Morre em Belo Horizonte o poeta Marcelo Dolabela, artista multimídia, roteirista, músico, compositor brasileiro

Faleceu nesta manhã de sábado (18), em consequência de um acidente vascular cerebral (AVC) que ele sofreu há mais de um ano, o poeta e professor Marcelo Gomes Dolabela, aos 62 anos.

Nascido em Laginha (MG), Dolabela foi um artista multimídia, roteirista, músico, pós-graduado em literatura brasileira pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mestre em comunicação pela Universidade São Marcos.

Já teve trabalhos de arte postal expostos em salões nacionais e internacionais (Canadá, Estados Unidos, Peru, Uruguai, Bélgica, França, Portugal).

Painel com texto de Marcelo Dolabela na exposição dos 40 anos de O Cometa, no Centro Cultural de Itabira

Foi colaborador do jornal O Cometa Itabirano por muitos anos e é lembrado na exposição dos 40 anos do jornal, em cartaz no Centro Cultural Carlos Drummond de Andrade.

Foi o autor do texto do curta-metragem Uakti-Oficina Instrumental, de Rafael Conde, prêmios de melhor filme e melhor montagem no Festival de Gramado de 1987, na categoria curta-metragem.

Atuou também como roteirista dos filmes Arnaldo Batista Maldito Popular Brasileiro e Adeus América, ambos de Patrícia Moran.

Capa do livro ABZ do Rock brasileiro, de sua autoria

Como músico, integrou diversas bandas, entre elas a Sexo Explícito, que teve entre seus integrantes John Ulhoa, atua integrante do Pato Fu. E como escritor, publicou mais de 30 livros de poesia, entre eles Adeus América; Violência; Droga; Radicais.

Auto intitula-se “dadamídia”, devido a característica de seus espetáculos,  liderando também o grupo poético-musical Caveira, My Friend.

É autor do ABZ do Rock Brasileiro, a principal referência enciclopédica para o rock brasileiro até a década de 2000, quando a internet se popularizou, sendo referência em muitos trabalhos acadêmicos sobre esse gênero musical. O livro tem vários prefácios, escritos por Arnaldo Antunes, Zé Rodrix e Tony Campelo.

O velório será na Casa do Jornalista, em Belo Horizonte, a partir de 15h até meia-noite. A pedido do escritor haverá um sarau com leitura de seus poemas e de parceiros. Terá ainda a marca de sua rebeldia, anunciam os amigos, com cerveja, música e tudo que a sua trajetória artística e cultural é merecedora.

Poemas de Marcelo Dolabela

 BALANÇO DA DÉCADA

 

uma década tem mais de cem séculos

dez bilhões de vozes num único eco

mil e uma noites num mero segundo

poucos trilhões de silêncio num ponto

 

quanto se conta os átomos é ótimo

a hora fica interminável num átimo

não se chega nunca a nenhum lugar

e apenas se volta ao mesmo volume

 

um só dia tem bem mais de dez décadas

num rústico eco a maior biblioteca

da luz do segundo nenhum consenso

até quanto nos faltará silêncio

 

IN LE JUNGLE DE JUNG

 

eis a memória do mundo

o tempo morre

a cada segundo

 

eis a história da raça

o tempo nasce

quando passa

 

eis a glória da arte

o tempo vive

quando parte

A seguir, poemas extraídos da antologia A POESIA MINEIRA NO SÉCULO XX, org., introd. e notas de Assis Brasil. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1998.

 
PRESUNTOS

Sim, há bueiros sobre nossas cabeças
e  cães ladram vadios no nosso intestino;
cometemos todo crime, somos heróis:
eis o que nos ensina a lei e o destino.

Aprendemos a matar desde menino,
no café da manhã, cortando o presunto:

seguimos, à tarde, seremos bons heróis,
que sabem saborear um bom defunto.

Saibamos manejar cifras, colt, palavras,
como um bom cidadão, sensato assassino;
assim, teremos bueiros sobre a cabeça
e vadios cães no nosso verde intestino.

Um bom herói se faz desde bem menino,
conhecendo suas leis e seu assunto,
passeando sobre a cidade, bom herói,
recebendo uma medalha por um defunto.

(Radicais, 1985)

            A DESEJADA

sim mais um dia sem as tua tardes,
agora, sim, agora posso ver:
se sofro, se minha dor não tem cofre,
ao céu não serve a lágrima que choro.

talvez passarei antes de cessar
a sombra do sol, o ombro do sofrer;
se morro, se não sorvo mais os dias,
        as noites me servirão por prêmio.

quando o jamais chegar na madrugada,
serei o irmão que não está por vir;
rir talvez o jamais não poderá;

e, na ausência de transitória ausência,
tua mão reconduzirá o ausente,
        ao leito em que todos adormecemos.

(Amônia, 1997)

 

 

 

 

 

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