Mineração em terras indígenas volta à pauta do Congresso em meio à COP 30
Ex-ministra Tereza Cristina (PP-MS) prometeu “legislação moderna”, enquanto Rogério Carvalho (PT-CE) apontou “omissão do Congresso”
Foto: Carlos Moura/ Agência Senado
A proposta reacende o embate entre desenvolvimento, direitos indígenas e credibilidade ambiental do Brasil
Valdecir Diniz Oliveira*
Enquanto o Brasil recebe líderes globais na COP 30, em Belém, para discutir soluções climáticas e metas de descarbonização, o Congresso Nacional reacende um dos temas mais controversos da política ambiental brasileira: a regulamentação da mineração em terras indígenas.
Para isso, um grupo especial foi criado no Senado com prazo de 180 dias para elaborar propostas que podem redefinir as regras de exploração mineral em territórios indígenas.
A medida reacende o embate entre soberania nacional, preservação ambiental e os direitos dos povos originários – e coloca o Brasil sob os holofotes internacionais em um momento decisivo para sua credibilidade climática.
Agenda ecoa a “Boiada” de Salles
A proposta não é um ponto fora da curva, mas sim parte de uma trajetória política que ganhou força durante o governo Bolsonaro. Em 2020, o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, declarou em reunião ministerial que era preciso “passar a boiada”, aproveitando a desmobilização da sociedade causada pela pandemia para afrouxar normas ambientais.
Essa frase se tornou símbolo de uma política deliberada de desmonte institucional, que incluiu a redução de verbas e autonomia de órgãos como Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes da Biodiversidade (ICMBio.
Além desse esvaziamento institucional, simultaneamente ocorreram tentativas de flexibilizar o licenciamento ambiental, incentivo à regularização fundiária de áreas desmatadas ilegalmente e paralisação de demarcações de terras indígenas e quilombolas.
A atual retomada da pauta da mineração em terras indígenas, liderada por figuras como Tereza Cristina (PP-MS), ex-ministra da Agricultura, representa a continuidade dessa estratégia, agora sob uma roupagem legislativa mais sofisticada e com maior articulação entre os poderes.
Convergência conservadora: ruralistas, evangélicos e interesses ocultos
A proposta é impulsionada por uma aliança política entre a bancada ruralista, setores evangélicos e grupos econômicos que compartilham interesses estratégicos.
Os ruralistas buscam expandir a fronteira agrícola e mineral, muitas vezes sobre áreas protegidas. Os evangélicos, com forte presença no Congresso, atuam como legitimadores morais e políticos, promovendo narrativas de “soberania nacional”, “desenvolvimento” e “missão civilizatória”.
Já os grupos econômicos, incluindo mineradoras nacionais e estrangeiras, pressionam por acesso a terras ricas em ouro, nióbio, cobre e outros minerais estratégicos.
Essa convergência tem sido eficaz em aprovar projetos como o PL do Licenciamento Ambiental, que reduz exigências para empreendimentos; o PL 490, que altera o marco temporal para demarcação de terras indígenas; e a PEC 215, que transfere do Executivo para o Congresso a decisão sobre demarcações.
Por trás da retórica de “modernização” e “aproveitamento de riquezas”, há interesses pouco transparentes, como especulação fundiária, grilagem e uso político da pauta indígena como moeda de troca legislativa.
Contradições com a COP 30
A movimentação legislativa ocorre justamente durante a COP 30, evento que deveria reforçar o compromisso do Brasil com a proteção ambiental. A contradição é evidente: o país se apresenta como líder climático, mas promove reformas que ameaçam biomas e comunidades vulneráveis.
Lideranças indígenas denunciam retrocessos e exigem ações concretas contra a violência territorial. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) tem sido enfática ao denunciar o avanço de projetos que legalizam a destruição e ignoram os direitos constitucionais dos povos originários.
Leia mais aqui: Alerta Congresso: Senado Realiza a Primeira Reunião do Grupo de Trabalho Para Discutir Mineração Em Terras Indígena | APIB
E também aqui: Senadores vão propor regras para mineração em terras indígenas
O Conselho Nacional dos Direitos Humanos recomendou ao governo que decrete estado de calamidade pública diante da escalada de ataques a povos indígenas, agravada por conflitos fundiários, invasões e omissões institucionais.
A proposta de mineração, nesse contexto, é vista como um agravante — uma legalização da violação.
O que está em jogo
A regulamentação da mineração em terras indígenas, se aprovada, pode consolidar um dos mais graves retrocessos socioambientais da história recente do país.
Isso porque, além de comprometer a imagem do Brasil como protagonista climático no cenário internacional, a medida ameaça diretamente a integridade de biomas estratégicos como a Amazônia e o Cerrado, cuja preservação é vital para o equilíbrio ecológico global.
Os impactos não se limitam ao meio ambiente: colocam em risco a sobrevivência física e cultural de povos indígenas isolados e de recente contato, cujas formas de vida dependem da proteção integral de seus territórios.
A proposta também fragiliza a segurança jurídica de direitos assegurados pela Constituição Federal e por tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que garante o direito à consulta livre, prévia e informada dos povos indígenas sobre qualquer medida que os afete.
A discussão sobre os “limites da exploração” não pode ignorar que essas terras são protegidas por lei e que o usufruto exclusivo dos recursos naturais nelas existentes pertence aos seus habitantes originários.
Qualquer tentativa de flexibilização exige não apenas alterações legislativas complexas, mas também enfrentamento jurídico, político e ético. E, acima de tudo, um compromisso real com a escuta ativa das comunidades afetadas.
Ignorar esses princípios é abrir caminho para a legalização da violação, sob o disfarce de desenvolvimento, que não pode ser a qualquer custo.

*Valdecir Diniz Oliveira é cientista político, jornalista e historiador.









