Vila de Utopia

Moradores e ativistas exercitam a democracia direta em Audiência Pública das Barragens no Centro Cultural

Cerca de 400 pessoas participaram, nessa segunda-feira (9), da Audiência Pública das Barragens, há 301 dias depois de sua aprovação pela Câmara Municipal de Itabira, após o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, que matou 270 trabalhadores, moradores e turistas, além de deixar um rastro de destruição socioambiental no leito e às margens do rio Paraopeba.

Foi uma audiência histórica, só comparável à ocorrida em fevereiro de 1998, quando a sociedade civil organizada apresentou as suas reivindicações ambientais, a maioria incorporada à Licença de Operação Corretiva (LOC), aprovada em 19 de maio de 2000 pela Câmara de Mineração do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam).

Público lotou o teatro e exerceu o seu protagonismo na Audiência Pública das Barragens (Foto: Carlos Cruz)

A audiência teve um começo difícil, marcado por questões de ordem – e que acabaram por ampliar a composição da mesa formada por representantes da sociedade civil, vereadores, representante do Ministério Público, da Aecom Engenharia, empresa de auditoria independente e por gerentes da mineradora Vale.

Por força dessas mesmas intervenções, foi também alterada a ordem das intervenções. Inicialmente, havia sido acertado entre o presidente da Câmara, vereador Heraldo Noronha (PTB) e a mineradora, que os seus representantes exporiam primeiro, antes das perguntas do público.

Isso para que fossem expostas pela empresa as condições de estabilidade e as medidas que têm sido adotadas para aumentar a segurança de cada uma das 15 estruturas de contenção de rejeitos de mineração existentes no entorno da cidade. Mas essa exposição só ocorreu após as primeiras manifestações do público, que foi o protagonista da audiência.

Protesto

Exercitando a democracia direta, ativistas e moradores apresentaram as suas preocupações e reivindicações à Vale e à Prefeitura, que não enviou representante à audiência pública.

André Viana registrou protesto pela ausência de representantes da Prefeitura

“Deixo aqui o meu protesto pela ausência do prefeito Ronaldo Magalhães e em especial da secretária Municipal de Meio Ambiente”, registrou o vereador André Viana Madeira (Podemos), que foi quem coordenou a ordem das intervenções, assegurando espaço para todos que quiseram se manifestar livremente.

A ausência da secretária Priscila Braga Martins da Costa, que é também presidente do Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema), foi antecipada por este site ao informar sobre o seu posicionamento, manifesto na reunião do órgão ambiental, na quinta-feira (5).

“Quero deixar claro que nós, da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, não temos atribuições nesse caso (na audiência pública). Não podemos nem ir lá fiscalizar (as barragens), não temos base de dados para isso, que é (atribuição) do governo federal”, respondeu a secretária, ao ser questionada na reunião do Codema se participaria da audiência.

Contundência

Moradores e ativistas foram contundentes nas críticas à mineradora, como por exemplo, em relação à falta de transparência sobre as reais condições das 15 estruturas de contenção de rejeitos existentes em Itabira.

Foram mais de 20 intervenções. Elas reivindicam, por exemplo, o fim das barragens de rejeitos, o cumprimento da condicionante de números 9 (apresentar plano de contingência para situações emergenciais e mitigação de eventos catastróficos) – e com maior ênfase, a execução  da condicionante de número 46, que trata do reassentamento de moradores em áreas de risco.

É o caso dos que residem nas chamadas Zonas de Autossalvamento, ou de alto risco de mortes como designam os ativistas do Comitê Popular. Outra reivindicação é de estabilidade no emprego para os trabalhadores da Vale até que ocorra o descomissionamento das barragens, como já foi assegurada em outras minas da Vale.

Os moradores e ativistas cobram o atendimento de todas as condicionantes da LOC, como a que trata do suprimento de água à população. E querem, também, que se faça um novo balanço das outorgas de água concedidas à mineradora, diante da nova conjuntura no município e da iminência da exaustão mineral, prevista para 2028.

Os ativistas do Comitê Popular incluíram ainda na pauta de reivindicações a necessidade de todas as estruturas de barragens da Vale passarem por um novo processo de licenciamento, segundo a lei estadual conhecida como Mar de Lama Nunca Mais.  E que seja, definitivamente, interrompido o alteamento da barragem Itabiruçu.

E que a empresa arque financeiramente com o tratamento de saúde mental na atenção básica no município – e também das doenças respiratórias decorrentes da poeira proveniente das minas da Vale.

Foi  proposta pelo Comitê Popular uma emenda à Lei Orgânica de Itabira, que acrescenta inciso ao artigo 161, para que seja “vedada a construção, instalação, ampliação e alteamento de barragens diques ou outra estrutura destinada à disposição final ou temporária de rejeitos de mineração ou acumulação de resíduos industriais de quaisquer tamanho, espécie ou natureza”.

A expectativa dos ativistas é de que a emenda à Lei Orgânica seja assinada pela maioria dos vereadores, para depois ser sancionada pelo prefeito. Se isso não ocorrer, com a assinatura de pelo menos seis vereadores, que seja a emenda seja proposta por iniciativa popular.

É preciso averiguar se essa proposta de emenda é atribuição dos legisladores municipais, para que, no aso de ser aprovada, não se torne inconstitucional. 

“Hora certa”

Rodrigo Chaves, gerente-geral da Vale em Itabira

Foram mais de quatro horas de audiência pública – teve início às 20h e só terminou depois de meia noite. Ao final, o gerente-geral do Complexo Minerador de Itabira, Rodrigo Chaves, reconheceu a importância de sua realização, ressaltando o seu caráter democrático.

“A audiência está acontecendo na hora certa”, disse ele, que contextualiza esse momento como o mais propício para a sua realização.

Isso, segundo ele, pelo fato de os moradores terem mais informações – e sem a emoção da comoção ocorrida com o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho.

“Estou aqui, com vocês, exercendo a democracia. Queremos olhar no retrovisor para aprender com os erros do passado, olhar pra frente e fazer diferente, corrigindo esses erros”, projetou o gerente da Vale.

Chaves se comprometeu a responder, por meio de sua assessoria, todas as perguntas formuladas por escrito que não foram respondidas – e também as dúvidas que ficaram sem respostas durante a audiência pública. “Vamos melhorar nossa comunicação com vocês”, prometeu.

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