Minério de Itabira exaure em 2028, comunica a Vale em relatório à Bolsa de Nova Iorque
Carlos Cruz
O espectro da exaustão das minas de Itabira, que desde sempre assombra seus moradores, pode virar realidade na próxima década: 2028 é a data cravada pela Vale para que o fim ocorra, conforme está no relatório anual Form20 (F20), registrado em 13 de abril deste ano na Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos, relativo ao exercício encerrado em 31 de dezembro de 2017.
O relatório é publicado anualmente em cumprimento à legislação norte-americana de mercado de capitais, conforme informa o jornalista Paulo Mangerotti, na revista especializada Notícias de Mineração Brasil.
No quadro denominado Operações Integradas de Minério de Ferro, publicado na página 72 do referido relatório (leia mais no link http://www.vale.com/PT/investors/information-market/annual-reports/20f/20FDocs/Vale_20F_2017_p.pdf), a empresa também adverte os seus acionistas que negociam com a Bolsa de Valores de Nova Iorque que a projeção “indica a vida útil da mina operacional com a data de exaustão mais longa prevista no complexo”
Ou seja, diante da advertência, pode-se concluir que o “horizonte temporal da exaustão das minas de Itabira” pode ocorrer antes do previsto. Aliás, se isso realmente ocorrer, confirma a projeção feita no início da última década do século passado pela Associação Comercial, Industrial, Serviços e Agropecuária de Itabira (Acita), ao lançar o projeto Itabira 2025, data apresentada naquela época como provável para o fim das minas de Itabira. A diferença de três anos deve ser creditada à margem de erro.
Reservas e recursos
De acordo ainda com as informações da Vale aos norte-americanos (e ao mundo), Itabira dispõe de três unidades de processamento (duas em Conceição e uma em Cauê, ampliadas e adequadas para processar o itabirito duro, ou compacto, como queira. Produziu 37,8 milhões de toneladas (Mt) no ano passado, que representaram 10,3% da produção nacional da empresa de 366,5 Mt no mesmo período.
Sempre de acordo com o formulário, em 2017 o complexo de Itabira dispunha de reservas provadas de 738,6 Mt e de 181,6 Mt de recursos prováveis, totalizando 920,2 Mt.
Além de estar chegando ao fim, o minério das minas de Itabira está mais pobre em ferro: 45,5%. É o segundo teor mais baixo de todos os minérios explorados pela Vale, sempre de acordo com o relatório. Só não perde para Mariana, com teor de ferro de 45,3%.
“A expectativa de exaustão das minas foi ajustada de acordo com o nosso novo plano de produção e a revisão da capacidade dos projetos”, informa adicionalmente o relatório da empresa.
Mineradora diz estudar alternativas para ampliar permanência em Itabira
Procurada pela reportagem para esclarecer sobre os números relativos às minas de Itabira apresentados no relatório, por meio de sua assessoria de imprensa a Vale foi lacônica, econômica na resposta:
“O relatório Form 20-F apresenta panoramas de cada negócio da Vale, com base em estimativas que levam em consideração fatores como expectativas de aproveitamento das reservas minerais economicamente viáveis e o comportamento de mercado. Cabe salientar que a Vale tem buscado alternativas que visam estender o tempo de atividades da empresa em Itabira.” E nada mais disse, embora muito tenha sido perguntado pela reportagem.
De fato, pelos números constantes no próprio F20, e se for considerar que os recursos apresentados serão viabilizados economicamente, o horizonte de exaustão pode ser superior aos escassos dez anos cravados pela mineradora.
Com reservas e recursos da ordem de 1.010,3 Mt, sendo mantida a média anual de produção de 37,8 Mt, Itabira terá mais 26 anos de mineração pela frente. E mesmo se a produção crescer até atingir a capacidade anual máxima de 50 Mt, esse horizonte será de 20 anos. Pode ser um alento diante do prognóstico pessimista apresentado aos acionistas de Nova Iorque.
Afinal, dez anos é muito pouco tempo, principalmente pelo quase nada que se fez para criar as tais alternativas econômicas à mineração. Após torrar os recursos da Cfem investindo em empresas para diversificar a economia local, principalmente no Distrito Industrial (DI), essa política redundou em enorme fracasso.
Hoje, excetuando os investimentos realizados pela Prefeitura na Unifei, as empresas instaladas no DI não chegam a gerar 2 mil empregos diretos. Mesmo assim é importante registrar que a maioria é do setor metalmecânico, altamente dependente da mineração.
Com isso, mantêm-se a mesma dependência histórica, que nesta sexta-feira (1) completa 76 anos, com a fundação da Vale. A empresa foi criada em 1942 por Getúlio Vargas, na vigência do Estado Novo (1936-46), para explorar a hematita de Itabira – e cresceu no esforço de guerra para que os aliados derrotassem o eixo do mal nazifascista.
Viabilidades
Em entrevista a este site, em 3 de maio do ano passado, o então gerente-geral das Minas de Itabira, Fernando Carneiro, hoje no Complexo das Minas Centrais, assegurou que a Vale não tem data prevista para o fim do minério em Itabira.
“Se eu cravar uma data para a exaustão das minas de Itabira, estarei cometendo o mesmo erro do passado, quando se falou que elas iriam exaurir em 2018 e depois em 2025.”
Alternativas
Mais recentemente, no final de abril, em debate na Câmara Municipal sobre segurança das barragens, o gerente-geral do Complexo de Itabira, Rodrigo Chaves, admitiu que a Vale estuda a viabilidade de transpor minérios de outras localidades próximas para que sejam beneficiados nos complexos Cauê e Conceição. Ele não citou quais seriam essas minas, mas sabe-se que a Vale tem reservas em Conceição do Mato Dentro, Morro do Pilar e Guanhães.
Outra opção, e que já vem ocorrendo na grota do Minervino, é reaproveitar em maior escala o rejeito das usinas depositado nas barragens do Pontal, Conceição e Itabiruçu. “Assim como desenvolvemos tecnologias para beneficiar o itabirito mole e depois o itabirito compacto, é possível no futuro que se desenvolva tecnologia para explorar rejeitos de até 20% de ferro e que estão depositados nessas barragens”, admitiu.
A Vale não nasceu em Itabira, mas em Itabirito, erra o relatório
O mesmo relatório F20 apresentado pela Vale neste ao ano aos acionistas norte-americanos comete um crasso erro. Diz que a Vale só iniciou as suas operações nas Minas de Itabira em 1957, ignorando o seu nascimento na terra do poeta maior em 1º de junho de 1942.
Segundo relatou aos norte-americanos, as suas operações em Minas Gerais tiveram início nas minas de Itabirito. Para se ver que até essa primazia histórica Itabira está perdendo entre tantas perdas incomparáveis. Além disso, de acordo com o relatório, Itabirito leva também enorme vantagem sobre Itabira: as suas minas só irão exaurir em 2118.
Já os moradores de São Gonçalo do Rio Abaixo, onde está a mina de Brucutu, por ora não precisam preocupar com a exaustão. É que o fim inexorável só irá ocorrer em 2056, prevê o relatório, como parte das Minas Centrais.
No formulário F20, empresa faz uma importante advertência
Para alimentar o imaginário dos mais céticos, segue abaixo o registro feito pelo formulário F20 das ressalvas necessárias para as salvaguardas futuras perante aos acionistas, no caso de uma das minas exaurir antes do tempo previsto:
“Nossas reservas reportadas em nossos relatórios são quantidades estimadas de minério e minerais que determinamos que são economicamente viáveis de serem lavradas e processadas, de acordo com as condições presentes e futuras assumidas. Há inúmeras incertezas inerentes à estimativa de quantidade de reservas e à projeção das possíveis taxas futuras de produção mineral, inclusive fatores além de nosso controle. O relatório de reservas envolve a estimativa de depósitos minerais que não podem ser medidos com exatidão e a precisão de qualquer estimativa de reserva é uma função da qualidade dos dados disponíveis e da interpretação e julgamento dos engenheiros e geólogos. Como resultado, não é possível garantir que a quantidade de minério indicada será recuperada ou que será recuperada nos índices que prevemos. As estimativas de reservas e vida útil das minas podem exigir revisões com base na experiência de produção real, projetos, dados de perfuração exploratória atualizados e outros fatores. Menores preços de mercado de minérios e metais, taxas de recuperação reduzidas ou o aumento dos custos operacionais e de capital devido à inflação, taxas de câmbio, mudanças nos requisitos regulamentares ou outros fatores podem tornar as reservas provadas e prováveis não econômicas para explorar e, em última instância, resultar em uma redução das reservas. Tal redução pode afetar as taxas de depreciação e amortização e causar um impacto negativo em nosso desempenho financeiro.”
Cada vez mais, os órgãos públicos municipais de Itabira, em especial a Prefeitura e a Câmara Municipal, juntamente com as entidades civis atuantes no município, precisam procurar planejar melhor suas ações e cobrar da Vale a apresentação e a efetiva execução do Plano de Fechamento de Mina para suas atividades minerárias neste município.
Para saber mais, sugiro começar lendo os conteúdos dos seguintes links:
http://www.geologo.com.br/fechamentomina.htm
http://www.cetem.gov.br/workshop/palestras/SALUM_2010_COMUNIDADES_E_FECHAMENTO_DE_MINA.pdf
http://www.dnpm-pe.gov.br/Legisla/nrm_20.htm
http://www.techoje.com.br/site/techoje/categoria/detalhe_artigo/957
http://general.igc.ufmg.br/geonomos/PDFs/20121/04_Tonidandel_et_al.pdf
https://www.tce.mg.gov.br/IMG/2017/ITABIRA%20-%20RELATORIO%20FINAL%20MINERACAO.pdf