em 24 de novembro de 1992, com a instalação em Itabira do Centro de Atenção Psicossocial (Caps), um dos primeiros no estado de Minas Gerais.

Com a implantação do Caps, Itabira deixou de ser a cidade que mais enviava “doidos” para tratamento nos hospitais psiquiátricos de Belo Horizonte e Barbacena. Foi quando as pessoas com algum tipo de sofrimento mental passaram a ser cuidadas na própria cidade, com atendimento humanizado junto aos seus familiares, pondo fim às internações compulsórias.

Lúcio trabalhou no Caps até se aposentar, há pouco mais de dois anos. Com a sua morte fica um legado importante para todos os que com ele conviveram, de uma pessoa culta e engajada politicamente tanto na profissão, como no jornalismo à frente da turma do jornal O Cometa Itabirano.

O seu corpo vai ser velado neste domingo (12), no horário de 9h às 13h, no Memorial Santa Terezinha (rua Hidelbrando Martins da Costa, 125, bairro Água Fresca). O sepultamento será em seguida, no Cemitério do Cruzeiro.

 

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10 Comentários

  1. Meus sentimentos a todos os familiares. Lúcio foi meu coordenador de RH na antiga DRS de Itabira. Pessoa boníssima, gentil e excelente companheiro de trabalho. O conheci na direção do O Cometa e era muito bom participar daquele momento histórico.
    Descanse em paz, meu amigo.

  2. Nossa que tristeza!
    Lúcio esteve quinta-feira no Memorial CDA.
    Ele sempre sugerindo coisas…encantado com o acervo de cartas e os novos livros da Biblioteca . Antes combinamos uma mesa para Flitabira e depois mudamos tudo. Sempre preocupado com a Cultura…
    Aprendi muito com o Lúcio, desde os tempos do Cometa. Vendo esta foto do jornal em que estou atrás dele me dá uma saudade danada. Quantas histórias… quanta vida .Descanse em paz.

  3. Sinceramente eu não saberia por onde começar, precisar a data e hora, mas depois de ter trabalhado por 3 edições da Revista Hora Presente em Itabira-MG, sob a direção do José Norberto de Jesus “Bitinho” e do Sérgio Eisenberg (in memoriam), voltei para Belo Horizonte e numa tarde que eu penso que estava escrito nas estrelas, minha mãe, Maria da Anunciação Barbosa e Silva (in memoriam), me chamou dizendo que uma pessoa de nome Lúcio estava me chamando no telefone.

    Para minha surpresa era o Lúcio – Lúcio Vaz Sampaio – me convidando a fazer parte do grupo do Jornal O Cometa Itabirano, feito esse que no momento, o que eu posso dizer é que esse dia, esse telefonema foi o dia marcado para a minha redenção. Foi o dia que Deus escolheu para que eu me reencontrasse e assim foi.

    Minha vida a partir desse dia. Desse telefonema do Lucio, nunca mais foi a mesma.

    Recentemente reencontrei o Genin Guerra e logo nas primeiras conversas eu não só perguntei pelo Lúcio, como também lhe disse mais uma vez que o jornal O Cometa Itabirano, foi a minha grande escola, a minha grande faculdade e o em seguida o Genin completou dizendo: sim… foi uma escola para todos nós.

    Descanse em Paz prezado e querido Lúcio, e ainda ouso em dizer que eu sei que você sabe o quanto lhe sou grato pela oportunidade de ter tido a honra de trabalhar com você e todos que diretamente e indiretamente construíram esse grande órgão de comunicação brasileira – Jornal O Cometa Itabirano – e o quanto lhe sou eternamente grato pelos ensinamentos.

    Fernando Barbosa e Silva

  4. Lúcio Vaz Sampaio, o encantador de crianças.
    Lúcio Sampaio era verdadeiramente um sábio, e um grande amigo. Ele era muito especial para as crianças.
    Na década de 90 éramos adeptos de bons acampamentos, onde levávamos crianças, nossos filhos, todos casais jovens com crianças pequenas de 1 a 10 anos de idade. E nossos acampamentos eram sensacionais.
    “Tio Lúcio” (assim as crianças o chamavam) era o espirito que voa nas florestas nos locais em que acampávamos, representando a liberdade e mostrando sempre o lado humorístico de suas criações.
    Eram brincadeiras incríveis, além das histórias fantásticas que contava, ele sempre usava recursos imagináveis para realizar as aventuras que permitiam as crianças um viajar no imaginário coletivo. Ao anoitecer, lanternas nas mãos, botas nos pés e pelas trilhas afora ia o Tio Lúcio juntava às crianças em busca de aventuras das estórias que sempre contava. Ora era um desafio que fazia. Mas sempre desbravando as trilhas na escuridão da noite, com suas sombras e animais (corujas, curiango e outros) que por ali habitavam provocando arrepios de medo e admiração. Imagino que estavam à procura de castelos medievais, fadas, heróis, monstros, duendes e seres inimagináveis. Ele sempre conseguia transportar as crianças para o mundo imaginário, e elas sempre voltavam acreditando que tinham visto coisas fantásticas.
    Certa vez, Tio Lúcio contou a história da árvore do dinheiro e dizia aos meninos que iria provar que naquele local (no imaginário da garotada era uma grande floresta com seus segredos impenetráveis) existia a árvore carregada de dinheiro, e todas estórias que contavam pedia segredo, não poderia contar para os adultos. Naquela noite, depois que as crianças dormiram, Tio Lúcio embrenhou-se caladinho no mato e preparou a sua surpresa. A tão sonhada árvore do dinheiro.
    No outro dia bem cedo, quando as crianças acordaram ele disse que sabia aonde estava a árvore do dinheiro. Ficaram todos curiosos e agitados e queriam ir na mesma hora ver a tal árvore do dinheiro. Então preparou uma expedição e foram em busca da tão cobiçada árvore. Chegando lá, foi uma visão surreal para as crianças: a árvore estava carregada de cédulas verdinhas, mas foram avisados que não podia colher, estavam verdes e que tinham que amadurecer. Eles acreditaram piamente no Lúcio.
    Seguramente todas as aventuras criadas por ele, ficaram na mente de nossas crianças que hoje adultas sabem um pouco do que é sonhar e acreditar num mundo de fantasias e realizações tornando-os capazes e vencedores.
    Obrigado “Tio Lúcio”!

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